Contratos independentes impedem campeão mundial de pedir direito de arena do São Paulo

O lateral Júnior ajuizou reclamação mais de dois anos depois do fim do primeiro contrato.

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho declarou prescrita a pretensão do jogador de futebol Júnior, campeão da Copa do Mundo de 2002, relativa a um dos dois contratos sucessivos que manteve com o São Paulo Futebol Clube. Apesar de o trabalho ter sido ininterrupto, os ministros, com base em lei específica do desporto, reconheceram os contratos como independentes, e o jogador perdeu o prazo para reclamar na Justiça os direitos sobre o primeiro ajuste.

Contrato sucessivo

Júnior assinou dois contratos com o clube: o primeiro, de 12/9/2004 a 10/7/2007, e o segundo, de 10/7/2007 a 31/12/2007. Na Justiça, ele pretendia receber diversas parcelas, entre elas o direito de arena (remuneração pela transmissão da imagem de quem participa dos jogos).  O juízo de primeiro grau julgou procedente a reclamação trabalhista e deferiu o pagamento do direito de arena sobre os torneios internacionais de que o jogador participou pelo clube.

Contrato esportivo

No entanto, o São Paulo recorreu com o argumento de que o atleta havia perdido o prazo para reclamar direitos do primeiro contrato, pois acionou a Justiça em 31/07/2009, mais de dois anos após o término da vigência. A Constituição da República prevê que o trabalhador tem dois anos para apresentar a ação a contar da data de extinção do contrato (artigo 7º, inciso XXIX).

No recurso, o clube sustentou que o prazo prescricional não poderia ser contado apenas a partir do encerramento do segundo vínculo em razão da impossibilidade de haver unicidade entre os dois contratos, conforme disposto no artigo 30 da Lei 9.615/1998 (Lei Geral do Desporto, ou Lei Pelé). O dispositivo prevê que o contrato de trabalho do atleta profissional tem prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos. Da norma também se depreende que a prorrogação não resulta em vínculo por prazo indeterminado.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), contudo, manteve a decisão de primeiro grau. Para o TRT, nada impede a assinatura de sucessivos ajustes por prazo determinado, mas isso não significa que cada novo contrato é autônomo. “Os documentos sucessivos demonstram a intenção de continuidade do vínculo de trabalho já existente entre as partes”, registrou o Tribunal Regional.

Prescrição

O relator do recurso de revista do São Paulo, ministro José Roberto Freire Pimenta, explicou que, conforme a jurisprudência do TST, ainda que ocorram contratos sucessivos de trabalho, sem interrupção da prestação de serviço, a norma legal específica (Lei Pelé) impede a unicidade contratual. Logo, os ajustes são independentes e incomunicáveis entre si. “Resulta deste entendimento, portanto, que o marco inicial do prazo prescricional bienal é aquele do encerramento de cada um dos contratos firmados”, afirmou.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMADO ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.

ATLETA DE FUTEBOL PROFISSIONAL. UNICIDADE CONTRATUAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA .

Os artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil de 1973 (artigos 141 e 492 do CPC de 2015) tratam do princípio da adstrição do juiz aos limites da lide. O julgamento extra petita configura-se quando o Juiz decide fora desses limites, os quais são fixados nos pedidos postulados na exordial e impugnados na contestação. No caso em análise, constou, no acórdão recorrido, que “o autor afirmou expressamente ter trabalhado de forma ininterrupta de 12.9.2004 a 31.12.2008 (exatamente a soma dos períodos), era mesmo despiciendo postular expressamente o ‘ reconhecimento da unicidade contratual’ ” . Assim, efetivamente, não há falar em julgamento extra petita no caso em análise, bem como inexiste violação dos artigos 128 e 460 do CPC de 1973, tendo em vista que o reclamante alegou a prestação de serviços de forma ininterrupta no período alegado.

Recurso de revista não conhecido.

ATLETA DE FUTEBOL PROFISSIONAL. CONTRATOS SUCESSIVOS. UNICIDADE. IMPOSSIBILIDADE LEGAL. PRESCRIÇÃO BIENAL.

A Lei nº 9.615/98, em seu artigo 30, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 9.981/2000, prevê que o “contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos” . Ademais, o parágrafo único do mencionado dispositivo afastava, desde então, a aplicabilidade do artigo 445 da CLT aos contratos dos atletas profissionais de futebol, tendo sido acrescida, através da Lei nº 12.395/2011, a inaplicabilidade do artigo 451 da CLT. Assim, o entendimento que vem sendo adotado por esta Corte superior é no sentido de que, ainda que ocorram contratos sucessivos de trabalho, sem dissolução de continuidade, a norma legal específica impede a unicidade contratual, sendo cada uma das avenças independentes e incomunicáveis entre si. Resulta deste entendimento, portanto, que o dies ad quo do prazo prescricional bienal é aquele do encerramento de cada um dos contratos firmados (precedentes). Na hipótese em análise, conforme apontado na decisão recorrida, o reclamante e o clube reclamado firmaram dois contratos de trabalho sucessivos, o primeiro no período de 12/9/2004 até 10/7/2007 e o segundo de 10/7/2007 a 31/12/2007, bem como esta demanda foi ajuizada em 31/7/2009. Desta forma, o ajuizamento ocorreu mais de dois anos após o término do primeiro contrato, motivo pelo qual encontra-se irremediavelmente prescrito.

Recurso de revista conhecido e provido.

ATLETA PROFISSIONAL. DIREITO DE ARENA. CONTRATO FIRMADO ANTES DA ALTERAÇÃO INTRODUZIDA NA LEI Nº 9.615/98 PELA LEI Nº 12.395/2011. NATUREZA JURÍDICA SALARIAL.

Inicialmente, destaca-se que o contrato de trabalho avençado entre as partes, não atingido pela prescrição bienal acima reconhecido, vigorou entre 10/7/2007 a 31/12/2007 , tendo sido, portanto, firmado na vigência da Lei nº 9.615/98, anteriormente à alteração introduzida pela Lei nº 12.395/2011. O artigo 42, § 1º, da Lei nº 9.615/98, na sua redação original, estabelecia o seguinte: “Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem. § 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento ” (grifou-se). O direito de arena corresponde ao percentual pago aos atletas profissionais em razão de transmissão e televisionamento dos jogos em que participou, de forma a remunerar o seu direito de imagem. É de se esclarecer que, embora o direito de arena tenha sido estabelecido em razão da transmissão dos eventos esportivos, decorre na verdade da relação empregatícia firmada entre o atleta e a entidade desportiva. A participação do atleta nos eventos esportivos que são televisionados, justificadora do percentual denominado direito de arena, tem fundamento direto na prestação de serviços ao clube, motivo pelo qual não há como afastar a natureza salarial da referida parcela (precedentes). Com efeito, tendo em vista que a decisão do Regional está em consonância com a notória, reiterada e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, esgotada se encontra a função uniformizadora desta Corte, o que afasta a possibilidade de eventual configuração de divergência jurisprudencial, bem como de violação do artigo 42, § 1º, da Lei nº 9.615/98, com a sua redação original, ante a aplicação do teor da Súmula nº 333 do TST e do § 7º do artigo 896 da CLT, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13.015/2014.

Recurso de revista não conhecido.

DIREITO DE ARENA. COMPETIÇÕES INTERNACIONAIS.

Conforme bem apontado pela Corte regional, o direito de arena, previsto no caput do artigo 42 da Lei nº 9.615/98, em sua redação original, vigente à época do contrato em análise, dispõe que “às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar , autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.” Assim, o valor recebido pelo clube desportivo em razão da participação em competições internacionais encontra-se, inequivocamente, inserido na previsão legal. Isso porque, ainda que a remuneração da entidade desportiva ocorra de modo diverso ao costumeiramente adotado nas competições nacionais, é indene de dúvidas que os valores percebidos pelo clube englobam, também, a “transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem” . Assim, não há falar em violação dos artigos 818 da CLT e 333, inciso I, do CPC de 1973, visto que a análise da matéria prescinde da demonstração probatória do percebimento de valores, pelo clube, “a título de televisionamento das partidas internacionais” , tendo em vista que a previsão contida no artigo 42, caput , da Lei nº 9.615/98 inclui a possibilidade de simples negociação deste direito, o qual, conforme visto, está englobado no valor total percebido pelo clube em razão da participação na competição internacional. Ademais, o entendimento firmado nesta Corte superior é no sentido de ser devido o pagamento do direito de arena, tanto em competições nacionais como internacionais. Precedentes.

