É ilegal confisco de caminhão quando o proprietário não tem relação com a ação penal por tráfico que resultou na perda

A 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu que o proprietário de um caminhão não faz parte do processo penal que resultou em sua perda, e, portanto, pode ficar com o veículo. Ele havia sido apreendido por decisão da 5ª Vara da Seção Judiciaria de Mato Grosso (SJMT), mas o proprietário apelou da sentença determinada no mandado de segurança.

O caminhão havia sido apreendido por estar transportando drogas ilícitas e, posteriormente, o documento (Certificado de Registro de Veículo – CRV) foi encontrado com os demais investigados da Operação Carcará, da Polícia Federal.

Na sentença havia sido decretado o perdimento do veículo, uma medida prevista constitucionalmente em que bens utilizados para a prática de crimes ou produtos de atividades ilegais são perdidos em favor da União, ou seja, podem ser confiscados e passam a pertencer ao Estado.

 

Boa-fé – Ao analisar a apelação, o relator, desembargador federal Wilson Alves de Souza, verificou que, no caso, o impetrante adquiriu o veículo de boa-fé, quando não havia qualquer restrição judicial sobre o bem, e que o requerente e o irmão foram investigados e não foram denunciados na ação penal que determinou o perdimento do caminhão.

Por esses motivos, o desembargador concluiu que o perdimento do caminhão, adquirido de boa-fé por pessoa que não teve comprovada sua colaboração com os condenados na ação penal, é, conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF), “medida injusta, ilegal e, sobretudo, desprovida de qualquer razoabilidade ou proporcionalidade”.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PERDIMENTO DE CAMINHÃO UTILIZADO NO TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. AQUISIÇÃO POR TERCEIRO DE BOA-FÉ NÃO INVESTIGADO NA OPERAÇÃO EM MOMENTO QUE NÃO PENDIA QUALQUER RESTRIÇÃO NO BEM. PROPRIEDADE DO BEM COMPROVADA. NECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO.

1. Trata-se de mandado de segurança contra ato do Juízo Federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Mato Grosso, que no bojo do processo nº 1006129-73.2018.4.01.3600 decretou o perdimento de veículo de propriedade do Impetrante.

2. Alega, para tanto, que  na sentença prolatada no bojo do processo nº 1006129-73.2018.4.01.3600, a autoridade coatora decretou a perda, em favor da União, do caminhão Truck marca VOLVO, placa FQL0540, cor CINZA, e do semirreboque placa MFD-9201 – Mogi das Cruzes/SP, marca Librelato, haja vista tratar-se de bens utilizados para o cometimento do crime de tráfico de drogas, nos termos dos arts. 61 e 63 da Lei nº 11.343/2006 e do art. 243, parágrafo único, da Constituição da República, não obstante ser tal bem de propriedade de terceiro não investigado na operação.

3. A autoridade coatora apresentou informações registrando que quanto ao caminhão Truck marca VOLVO, placa FQL-0540, cor CINZA, e ao semirreboque placa MFD-9201 – Mogi das Cruzes/SP, marca Librelato (Auto de Apresentação e Apreensão ID 25712965, p. 22/23, e Auto de Apreensão Suplementar ID 25712965, p. 42), apesar de não existir prova de que sejam produto ou proveito do crime (art. 60 da Lei nº 11.343/06, c/c o art. 91, inciso II, letra b, do Código Penal), não há dúvida de que foram utilizados como instrumento do crime, eis que empregados no transporte da droga. Acerca dos instrumentos do crime, o Código Penal apenas reconhece a perda como efeito da condenação na hipótese de o fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constituir fato ilícito (art. 91, inciso II, letra a, do Código Penal). Contudo, em se tratando de instrumento utilizado para o cometimento do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, a lei é mais rígida, pois deixa de exigir a ilicitude do fato, isto é, fabrico, alienação, uso, porte ou detenção, para contentar-se com a circunstância de os instrumentos, no caso, veículos, terem sido utilizados na prática do crime – nexo de instrumentalidade (art. 61 e seu § 2º, da Lei nº 11.343/2006). Finalmente, importante salientar que o fato de o juízo estadual da Comarca de Cotriguaçu/MT, nos autos da ação penal nº 153- 88.2016.811.0099, ter determinado a restituição dos veículos à empresa que teria requerido anteriormente a restituição – no caso, a TRANSPORTES SILVA & VERONEZ LTDA – ME –, por si só, não impede o perdimento, pois os acusados CARMELITA BARBOSA DA SILVA e PAULO VERONEZ, sócios proprietários dessa empresa, não figuraram como réus na ação penal supramencionada, mas tão somente o motorista SEBASTIÃO DOMINGOS, não havendo que se falar, portanto, em coisa julgada.

