A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou que a União promova a reintegração do autor, um militar que lesionou o joelho em treinamento físico-militar da Aeronáutica, na mesma graduação em que foi licenciado, com o pagamento retroativo da remuneração, confirmando a sentença nesse ponto, e deu provimento à apelação, excluindo a condenação da União à reparação de cinco mil reais a título de dano moral.
Sustentou a União, no seu apelo, que, na condição de militar temporário, não havia óbice ao ato de desincorporação do autor, e que a incapacidade para o serviço militar foi agravada por sua culpa exclusiva, ao deixar de comparecer ao tratamento médico.
Argumentou que, no caso, as inspeções médicas consideraram o autor incapaz temporariamente por doença sem relação de causa e efeito com o serviço militar, e defendeu da possibilidade de se aplicar o “encostamento”, sem remuneração, para tratamento médico. Pleiteou ainda a reforma para afastar o dano moral.
Conforme verificou o relator, desembargador federal Rafael Paulo, a sentença que deferiu o retorno do autor à Força Aérea, na condição de adido, teve fundamento nos termos dos arts. 82 e 84 do Estatuto dos Militares (Lei 8.880/1980), uma vez que, à época do licenciamento, a própria Junta Médica Oficial reconheceu a necessidade de tratamento, inclusive com chance de recuperação e possibilidade de intervenção cirúrgica.
Com a evidência da incapacidade do autor para as atividades militares, o desembargador federal afirmou que, nos termos da lei e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “é ilegal o licenciamento do militar temporário ou de carreira que, por motivo de enfermidade física ou mental acometida no exercício da atividade castrense, tornou-se temporariamente incapacitado, sendo-lhe assegurada, na condição de adido, a reintegração ao quadro de origem, para o tratamento médico-hospitalar adequado, com a percepção de soldo e demais vantagens remuneratórios, desde que se comprove o nexo causal da enfermidade”.
Todavia, o magistrado destacou que “no que se refere ao pleito de reparação por danos morais, é assente nesta Corte que tal reparação exige prova de arbitrariedade e abuso” no ato administrativo de licenciamento do militar, dando provimento à apelação da União para afastar a condenação, neste ponto.O recurso ficou assim ementado:
LICENCIAMENTO. MILITAR TEMPORÁRIO. ACIDENTE EM SERVIÇO. ILEGALIDADE.
I – Hipótese de pleito pelo reconhecimento da nulidade do ato de licenciamento, com subsequente reintegração às fileiras militares, assegurando-se a completa recuperação e o pagamento de todas as parcelas remuneratórias e vantagens a que teria direito se na ativa estivesse, no contexto de enfermidade contraída durante a prestação do serviço militar.
II – A r. sentença impugnada concluiu pela procedência do pedido, ancorada no entendimento de que, comprovada a sua incapacidade temporária à época do licenciamento, deve ser reconhecido o direito à reintegração na condição de adido até que seja emitido parecer médico definitivo, motivo pelo qual desconstituiu o ato de licenciamento.
III – Assente o entendimento do e. STJ de que é ilegal o licenciamento do militar temporário ou de carreira que, por motivo de enfermidade física ou mental acometida no exercício da atividade castrense, tornou-se temporariamente incapacitado, sendo-lhe assegurada, na condição de adido, a reintegração ao quadro de origem, para o tratamento médico-hospitalar adequado, com a percepção de soldo e demais vantagens remuneratórias, desde que se comprove o nexo causal da enfermidade. (EREsp 1.123.371/RS, DJe 12/03/2019).
IV – Comprovado nos autos que o autor, em decorrência de acidente de serviço, na condição de militar temporário da Força Aérea Brasileira, apresentava incapacidade laboral temporária para o serviço militar à época do licenciamento, não prevalecem as razões do recurso da União, nos argumentos de que não haveria óbice ao ato de desincorporação, por ser o autor militar temporário e de que a causa da incapacidade para o serviço militar do autor não está relacionada às atividades castrenses.