Recurso de revista não conhecido.

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.

DIREITO DE ARENA. AJUSTE DISPONDO ACERCA DE PERCENTUAL DO DIREITO DE ARENA INFERIOR AO PREVISTO NA LEI. INVALIDADE .

O reclamante pretende o pagamento de diferenças salariais, com fundamento no art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/98, que estabelece o pagamento de percentual de 20%, a título de direito de arena, aos profissionais do futebol, a despeito da existência de ajuste firmado, no qual ficou pactuado o pagamento do percentual de apenas 5%. No caso em análise, é incontroverso que o contrato imprescrito entre o reclamante e o clube reclamado vigorou entre 10/7/2007 a 31/12/2007. Por esse motivo, tem-se que o pedido formulado nesta reclamação deve ser apreciado à luz do princípio de direito intertemporal, tendo em vista o disposto na referida Lei nº 9.615/98, em face da sua redação anterior às alterações introduzidas pela Lei nº 12.395/2011. Importante registrar, por oportuno, que o artigo 42 da Lei nº 9.615/98 estabelecia expressamente o pagamento do percentual mínimo de 20%, a título de direito de arena, aos atletas profissionais; e que, somente em 17 de março de 2011, por meio da Lei nº 12.395/20011, foi autorizada a adoção de outros critérios para fixação do percentual correspondente para a referida parcela. Trata-se, pois, do chamado “direito de arena”, que, por expressa previsão legal, seu valor deve ser distribuído entre as entidades de prática desportiva e os atletas. Nos termos expressos da lei, foi assegurado um percentual mínimo a ser destinado aos atletas, que poderia ser majorado mediante ajuste em sentido contrário. Por outro lado, tanto a doutrina quanto a jurisprudência conceberam tal direito de arena como um direito conexo e similar ao direito autoral e, como tal, integrante da remuneração. Nesse contexto, a Constituição Federal de 1988, ao tratar dos direitos fundamentais, em seu art. 5º, inciso XXVIII, assegura, nos termos da lei, ” a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas ” (grifou-se). Dessa forma, não se pode entender que esse direito, com estatura constitucional de direito fundamental, possa ser compreendido entre aqueles autorizadores da redução de salário mediante acordo ou convecção de trabalho de que trata o art. 7º, inciso VI, da mesma Constituição Federal. No caso, o fato de a redução do percentual mínimo previsto em lei ter se dado mediante acordo homologado judicialmente não afasta esse entendimento, ante a necessidade de se assegurar direito constitucional fundamental que fora indevidamente negligenciado. Nesse sentido se firmou a jurisprudência desta Corte, por ocasião do julgamento do Processo nº E-ED-RR-173200-94.2009.5.03.00108, de lavra no Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro (sessão realizada em 10/12/2015, com decisão publicada em no DEJT-22/3/2016), no sentido da impossibilidade de redução do percentual de 20% fixado na legislação citada, seja por meio de norma coletiva ou de acordo judicial, em razão do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas e por constituir o mínimo assegurado para distribuição entre os atletas profissionais do futebol. Com efeito, o entendimento adotado pelo Regional, da validade do ajuste firmado entre as partes, que reduziu o percentual do direito de arena de 20% para 5%, em relação ao vínculo contratual pactuado sob a égide da redação original da Lei nº 9.615/98, no qual se estabelece o percentual mínimo de 20%, foi proferido em violação do artigo 42, § 1º, da Lei nº 9.615/98, com a sua redação original.

Recurso de revista conhecido e provido.

Por unanimidade, a Segunda Turma reconheceu a prescrição total das pretensões ligadas ao contrato havido entre 12/9/2004 e 10/7/2007. Após a publicação do acórdão, foram apresentados embargos de declaração, que a Segunda Turma ainda não julgou.

Processo: RR-169300-51.2009.5.02.0005

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