4. Argumentou ainda que quanto à circunstância de o ora Impetrante não ter sido denunciado no bojo dos autos nº 1006129- 73.2018.4.01.3600, só por si, não constitui óbice ao perdimento, cabendo mencionar, neste ponto, que foi dada continuidade às investigações do caso no IPL nº 674-15.2016.4.01.3601 (Operação Carcará) – inclusive em relação ao ora impetrante, conforme se depreende de manifestação ministerial constante no referido apuratório, datada de 18/12/2018 (cópia anexa) -, inquérito ao qual foi determinado, na sentença, que o CRV nº 9493577800, Detran/SP, referente ao veículo cavalo trator Volvo/FH 540 6x2T, placa FQL-0540, permaneça vinculado, até que se resolva, em definitivo, a questão atinente à boa-fé do possuidor.

5. O MPF opinou pela denegação da segurança.

6. Da adequação da via eleita.  “Nos termos do arts. 593, II, da Lei Adjetiva Penal e 499 do Código de Processo Civil, o terceiro que, em sentença proferida em processo penal, teve seus bens declarados perdidos, pode dela recorrer como terceiro prejudicado. Precedentes da Corte” (ACR 0008229-92.2007.4.01.3700/MA, Rel. Desembargadora Federal Assusete Magalhães, Rel. Conv. Juiz Federal Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Turma, e-DJF1 p.107 de 12/12/2008). O terceiro prejudicado poderá ainda impetrar mandado de segurança: “é cabível a impetração de mandado segurança por terceiro prejudicado, visando a liberação de bem de sua propriedade, com perdimento em favor da União decretado por sentença penal condenatória. Súmula nº 202, do eg. Superior Tribunal de Justiça” (Numeração Única: 0032121-04.2009.4.01.0000; MS 2009.01.00.032348-5/GO; Rel. Des. Federal Mário César Ribeiro, e-DJF1 de 19/12/2011, p. 111)” (MS 0036527-58.2015.4.01.0000/GO, Rel. Desembargador Federal Ney Bello, Segunda Seção, e-DJF1 de 01/02/2016) – AP 0001353-69.2017.4.01.3507; Rel. Des. Ney Bello.)

7. Nos termos da jurisprudência do STJ, a expropriação de bens em favor da União pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes tem previsão em foro constitucional, nos termos do art. 243, parágrafo único da Constituição Federal e decorre da sentença penal condenatória, conforme regulamentado, primeiramente e de forma geral, no art. 91, inciso II, do Código Penal, e ao depois, especificamente, no art. 63, da Lei 11.343/2006.

8. Sendo o veículo em questão utilizado para a prática do tráfico internacional de entorpecentes, prescindível perquirir a habitualidade e exclusividade do seu uso para fins ilícitos (RE 638491, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-186 DIVULG 22-08-2017 PUBLIC 23-08-2017).

9. Sob vertente diversa, o caso concreto demonstra a existência de terceiro adquirente do bem que, de acordo com o arcabouço jungido, não fez parte do processo que culminou na decretação de perdimento do bem em favor da União. Ao revés. Há documentação nos autos (DUT fls. 62/63, contrato de compra e venda de veículo fls. 103/104) que comprova a venda do veículo Volvo/FM 540 6x2T, 2012/2012, cor cinza, placa FQL0540 em 29.10.2018, pelo preço de R$ 110.000,00, com autenticação no cartório competente em 30.10.2018, ou seja, em momento muito anterior à sentença que decretou o perdimento (20.10.2020) e em momento que não pendia qualquer restrição judicial sobre o bem, eis que a sentença que determinou a devolução do caminhão à empresa Transportes Silva e Veronez foi prolatada em 01.10.2018, dias antes da transação. Há, ainda, comprovante de pagamento, em favor do proprietário fiduciário do bem (Banco Pan), realizado pelo Impetrante em 19.12.2018, culminando com a extinção da ação de busca e apreensão movida pelo Banco Pan em desfavor da Transportes Silva e Veronez LT que deixaram de adimplir as parcelas de financiamento do caminhão.

10. Todas estas provam conduzem à conclusão de que, de fato, o Impetrante é o proprietário do veículo cujo perdimento em favor da União foi decretado na sentença proferida pela autoridade coatora em 20.10.2020.

11. Não obstante a autoridade coatora tenha entendido prematura a liberação da documentação apreendida eis que pendia conclusão de Inquérito que tinha o Impetrante como investigado, é certo que o irmão do Impetrante foi absolvido pelo Juízo, não tendo a autoridade coatora afirmado ou, menos ainda, feito qualquer prova de que o Impetrante atuava junto à ORCRIM.

12. O perdimento de bem de terceiro estranho à relação processual penal sem que se prove sua conduta colaborativa em relação aos condenados da ação penal implica medida injusta, ilegal e, sobretudo, desprovida de qualquer razoabilidade ou proporcionalidade.

13. Segurança concedida para determinar a restituição do bem tipo Caminhão VOLVO/FH540, ANO 2012, COR CINZA, CHASSI 9BVAG40C1E87594 ao Impetrante, sem qualquer gravame decorrente da ação penal nº 1006129-73.2018.4.01.3600.

Processo: 103962036.2020.4.01.0000

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