Convocação para participar de licitação de empresas ligadas ao mesmo grupo familiar é insuficiente para configurar dolo do presidente da comissão de licitação

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) deu provimento à apelação interposta pelos denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) em ação penal e que foram condenados pela prática do crime de frustrarem e fraudarem, mediante ajuste e combinação entre si e com o então prefeito, o caráter competitivo da licitação, na modalidade de carta-convite, realizado pela prefeitura de São Francisco de Assis do Piauí/PI.

Com o intuito de beneficiar e direcionar a compra de medicamentos para a Farmácia Básica da administração municipal. O tipo penal (crime) está previsto no art. 90 da Lei 8.666/1993.

Na sentença, o juiz entendeu que o dolo está evidente na relação de parentesco entre os licitantes, bem assim a existência de documentos fraudulentos periciados pela polícia federal e pela Controladoria Geral da União (CGU), que teriam contribuído para simular falsa competição, e a autoria dolosa do prefeito teria decorrido do ato de homologação do resultado da licitação.

Ao analisar o processo, o relator convocado, juiz federal Pablo Zuniga Dourado, explicou que, ainda que presentes elementos que revelam que a materialidade delitiva (ou seja, a existência de elementos físicos que constatam a ocorrência de um delito), a demonstração da autoria depende da comprovação da vontade do autor de fraudar ou frustrar o caráter competitivo do procedimento, para obter vantagem ilícita.

Entendeu o relator que, além da relação de parentesco, por si só, não constituir crime licitatório, “Irregularidades formais ligadas aos critérios de menor preço e preço global, sem incidir em prejuízo ao erário, são insuficientes para revelar o dolo da Presidente da Comissão de Licitação de obter vantagem com o resultado da adjudicação [entrega ao vencedor] do objeto licitado. Igualmente, a prática de ato de ofício pelo Prefeito Municipal na homologação do resultado da licitação não implica necessariamente no crime do art. 90 da Lei 8.666/1993 quando não há elementos probatórios que revelem o dolo de ajuste ou conluio para fraudar ou frustrar o procedimento licitatório”.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL REJEITADA. CRIME DE FRAUDE E FRUSTRAÇÃO DE LICITAÇÃO. ART. 90 DA LEI Nº 8.666/93. PREJUÍZO AO ERÁRIO. INDIFERENÇA. MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA. AUTORIA CRIMINOSA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO PENAL (DOLO).

I – Com a prolação superveniente da sentença de mérito, não mais há de se falar em inépcia da denúncia, uma vez que o juízo meritório é revelador da aptidão da peça acusatória que inaugurou a ação penal. Precedentes do STF, STJ e deste TRF da 1ª Região.

II – De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “o delito descrito no art. 90 da Lei n. 8.666/1993, é formal, bastando para se consumar a demonstração de que a competição foi frustrada, independentemente da demonstração de prejuízo ao erário e do dolo específico do agente.” (HC 460.262/BA).

III – Os elementos probatórios que instruem os autos, especialmente o procedimento licitatório em anexo e os Relatórios da perícia técnica da Polícia Federal e da Controladoria Geral da União, revelam a materialidade do crime de fraude e frustração do procedimento licitatório (art. 90 da Lei nº 8.666/93) realizado na modalidade convite (art. 22, III) para a aquisição de medicamentos para a Farmácia Básica da Secretaria de Saúde do Município de São Francisco de Assis do Piauí/PI.

IV – A comprovação da autoria delitiva requer a demonstração da existência do elemento subjetivo do tipo penal descrito no art. 90 da Lei nº 8.666/93, consistente na vontade livre e consciente do agente de fraudar ou frustrar o caráter competitivo do procedimento licitatório com o fim de obter vantagem decorrente da adjudicação do objeto licitado.

V – Embora possa ser moralmente reprovável a convocação de empresas ligadas ao mesmo grupo familiar para participarem do procedimento de licitação na modalidade Convite, a hipótese não configura, por si só, ilícito penal quando ausente o elemento subjetivo do tipo. Irregularidades formais ligadas aos critérios de menor preço e preço global, sem incidir em prejuízo ao erário, são insuficientes para revelar o dolo da Presidente da Comissão de Licitação de obter vantagem com o resultado da adjudicação do objeto licitado. Igualmente, a prática de ato de ofício pelo Prefeito Municipal na homologação do resultado da licitação não implica necessariamente no crime do art. 90 da Lei nº 8.666/93 quando não há elementos probatórios que revelem o dolo de ajuste ou conluio para fraudar ou frustrar o procedimento licitatório. Precedentes do STF e dos TRFs da 1ª e 5ª Regiões.

VI – Os elementos probatórios que instruem os autos são insuficientes para conferir juízo de certeza acerca da conduta dolosa dos empresários que participaram da licitação, porquanto, além da relação de parentesco, por si só, não constituir crime licitatório, a subscrição conjunta do recibo de convite e documentos elaborados com as mesmas falhas e semelhanças constatadas nos Relatórios da Polícia Federal e da Controladoria Geral da União constituem provas da materialidade delitiva e não de autoria dolosa do crime, pois, sequer há testemunhas indicando ardil, ajuste ou combinação prévia entre os concorrentes que, em juízo, não admitiram a pretensão de frustrar ou fraudar o certame licitatório.

VII – Ausentes elementos concretos que comprovem o elemento subjetivo do tipo penal (dolo), consistente na vontade livre e consciente dos agentes de fraudarem ou frustrarem o procedimento licitatório, meras suposições ou indícios de conluio ou ajustes são insuficientes para formar juízo de certeza e amparar decreto penal condenatório porque no processo penal a dúvida favorece ao réu, dada a incidência do princípio jurídico in dubio pro reo. Com efeito, “O suporte probatório apto à condenação não pode lastrear-se exclusivamente em elementos indiciários, sob pena de ofensa ao art. 155 do Código de Processo Penal, notadamente quando as provas produzidas sob o crivo do contraditório judicial não confirmam o quadro fático descrito na acusação.” (STF: AP 941). Precedente do TRF 1ª R: ACR 001306-09.2014.4.01.3311.

VIII – Preliminar de extinção do processo rejeitada. Providas as apelações interpostas pelos réus para reformar a sentença recorrida e absolvê-los da acusação do crime tipificado no art. 90 da Lei nº 8.666/93, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

A decisão do colegiado foi unânime.

Processo 0002346-42.2018.4.01.4004

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