Para o relator, o dano causado à empregada é autoevidente.
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) a pagar indenização de R$ 10 mil a uma empregada que teve seu plano de assistência médica cancelado após a dispensa. Para a Turma, o cancelamento foi arbitrário e abusivo e desrespeitou o edital de privatização da CSN.
Condições
A empregada trabalhou na CSN por 31 anos e, na vigência do contrato de trabalho, ela e seus dependentes usufruíram da assistência médico-hospitalar proporcionada pela empresa. Em 2010, obteve a aposentadoria, mas continuou trabalhando. Dois anos depois, foi dispensada e deixou de ter direito ao plano de saúde.
Na reclamação trabalhista, ela sustentou que a medida contrariou as regras estabelecidas na época da privatização da CSN, em 1992, que impunha condições ao comprador de modo a assegurar os direitos dos empregados. Uma das diretrizes previstas no edital era a manutenção da assistência médico-hospitalar mesmo no caso de aposentadoria.
O juízo da 1ª Vara do Trabalho de Volta Redonda (RJ) indeferiu os pedidos por entender que o contrato de trabalho não havia sido suspenso, mas encerrado pela aposentadoria por tempo de contribuição. Dessa forma, todos os demais direitos acessórios também estariam extintos. O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), embora reconhecendo a ilicitude da conduta da empresa, manteve a sentença por ausência de prova do efetivo dano moral decorrente da privação do plano.
Arbitrariedade
Na avaliação do ministro Maurício Godinho Delgado, relator do recurso de revista da empregada, o cancelamento arbitrário e indevido do plano de saúde empresarial, em clara dissonância com o edital de privatização da CSN, configura dano moral autoevidente. “A simples impossibilidade, por culpa reconhecida do empregador, de utilização do plano de assistência médica pela empregada aposentada revela a desnecessidade da prova em concreto do abalo moral, até porque a tutela jurídica, neste caso, incide sobre um interesse imaterial”, assinalou.
Para o ministro, a situação vivenciada pela empregada aposentada, de fato, atentou contra a sua dignidade, a sua integridade psíquica e o seu bem-estar individual – “bens imateriais que compõem seu patrimônio moral protegido pela Constituição -, ensejando a reparação moral”.
O recurso ficou assim ementado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMANTE . RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CANCELAMENTO ABUSIVO DO PLANO DE SAÚDE. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA INVIOLABILIDADE PSÍQUICA (ALÉM DA FÍSICA) DA PESSOA HUMANA, DO BEM-ESTAR INDIVIDUAL (ALÉM DO SOCIAL) DO SER HUMANO, TODOS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO MORAL DA PESSOA FÍSICA. DANO MORAL CARACTERIZADO . Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 5º, X, da CF, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido .
B) RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE . PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. CANCELAMENTO ABUSIVO DO PLANO DE SAÚDE. DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA INVIOLABILIDADE PSÍQUICA (ALÉM DA FÍSICA) DA PESSOA HUMANA, DO BEM-ESTAR INDIVIDUAL (ALÉM DO SOCIAL) DO SER HUMANO, TODOS INTEGRANTES DO PATRIMÔNIO MORAL DA PESSOA FÍSICA. DANO MORAL CARACTERIZADO . O direito à indenização por dano moral encontra amparo no art. 5º, V e X, da Constituição da República e no art. 186 do CCB/2002, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana, da inviolabilidade (física e psíquica) do direito à vida, do bem-estar individual (e social), da segurança física e psíquica do indivíduo, além da valorização do trabalho humano. O patrimônio moral da pessoa humana envolve todos os bens imateriais, consubstanciados em princípios. Afrontado esse patrimônio moral, em seu conjunto ou em parte relevante, cabe a indenização por dano moral, deflagrada pela Constituição de 1988. O art. 186 do CCB assim dispõe acerca do dano moral: ” Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito “. O art. 5º, X, da CF, por sua vez, assegura que: ” São invioláveis a intimidade, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação “. A hipótese dos autos é de dano moral auto-evidente, já que a simples impossibilidade, por culpa reconhecida do empregador, de utilização do plano de assistência médica pela empregada aposentada – em clara dissonância com o Edital de Privatização da CSN – revela a desnecessidade da prova em concreto do abalo moral, até porque a tutela jurídica, neste caso, incide sobre um interesse imaterial (art. 1º, III, da CF). Nesse sentido, os arts. 197 e 199 da CF erigiram como de relevância pública as ações e serviços de saúde, ainda que prestados pela iniciativa privada. As normas infraconstitucionais que regem a matéria são, em sua maioria, de ordem pública (arts. 1º, 13 e 14 da Lei 9656/98) e vedam, inclusive, a suspensão ou rescisão unilateral do contrato, salvo hipóteses excepcionais não abarcadas na presente lide. Recurso de revista conhecido e provido .
C) AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA . RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . PLANO DE SAÚDE CONCEDIDO PELO EMPREGADOR AOS EMPREGADOS. EXTENSÃO DO BENEFÍCIO AOS APOSENTADOS MEDIANTE NORMA INTERNA. ALTERAÇÃO UNILATERAL. MANUTENÇÃO DO PLANO DE SAÚDE. ART. 468 DA CLT. Nos contratos individuais de trabalho, só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. (art. 468 da CLT). Realmente, um dos mais importantes princípios gerais do Direito que foi importado pelo ramo justrabalhista é o da inalterabilidade dos contratos, que se expressa, no estuário civilista originário, pelo conhecido aforismo pacta sunt servanda (“os pactos devem ser cumpridos”). Informa tal princípio, em sua matriz civilista, que as convenções firmadas pelas partes não podem ser unilateralmente modificadas no curso do prazo de sua vigência, impondo-se ao cumprimento fiel pelos pactuantes. Sabe-se, porém, que esse princípio jurídico geral ( pacta sunt servanda ) já sofreu claras atenuações no próprio âmbito do Direito Civil, através da fórmula rebus sic stantibus . Por essa fórmula atenuadora, a inalterabilidade unilateral deixou de ser absoluta, podendo ser suplantada por uma compatível retificação das cláusulas do contrato ao longo de seu andamento. Essa possibilidade retificadora surgiria caso fosse evidenciado que as condições objetivas despontadas durante o prazo contratual – condições criadas sem o concurso das partes – provocaram grave desequilíbrio contratual, inexistente e impensável no instante de formulação do contrato e fixação dos respectivos direitos e obrigações. Tais circunstâncias novas e involuntárias propiciariam à parte prejudicada, desse modo, a lícita pretensão de modificação do contrato. O princípio geral da inalterabilidade dos contratos sofreu forte e complexa adequação ao ingressar no Direito do Trabalho – tanto que passou a se melhor enunciar, aqui, através de uma diretriz específica, a da inalterabilidade contratual lesiva. Em primeiro lugar, a noção genérica de inalterabilidade perde-se no ramo justrabalhista. É que o Direito do Trabalho não contingencia – ao contrário, incentiva – as alterações contratuais favoráveis ao empregado; essas tendem a ser naturalmente permitidas (art. 468, CLT). Em segundo lugar, a noção de inalterabilidade torna-se sumamente rigorosa caso contraposta a alterações desfavoráveis ao trabalhador – que tendem a ser vedadas pela normatividade justrabalhista (arts. 444 e 468, CLT). Em terceiro lugar, a atenuação civilista da fórmula rebus sic stantibus (atenuação muito importante no Direito Civil) tende a ser genericamente rejeitada pelo Direito do Trabalho. É que este ramo jurídico especializado coloca sob ônus do empregador os riscos do empreendimento (art. 2º, caput , CLT), independentemente do insucesso que possa se abater sobre esse. As obrigações trabalhistas empresariais preservam-se intocadas ainda que a atividade econômica tenha sofrido revezes efetivos em virtude de fatos externos à atuação do empregador. Fatores relevantes como a crise econômica geral ou a crise específica de certo segmento, mudanças drásticas na política industrial do Estado ou em sua política cambial – fatores que, obviamente, afetam a atividade da empresa – não são acolhidos como excludentes ou atenuantes da responsabilidade trabalhista do empregador. No caso concreto , o Tribunal Regional com alicerce no conjunto fático-probatório produzido nos autos, notadamente a prova documental colacionada, consignou que a manutenção do plano de saúde está amparada no Edital de Privatização da Reclamada, especificamente no inciso XII do item 4.10 e no inciso VI do item 4.10.2. Nesse contexto, a Corte de origem assentou que ” os adquirentes das ações representativas do controle acionário da CSN se obrigaram, pelo edital, a manter, após a privatização, os direitos e benefícios sociais existentes ao tempo da publicação em favor dos empregados cujos contratos estavam em curso em 1992, o mesmo ocorrendo em relação aos aposentados, porquanto as definições feitas no preâmbulo do edital reputavam que a menção a ‘ empregados’ se referia aos funcionários de várias das empresas coligadas e também aos aposentados à época ” . Diante desse quadro esposado no acórdão regional, é devida a manutenção do plano de saúde à Reclamante, em respeito ao princípio da inalterabilidade contratual lesiva (arts. 444 e 468 da CLT). Além do mais, fixadas tais premissas pelo Tribunal Regional, instância soberana no exame do quadro fático-probatório carreado aos autos, adotar entendimento em sentido oposto implicaria o revolvimento de fatos e provas, inadmissível nesta seara recursal de natureza extraordinária, conforme o teor da Súmula 126/TST. Agravo de instrumento desprovido.
A decisão foi unânime.
Processo: ARR-1495-23.2013.5.01.0341