Em caso de abuso no exercício do mandato por parte dos advogados, e decorrendo a mora de desacerto contratual por diferentes interpretações de cláusula de contrato, a citação é o marco inicial de incidência dos juros moratórios, nos termos do artigo 219 do Código de Processo Civil de 1973.
A decisão foi da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso em ação de prestação de contas movida por clientes contra seus advogados, que teriam retido quantia além da contratada a título de honorários advocatícios.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reconheceu o abuso no exercício da advocacia e condenou os advogados ao pagamento da diferença dos valores indevidamente retidos. Estabeleceu o marco inicial dos juros moratórios na data em que houve o abuso de mandato e afastou a incidência da taxa Selic.
A questão submetida ao STJ era saber se a mora dos advogados deveria ser reconhecida a partir da citação, conforme preconiza o artigo 405 do Código Civil (CC)de 2002, ou a partir da data em que houve o abuso do mandato, conforme estabelece o artigo 398.
Natureza da ação
De acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o termo inicial dos juros moratórios não é determinado pela modalidade de dano a ser reparado, mas a partir da natureza da relação jurídica mantida entre as partes, “podendo ser contratual ou extracontratual”.
O ministro explicou que, na responsabilidade extracontratual, o termo inicial dos juros moratórios é a data do fato, conforme estabelecem o artigo 398 do CC e a Súmula 54 do STJ. Entretanto, em caso de relação jurídica contratual, aplica-se o artigo 405 do CC, “sendo o termo inicial dos juros moratórios a data da citação”.
De acordo com Sanseverino, não havendo prova de má-fé e sendo a mora declarada pelo Poder Judiciário, a citação deve ser o marco inicial da contagem dos juros, que seguirão a taxa Selic, conforme determinam o artigo 406 do CC e os precedentes da Corte Especial.
Para o colegiado, no período anterior à constituição em mora (antes da citação), a atualização monetária dos valores devidos deve ser feita pelo índice indicado na sentença. Após a constituição em mora, deve incidir apenas a taxa Selic, sem cumulação com correção monetária.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. SEGUNDA FASE. ABUSO DE MANDATO. EXCESSO DE CONDENAÇÃO. SÚMULAS 05 E 07⁄STJ. JUROS DE MORA E TAXA SELIC. PRECEDENTES. TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS. CITAÇÃO. RELAÇÃO CONTRATUAL. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. SÚMULA 07⁄STJ.
1. Reconhecimento pelo tribunal de origem, a partir da prova documental e pericial, da ocorrência de abuso no exercício de mandato consistente na retenção a maior de valores pertencentes ao cliente.
2. Desacerto negocial identificado a partir da interpretação da cláusula contratual que regulou a forma de pagamento dos honorários advocatícios contratados (proveito econômico).
3. A modificação do valor da base de cálculo dos honorários contratuais em litígio exigiria a revaloração do conjunto fático-probatório dos autos, além da modificação da interpretação da cláusula que estabeleceu a forma de pagamento dos serviços prestados, o que é vedado a esta Corte Superior, nos termos da Súmulas 05 e 07⁄STJ.
4. A fixação da taxa dos juros moratórios, a partir da entrada em vigor do artigo 406 do Código Civil de 2002, deve ser com base na taxa Selic, sem cumulação de correção monetária, em obediência aos precedentes da Corte Especial, ressalvado posicionamento pessoal deste relator.
5. O termo inicial dos juros moratórios deve ser determinado a partir da natureza da relação jurídica mantida entre as partes.
6. No caso, tratando-se de mandato, a relação jurídica tem natureza contratual, sendo o termo inicial dos juros moratórios a data da citação (art. 405 do CC).
7. Não havendo prova de má-fé e sendo a mora declarada pelo Poder Judiciário, a citação deve prevalecer como marco inicial da contagem dos juros.
8. No período anterior a constituição em mora (antes da citação), a atualização monetária dos valores devidos deve ser feita pelo índice indicado na sentença.
9. Após a constituição em mora, incidência apenas da taxa Selic, sem cumulação com correção monetária.
10. Necessidade de observação da determinação de abatimento do valor consignado em outra demanda.
11. Honorários sucumbenciais estabelecidos de forma equitativa, atendendo aos preceitos fixados pelos parágrafos do artigo 20 do CPC, observada a complexidade da causa e o seu longo tempo de duração. Súmula 07⁄STJ.
12. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
Leia o acórdão.