V – “No caso, não se trata de pedido de reintegração de militar temporário não estável para fins de reforma, mas de reintegração para tratamento de saúde. E, em hipóteses como tais, a jurisprudência deste Tribunal “tem entendimento consolidado segundo o qual é ilegal o licenciamento do militar temporário ou de carreira que, por motivo de enfermidade física ou mental acometida no exercício da atividade castrense, tornou-se temporariamente incapacitado, sendo-lhe assegurada, na condição de adido, a reintegração ao quadro de origem, para o tratamento médico-hospitalar adequado, com a percepção de soldo e demais vantagens remuneratórios, desde a data do licenciamento indevido até sua recuperação” (STJ, AgInt no REsp 1.865.568/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 26/06/2020). No mesmo sentido, ainda: STJ, REsp 1.464.605/CE, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/03/2020; AgInt no TutPrv no REsp 1.462.059/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 22/02/2019; AgInt nos EDcl no AREsp 1.293.318/RS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 22/11/2018; AgInt no REsp 1.628.906/PE, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 27/9/2017.” (AgInt no AgInt no AREsp 1172753/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/10/2020, DJe 12/11/2020)
VI – A reparação por danos morais exige prova de arbitrariedade e abuso na condução dos procedimentos regulamentares que circundam o ato administrativo de licenciamento do militar.
VII – Não se revela ilícito o ato do licenciamento, quando cercado das regularidades formais, devidamente fundamentado em dispositivos legais, ainda que possa ser contestado e afastado, em razão de diversa interpretação do contexto fático-processual. A propósito: 6. A Administração tem o poder-dever de decidir os assuntos de sua competência e de rever seus atos, pautada sempre nos princípios que regem a atividade administrativa, sem que a demora não prolongada no exame do pedido, a sua negativa ou a adoção de entendimento diverso do interessado, com razoável fundamentação, importe em dano moral ao administrado. O direito se restaura pelo reconhecimento judicial do direito, em substituição à atividade administrativa, e não mediante indenização por danos morais (AC 0023878-85.2011.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 de 13/04/2016)
VIII – “A simples circunstância de se revelar ilegítimo o licenciamento então imposto, ou a mera submissão à condição de adido (temporária) ou, ainda, a só ocorrência de derradeira reforma por incapacidade (definitiva) para a vida militar, não são – tais eventos – justa causa para, isoladamente considerados, a condenação da parte ré em danos morais, pois dita indenização exige prova cabal de que o sinistro ensejador da incapacidade advenha (nexo/liame) de arbitrariedades, excessos, abusos ou omissões qualificadas (dolo ou culpa grave) na condução dos serviços usuais castrenses, para além dos seus riscos próprios ordinários. Ver: TRF1/T1, EIAC nº 0000707-60.2006.4.01.3502/GO, Rel. Des. Federal JAMIL DE JESUS.” (AC 0023427-97.2006.4.01.3800, JUIZ FEDERAL HERMES GOMES FILHO (CONV.), TRF1 – SEGUNDA TURMA, e-DJF1 25/07/2019 PAG.)
IX – Relativamente aos atrasados, o e. STJ, em sede de recurso representativo de controvérsia, REsp 1.495.146/MG, Tema 905, estabeleceu que as condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária. No que se refere aos juros de mora incidentes sobre as condenações impostas à Fazenda Pública, o STF considerou constitucional a sua fixação segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, a partir da vigência da Lei n. 11.960/2009.
X – Recurso de apelação da União e Remessa necessária parcialmente providos, para afastar a verba relativa à reparação por danos morais, assim como para adequar a incidência de juros e atualização monetária aos parâmetros fixados no julgamento do RE 870.947/SE (Tema 810 da repercussão geral) e do REsp. 1.495.146-MG (Tema 905).
Processo 0042227-97.2015.4.01.3400