Cartões de plástico são utilizados como crachás por funcionários de empresa e gravam informações de radiação durante o serviço
A Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou decisão que obriga a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios) a cumprir contrato que prevê o recebimento de postagens de cartões de dosímetros como carta.
Para os magistrados, a mudança realizada pela empresa pública no contrato para execução do serviço por encomenda fere princípios jurídicos e administrativos.
Os dosímetros são cartões de plástico, semelhantes aos de débito e de crédito, utilizados como crachá por funcionários. Os objetos gravam o nível de radiação durante o serviço.
Conforme o processo, a empresa tinha firmado contrato de prestação de serviços postais, desde 2013, e foi surpreendida com a mudança de interpretação pelos Correios. A estatal editou ato normativo e exigiu que a postagem dos dosímetros fosse feita como encomenda, em vez de carta, com valor entre 400% a 500% superior ao original contratado.
Em primeiro grau, a Justiça Federal já havia deferido a tutela de urgência para ordenar os Correios a cumprirem o contrato firmado.
Após a decisão, a empresa pública ingressou com recurso no TRF3 sustentando a legalidade do ato. Argumentou que áreas operacionais e de vendas têm dificuldades de identificação do conteúdo/objeto inserido nas correspondências apresentadas em invólucro fechado. Conforme a estatal, isso impossibilitaria a avaliação assertiva sobre a classificação como carta.
Ao analisar o pedido, o relator do processo, desembargador federal Johonsom di Salvo, afirmou que a mudança de interpretação fere a razoabilidade.
“Fazer essa indevida distinção para quadruplicar – e até em algumas hipóteses quintuplicar – o valor do serviço previsto em contrato firmado há mais de oito anos, fere os princípios jurídicos e administrativos”.
Segundo o magistrado, o conceito de carta foi ampliado por ato normativo da própria empresa pública ao permitir o envio de cartões de plástico, não sendo cabível a exclusão do objeto, representado pelo dosímetro individual radiológico.
“O argumento relacionado à dificuldade de identificação do conteúdo da postagem não pode ser levado em consideração. Isto porque basta a verificação, na singularidade, que o envio dos dosímetros decorre de contrato firmado e vigente com a empresa, então ela figuraria como remetente ou destinatária da postagem dos referidos objetos”, finalizou.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CORREIOS. ALTERAÇÃO UNILATERAL DE CONTRATO VIGENTE DESDE 2013: LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS. CONCEITO DE CARTA. DOSÍMETRO RADIOLÓGICO INDIVIDUAL. AMPLIAÇÃO DESSE CONCEITO POR ATO NORMATIVO DA PRÓPRIA AGRAVANTE (MANCAT 6/2 – Anexo 3). VIABILIDADE DE POSTAGEM DE CARTÃO DE PLÁSTICO. DOSÍMETRO: DIMINUTO CRACHÁ PERFEITAMENTE ENQUADRÁVEL NA REGRA NORMATIVA DA ECT. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE PRESTIGIADO. RECURSO IMPROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO.
1. A Administração Pública pode, a qualquer tempo, rever seus atos eivados de erro ou ilegalidade, mas ao sanar um suposto erro ou ilegalidade, não pode praticar outro vício de mesmo quilate.
2. Os atos normativos editados pela ECT, na singularidade, fixam aquilo que pode ser enviado por carta, estabelecendo o conceito de carta simples ou registrada, in verbis (Ofício n.º 24525822/2021 – GPOP-DPOST): “MANCAT 6/2 ANEXO 3: CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS DA CARTA (…) 2.2 Poderão ser aceitos como Carta Simples ou Carta Registrada, conforme as condições de aceitação previstas para o serviço, além das formas tradicionais de comunicação escrita, somente a postagem de cartões de plástico (débito, crédito, seguro, saúde, fidelidade, identificação pessoal e chip de telefonia), sendo vedadas as postagens de CDs, DVDs, Tokens, Pen Drives, cartões de memória e mídia player portátil, tais como MP3 e similares”. (grifei).
3. Os dosímetros nada mais são que cartões de plástico (fotos – ID 178759196 – pág. 15) utilizados como crachá pelos funcionários, com informações da radiação que são gravadas durante o uso em serviço, sendo em tudo semelhantes aos cartões de débito, crédito, seguro, saúde, fidelidade, identificação pessoal, chip de telefonia e muitos outros, podendo-se dizer que é pretencioso considerar que o elenco de objetos constante de ato normativo da ECT teria o condão de esgotar as possibilidades fáticas.
4. A toda evidência, fazer essa indevida distinção para quadruplicar – e até em algumas hipóteses quintuplicar – o valor do serviço previsto em contrato firmado há mais de 8 anos (desde 2013), fere os mais comezinhos princípios jurídicos e administrativos. O principal deles, o princípio da razoabilidade, vez que “não se pode pretender transformar a contratação pública em loteria ou aventura jurídica” (OLIVEIRA, Rafael Rezende. Licitações e Contratos Administrativos, 4ª edição. Método, 2014).
5. Além disto, como expressado pelo próprio agravante na minuta recursal, houve reconhecimento judicial do pedido formulado por empresa concorrente da ora agravada, emanado da área técnica da ECT, afirmando a possibilidade de envio dos dosímetros por carta registrada, mas que posteriormente restou superado com a edição de novo ato, exigindo que tal postagem fosse feita, não mais por carta, mas como encomenda, cujo valor é bem superior (entre 400% a 500% do valor original, segundo apontado pela recorrida e não impugnado pela recorrente).
6. O argumento relacionado à dificuldade de identificação do conteúdo da postagem, não pode ser levado em consideração. Isto porque basta a verificação, na singularidade, que o envio dos dosímetros decorre de contrato firmado e vigente com a empresa SAPRA LANDAUER SERVIÇO DE ASSESSORIA E PROTEÇÃO RADIOLÓGICA LTDA., então ela figuraria como remetente ou destinatária da postagem dos referidos objetos.
7. De outra parte, nem seria caso de se conhecer do agravo interno, pois claramente a parte recorrente desprezou o princípio da correlação, deixando de ofertar argumentos jurídicos contrastantes da fundamentação de decisão monocrática de minha Relatoria. Mas diante do julgamento do mérito do próprio agravo de instrumento, aquele recurso, que impugnava o indeferimento do pedido de efeito suspensivo, perdeu o seu objeto.
8. No mais, a r. decisão recorrida está excelentemente fundamentada e bem demonstra a ausência de plausibilidade do direito invocado pela parte agravante – pelo menos \”initio litis\”. Seus fundamentos ficam aqui explicitamente acolhidos \”per relationem\” (STF: Rcl 4416 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-118 DIVULG 08-06-2016 PUBLIC 09-06-2016 – AgInt nos EDcl no AREsp 595.004/SC, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 19/06/2018).
9. Por fim, os argumentos expendidos pela parte agravante não infirmam o fundamento da decisão agravada, não restando assim evidenciada a concomitância dos requisitos necessários para o deferimento da medida na extensão em que pleiteada.
10. Agravo de instrumento improvido. Prejudicado o agravo interno.
Com esse entendimento, a Sexta Turma negou provimento ao recurso e assegurou a empresa o direto de envio de dosímetros por carta pelos Correios.
Agravo de Instrumento 5019500-10.2021.4.03.0000