A demora superior a 30 dias para o reparo de defeito em veículo gera o direito de restituição integral do valor pago, nos termos do artigo 18, parágrafo 1º, II, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Entretanto, o atraso, de forma isolada, não gera dano moral a ser compensado pelo fabricante do carro.
Ao analisar processo que discutia o reparo feito em um veículo fora do prazo estipulado em lei, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recuso da Ford Motor Company para excluir da condenação o pagamento a título de danos morais, que havia sido definido em R$ 10 mil pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA).
A ministra relatora do recurso no STJ, Nancy Andrighi, lembrou que a jurisprudência da corte nos casos de defeitos em veículos estipula que tais ocorrências, isoladamente, não configuram dano moral, sendo necessário, para fins de indenização, outros fatores aptos a comprovar abalo psicológico sofrido pelo consumidor.
Expectativa frustrada
“Em hipóteses envolvendo direito do consumidor, para a configuração de prejuízos extrapatrimoniais, há que se verificar se o bem ou serviço defeituoso ou inadequadamente fornecido tem a aptidão de causar sofrimento, dor, perturbações psíquicas, constrangimentos, angústia ou desconforto espiritual”, argumentou a relatora.
A ministra destacou que, no caso, houve apenas o atraso no reparo e a intenção do consumidor de optar pela restituição do valor pago. Os autos não registram a necessidade de idas e vindas à concessionária responsável pelo reparo, tampouco qualquer outra situação que caracterizasse dano moral indenizável.
“A fixação do dano moral está justificada somente na frustração da expectativa do recorrido quanto à utilização de seu automóvel e à reparação do mesmo para regular fruição, sem ter sido traçada qualquer nota adicional ao mero atraso que pudesse, para além dos danos materiais e da opção de ver restituído o valor pago pelo bem, ensejar a violação de direito da personalidade a ponto de causar grave sofrimento ou angústia”, frisou.
Valor integral
A turma rejeitou as demais pretensões do fabricante, tais como a limitação do ressarcimento ao valor do veículo na tabela Fipe (em vez do valor pago na compra) ou a necessidade de perícia para comprovar o defeito não sanado.
Segundo a relatora, tais pontos não foram prequestionados pelo TJBA, o que inviabiliza sua análise no recurso especial.
Sobre a restituição do valor, a ministra afirmou que é um direito do consumidor, portanto foi correta a decisão do tribunal de origem ao determinar a devolução integral do quanto despendido na compra do veículo.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. VEÍCULO. VÍCIO DE QUALIDADE. REPARO. PRAZO DO ART. 18, § 1º, DO CDC. RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282⁄STF. PRODUÇÃO DA PROVA PERICIAL. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. AUSENTE. SÚMULA 284⁄STF.1. Ação ajuizada em 13⁄05⁄2013. Recurso especial concluso ao gabinete em 09⁄03⁄2017. Julgamento: CPC⁄73.2. O propósito recursal é definir, quando ultrapassado o prazo legal de trinta dias, previsto no art. 18, § 1º, do CDC, para a solução do vício apresentado pelo produto, sobre i) a possibilidade de restituição ao recorrido da quantia paga pelo veículo; e ii) a responsabilidade da recorrente pela reparação dos danos materiais e compensação dos danos morais eventualmente suportados.3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial.4. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível.5. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas.6. O recurso especial não pode ser conhecido quando a indicação expressa do dispositivo legal violado está ausente.7. Havendo vício de qualidade do produto e não sendo o defeito sanado no prazo de 30 (trinta) dias, cabe ao consumidor optar pela substituição do bem, restituição do preço ou abatimento proporcional, nos termos do art. 18, § 1º, I, II, e III, do CDC.8. Esta Corte entende que, a depender das circunstâncias do caso concreto, o atraso injustificado e anormal na reparação de veículo pode caracterizar dano moral decorrente da má-prestação do serviço ao consumidor.9. Na hipótese dos autos, contudo, em razão de não ter sido invocado nenhum fato extraordinário que tenha ofendido o âmago da personalidade do recorrido, não há que se falar em abalo moral indenizável.10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
Leia o acórdão.