O proprietário da mercadoria transportada não pode ser considerado segurado, mas apenas terceiro interessado, no contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Facultativa do Transportador Rodoviário – Desaparecimento de Carga (RCF-DC).
Em razão disso, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido de um proprietário para receber o referido seguro após roubo ocorrido durante o transporte da sua carga. De acordo com os ministros, o segurado, nesses casos, é a transportadora.
O dono da carga alegou ao STJ que, por custear a contratação, deveria fazer jus à indenização pelo sinistro. Argumentou ainda que o não pagamento da indenização securitária diretamente ao proprietário gera enriquecimento ilícito tanto da seguradora quanto da transportadora, pois é ele, o dono da carga, quem terá que suportar o prejuízo ao qual não deu causa.
Vínculo contratual é entre segurado e seguradora
O relator, ministro Villas Bôas Cueva, explicou que o seguro RCF-DC garante ao segurado, até o valor da importância segurada, o pagamento das reparações pecuniárias pelas quais for responsável em virtude da subtração de bens que lhe foram entregues para transportar, em decorrência de roubo, furto, apropriação indébita, estelionato ou extorsão.
Com base no artigo 5º da Circular 422/2011 da Superintendência de Seguros Privados (Susep), o ministro ressaltou que o segurado é a empresa transportadora, e não o proprietário das mercadorias transportadas.
Em relação a esse tipo de contrato, esclareceu, a Segunda Seção já se pronunciou, no Tema Repetitivo 471, no sentido de que não há uma relação jurídica de direito material formada entre a vítima do sinistro e a seguradora, o que impede a propositura de ação reparatória somente contra esta. \”Em outras palavras, o vínculo contratual do seguro de responsabilidade civil facultativo se faz entre segurado e seguradora, não alcançando o terceiro prejudicado, que pode ser beneficiado ou não, segundo algumas condições\”, afirmou.
Transportadora descumpriu as condições contratuais
De acordo com o ministro, mesmo diante da comprovação da responsabilidade civil da transportadora pelo desaparecimento da carga, o pagamento da indenização securitária não é automático, devendo haver a regulação do sinistro, oportunidade em que será verificada eventual perda da garantia, como nas situações de agravamento do risco, bem como o devido enquadramento do caso em alguma cobertura.
Quanto ao processo em análise, o relator verificou que a transportadora descumpriu as condições contratuais, não tendo observado as medidas obrigatórias de gerenciamento de risco, ou seja, não foram ativados durante o percurso os equipamentos de rastreamento, os quais possibilitariam o monitoramento do transporte. Tal circunstância faz incidir a cláusula de isenção de responsabilidade da seguradora.
Para o ministro, o furto de mercadoria transportada é sinistro de responsabilidade civil contratual, tendo o dono da carga assumido o risco da escolha do transportador. O relator ponderou que o proprietário, em paralelo ao seguro pactuado pela empresa transportadora, poderia ter contratado seguro próprio – o seguro de transportes –, com o qual ele passaria da mera condição de terceiro prejudicado para a de segurado.
\”Na hipótese, o autor (proprietário da carga), querendo ser considerado segurado, deveria ter contratado o seguro de transportes, e não buscar inadvertidamente a indenização securitária decorrente do RCF-DC, negado diante da cláusula de isenção de responsabilidade da seguradora por ter a empresa segurada (transportadora) negligenciado o gerenciamento de risco (dispositivos de rastreamento e monitoramento)\”, afirmou Villas Bôas Cueva.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SEGURO FACULTATIVO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR RODOVIÁRIO POR DESAPARECIMENTO DE CARGA (RCF-DC). FURTO DE MERCADORIA. PESSOA SEGURADA. TRANSPORTADORA. PROPRIETÁRIO DA CARGA. TERCEIRO PREJUDICADO. INTERESSE JURÍDICO. PAGAMENTO DIRETO. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. AFASTAMENTO. CLÁUSULA DE GERENCIAMENTO DE RISCO.INOBSERVÂNCIA. SEGURO DE TRANSPORTES. AUSÊNCIA.1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3⁄STJ).2. Cinge-se a controvérsia a definir se o proprietário da mercadoria transportada pode ser considerado segurado, e não apenas terceiro interessado, no contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Facultativa do Transportador Rodoviário – Desaparecimento de Carga (RCF-DC).3. O Seguro Facultativo de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga (RCF-DC) garante ao segurado, até o valor da importância segurada, o pagamento das reparações pecuniárias, pelas quais for ele responsável, em virtude da subtração de bens ou mercadorias que lhe foram entregues para transportar, em decorrência de roubo, furto, apropriação indébita, estelionato e extorsão (Circular-SUSEP nº 422⁄2011).4. O segurado, no Seguro Facultativo de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga (RCF-DC), é a empresa transportadora, e não o proprietário das mercadorias transportadas.5. O proprietário da carga extraviada possui interesse em receber a indenização securitária do Seguro RCF-DF, a qual lhe pode ser paga diretamente, como alternativa ao reembolso do segurado (art. 5º, § 1º, da Circular-SUSEP nº 422⁄2011), mas as cláusulas contratuais que foram firmadas pelas partes contratantes (segurado e seguradora) devem ser observadas, sobretudo se forem idôneas.6. Na cobertura de responsabilidade civil do seguro de automóvel, há a ineficácia para terceiros da cláusula de exclusão da garantia securitária na hipótese de o acidente de trânsito advir da embriaguez do segurado ou de a quem este confiou a direção do veículo. Nessas situações, a responsabilidade civil é aquiliana e a vítima não concorreu para o agravamento do risco, sobressaindo-se a função social da avença.7. Na cobertura de responsabilidade civil do transportador rodoviário de carga, o sinistro (furto de mercadoria transportada) decorre de responsabilidade civil contratual, tendo o proprietário da carga assumido o risco da escolha do transportador. Possibilidade de contratação de seguro específico pelo proprietário das mercadorias, em paralelo ao Seguro RCF-DF pactuado pela empresa transportadora, qual seja, o Seguro de Transportes, ocasião em que sairia da mera condição de terceiro prejudicado para o de segurado. Inaplicabilidade do entendimento fixado para a cobertura de responsabilidade civil do seguro de automóvel.8. O seguro de transportes é dirigido à pessoa que tem o interesse de preservar o patrimônio contra os riscos inerentes à viagem, ou seja, qualquer pessoa que tenha o interesse segurável na carga a ser transportada (Res.-CNSP nº 17⁄1968 e Circular-SUSEP nº 354⁄2007).9. Na hipótese, o autor (proprietário da carga), querendo ser considerado segurado, deveria ter contratado o Seguro de Transportes, e não buscar inadvertidamente a indenização securitária decorrente do Seguro Facultativo de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga (RCF-DC), negado diante da cláusula de isenção de responsabilidade da seguradora por ter a empresa segurada (transportadora) negligenciado o gerenciamento de risco (dispositivos de rastreamento e monitoramento).10. Recurso especial não provido.
Leia o acórdão no REsp 1.754.768.