Cabimento de recurso depende de previsão legal, não de estratégia processual da parte

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou a possibilidade de interposição de recurso ordinário em mandado de segurança apenas para evitar a incidência da Súmula 7 no recurso especial. O enunciado impede a análise de provas pelo STJ, e como seu pedido dependia disso, a parte manejou a via ordinária. A recorrente foi multada pelo abuso do direito de recorrer.

Conforme a Constituição Federal, o recurso em mandado de segurança ao STJ só é cabível contra acórdão em mandado de segurança julgado de forma originária pelo tribunal local, e se houver indeferimento do pedido do impetrante.

No caso, uma estudante discutia a reprovação por faltas decorrente de atrasos em voo internacional, tendo acionado a universidade em primeira instância para obter abono da ausência. O provimento favorável inicial foi reformado em apelação. Por isso, recorreu ao STJ, mas com recurso ordinário em vez do especial.

No agravo interno contra a decisão do relator que não conheceu do recurso, a parte afirmou que, exatamente por ser hipótese de uso vedado do recurso especial, por força da Súmula 7, o recurso cabível seria o ordinário. Defendeu, ainda, a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, por haver dúvida sobre qual seria o recurso cabível, não sendo caso de erro grosseiro.

Aplicação da fungibilidade levaria ao não conhecimento do especial

A relatoria foi do ministro Og Fernandes. Conforme o magistrado, ainda que se admitisse a fungibilidade, seriam aplicáveis os requisitos de admissibilidade do recurso especial, o que levaria ao seu não conhecimento em razão da Súmula 7.

“A competência desta corte é prescrita pelo ordenamento constitucional e suas derivações, não se sujeitando às estratégias processuais das partes, por mais engenhosas ou, como no caso, singelas” – disse o relator.

Estratégia abusiva e afrontosa

De acordo com o ministro, o intuito de burlar a compreensão do tribunal sobre os requisitos constitucionais para interposição do recurso especial não afasta nem reduz o “inegável erro grosseiro” da parte. Ao contrário, agrava a situação, configurando abuso do direito de recorrer e afronta ao Judiciário.

“Seria tolerável o mero equívoco, por inabilidade do patrono. O manejo deliberadamente incorreto de recurso sabidamente incabível, unicamente por estratégia processual, porém, agrava as circunstâncias, de modo a me parecer inafastável a incidência da multa do artigo 1.021, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil“, afirmou Og Fernandes.

Sobre a fungibilidade, o relator citou precedentes nos quais as turmas de direito público e privado do STJ entenderam que a substituição do recurso especial pelo ordinário, quando há expressa disposição legal do recurso cabível, inviabiliza a aplicação do princípio.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DIREITO DA EDUCAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. FUNGIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. AGRAVO INTERNO. MULTA.
1. O recurso ordinário a esta Corte manejado contra apelação em mandado de segurança é descabido.
2. Inexiste fungibilidade recursal entre as vias ordinária e especial, ante a ausência de dúvida objetiva patente sobre as hipóteses de cabimento das espécies recursais.
3. A tática confessadamente deliberada de manejar-se o recurso ordinário com o intuito de afastar a incidência da Súmula n. 7/STJ (“A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”) revela-se particularmente afrontosa ao Poder Judiciário.
A competência desta (e de outras) Cortes se afirma pelo ordenamento constitucional e suas derivações, não pela estratégia processual articulada pelas partes.
4. Ainda que se admitisse a descabida fungibilidade, por obviedade lógica, a análise do recurso sob a via especial esbarraria, nos termos da própria agravante, no óbice de que tentou se esquivar, resultando igualmente no não conhecimento da pretensão.
5. A circunstância enseja a aplicação da multa do art. 1.021, § 4º, do CPC/15, na medida em que as razões recursais são inexoravelmente impassíveis de acolhimento, por patentemente infundadas, revelando-se evidente abuso do direito de recorrer.
6. Agravo interno a que se nega provimento, com imposição de multa de 1% do valor atualizado da causa.

Leia o acórdão do RMS 66.905.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): RMS 66905

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar