Cabe agravo de instrumento contra decisão interlocutória que indefere expedição de ofício para a exibição de documentos, independentemente de o pedido ter sido feito por mero requerimento no mesmo processo, e não em ação incidental ou incidente processual.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) interpretou a regra do inciso VI do artigo 1.015 do Código de Processo Civil de 2015 e concluiu que essa hipótese de cabimento do agravo deve ser entendida de forma abrangente.
O colegiado deu provimento ao recurso de uma seguradora contra decisão interlocutória que indeferiu seu requerimento para que a Caixa Econômica Federal fornecesse documentos comprobatórios da existência de vínculo entre os autores da ação, o Sistema Financeiro de Habitação e os riscos cobertos pela apólice. A turma determinou que o Tribunal de Justiça de São Paulo analise a plausibilidade do requerimento formulado.
Conceitos indeterminados
No voto acompanhado pelo colegiado, a ministra Nancy Andrighi, relatora, lembrou que o artigo 1.015 do CPC, que define as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, é bastante amplo e dotado de diversos conceitos jurídicos indeterminados, “de modo que esta corte será frequentemente instada a se pronunciar sobre cada uma das hipóteses de cabimento listadas no referido dispositivo legal”.
A relatora afirmou que o debate acerca do inciso VI se insere nesse contexto, exigindo a indispensável conformação entre o texto legal e o seu conteúdo normativo, a fim de que se possa definir o significado da frase “decisões interlocutórias que versarem sobre exibição ou posse de documento ou coisa”.
Ela ressaltou não haver dúvida de que a decisão que resolve o incidente processual de exibição instaurado contra a parte adversária e a decisão que resolve a ação incidental de exibição instaurada contra terceiro estão abrangidas pela hipótese de cabimento.
Contudo – destacou Nancy Andrighi –, ainda era preciso definir o cabimento na hipótese de decisão interlocutória sobre exibição ou posse de documento que é objeto de simples requerimento de expedição de ofício da própria parte no processo, sem a instauração de incidente processual ou de ação incidental – como ocorreu no caso em julgamento.
Documento de terceiro
“A pretensão do réu que requer a expedição de ofício para agente financeiro, que é terceiro, para que ele apresente documentos comprobatórios do vínculo dos autores com o Sistema Financeiro de Habitação e dos riscos cobertos pela apólice, reveste-se de típica natureza de exibição de um documento que se encontra em poder de quem não é parte”, explicou a ministra.
Segundo Nancy Andrighi, pouco importa, para fins de cabimento do agravo de instrumento, que a decisão que indeferiu o pedido de exibição tenha se dado na resolução de um incidente processual, de uma ação incidental ou de um simples requerimento formulado no próprio processo.
“O veículo processual é irrelevante face ao conteúdo decisório que efetivamente versou sobre a exibição de documento em posse de terceiro, ainda que não tenha sido observado o procedimento previsto no CPC/2015 porque o julgador, liminarmente, indeferiu o pedido de cunho exibitório formulado pela recorrente de forma expedita.”
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL E CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO A TERCEIRO PARA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEU PODER. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO COM BASE NO ART. 1.015, VI, DO CPC⁄15. POSSIBILIDADE. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO QUE TEM POR FINALIDADE PERMITIR QUE A PARTE SE DESINCUMBA DO ÔNUS PROBATÓRIO. INCLUSÃO NO PROCESSO JUDICIAL DE DOCUMENTOS EM PODER DA OUTRA PARTE OU DE TERCEIRO QUE PERMITE O CUMPRIMENTO DO ENCARGO. HIPÓTESE DE CABIMENTO QUE ABRANGE A DECISÃO QUE RESOLVE A EXIBIÇÃO NA MODALIDADE DE INCIDENTE, AÇÃO INCIDENTAL OU MERO REQUERIMENTO NO PRÓPRIO PROCESSO. IRRELEVÂNCIA DO MEIO UTILIZADO PARA SE BUSCAR A EXIBIÇÃO. PREPONDERÂNCIA DO CONTEÚDO DECISÓRIO.1- Ação proposta em 12⁄05⁄2014. Recurso especial interposto em 26⁄07⁄2017 e atribuído à Relatora em 06⁄06⁄2018.2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que indeferiu a expedição de ofício para agente financeiro que é terceiro, a partir do qual se buscava a apresentação de documentos comprobatórios de vínculo entre os autores e o sistema financeiro de habitação e os riscos cobertos pela apólice de seguro, versa sobre exibição de documento e, assim, se é cabível agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, VI, do CPC⁄15.3- O art. 1.015 do CPC⁄15, que regula o cabimento do recurso de agravo de instrumento em suas hipóteses típicas, é bastante amplo e dotado de diversos conceitos jurídicos indeterminados, de modo que o Superior Tribunal de Justiça ainda será frequentemente instado a se pronunciar sobre cada uma das hipóteses de cabimento listadas no referido dispositivo legal.4- A regra do art. 1.015, VI, do CPC⁄15, tem por finalidade permitir que a parte a quem a lei ou o juiz atribuiu o ônus de provar possa dele se desincumbir integralmente, inclusive mediante a inclusão, no processo judicial, de documentos ou de coisas que sirvam de elementos de convicção sobre o referido fato probandi e que não possam ser voluntariamente por ela apresentados.5- Partindo dessa premissa, a referida hipótese de cabimento abrange a decisão que resolve o incidente processual de exibição instaurado em face de parte, a decisão que resolve a ação incidental de exibição instaurada em face de terceiro e, ainda, a decisão interlocutória que versou sobre a exibição ou a posse de documento ou coisa, ainda que fora do modelo procedimental delineado pelos arts. 396 e 404 do CPC⁄15, ou seja, deferindo ou indeferindo a exibição por simples requerimento de expedição de ofício feito pela parte no próprio processo, sem a instauração de incidente processual ou de ação incidental.6- Hipótese em que o requerimento da seguradora era a expedição de ofício para agente financeiro, que é terceiro, para que ele apresente documentos comprobatórios do vínculo dos autores com o sistema financeiro de habitação e dos riscos cobertos pela apólice que poderiam, em tese, acarretar a exclusão do dever de indenizar ou a atribuição do dever de indenizar a outra seguradora, e que foi liminarmente indeferido pelo magistrado de 1º grau em decisão interlocutória que versou sobre a exibição do documento.7- Recurso especial conhecido e provido.
Nancy Andrighi disse que a finalidade da regra do CPC apenas será plenamente atingida com a compreensão de que a decisão interlocutória que versa sobre a exibição de documento pode ocorrer em incidente processual, em ação incidental ou, ainda, em mero requerimento formulado no bojo do próprio processo.
Leia o acórdão.