Ao dar provimento a recurso especial interposto pela Rádio e Televisão Bandeirantes (Band), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia condenado a emissora a pagar R$ 10 mil, a título de danos morais, ao autor de uma música cuja paródia foi reproduzida no extinto programa Pânico na Band.
Por unanimidade, o colegiado definiu que, em divulgação de paródia, não há a obrigação de indicar o nome do autor da obra originária.
O autor da canção pleiteou indenização por suposto plágio de sua composição. O juiz negou o pedido, fundamentando que a divulgação exibida pela Band era uma paródia da versão original, o que não violaria o direito autoral.
Porém, o TJSP entendeu que, mesmo em caso de paródia, a falta de indicação do nome do autor da obra originária gera o dever de indenizar. No recurso ao STJ, a Band defendeu que tal exigência não foi prevista na Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/1998).
É livre a criação de paródia
Relatora do recurso, a ministra Nancy Andrighi afirmou que as paródias não se enquadram nas hipóteses do artigo 29 da Lei 9.610/1998 , para as quais se exige a autorização prévia do autor, uma vez que o artigo 47 da lei estabeleceu que são livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe causarem descrédito.
De acordo com a magistrada, esse artigo vedou apenas a “verdadeira” reprodução de criação preexistente, a qual não poderia ser identificada como paródia.
“A liberdade a que se refere o dispositivo precitado significa que a criação e a comunicação ao público de paródias não dependem de autorização do titular da obra que lhe deu origem”, apontou a ministra.
Segundo o STJ, a paródia é trabalho artístico inédito
Nancy Andrighi lembrou que, segundo a compreensão do STJ, a paródia é imitação cômica de composição literária, filme, música ou qualquer outra obra; é interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente, debochada, satírica (REsp 1.548.849 e REsp 1.810.440).
A partir desses precedentes, explicou, pode-se deduzir que a paródia faz surgir um novo trabalho artístico, ou, nos termos do artigo 5º, inciso VIII, g, da Lei 9.610/1998, uma criação intelectual nova, resultante da transformação da obra originária.
“Não há, de fato, na Lei de Direitos Autorais, qualquer dispositivo que imponha, quando do uso da paródia, o anúncio ou a indicação do nome do autor da obra originária”, destacou.
Autor da paródia tem direito ao crédito de sua autoria
Considerando a paródia como obra original, a ministra afirmou que o direito do autor de ter o nome anunciado na utilização da obra (artigo 24, inciso II, da Lei 9.610/1998), bem como os direitos morais e patrimoniais sobre a criação (artigo 22 da mesma lei) são de titularidade do criador da paródia – não do autor da obra que a inspirou.
Nancy Andrighi acrescentou que, diferentemente do que ocorreu com a paródia, quando o legislador considerou necessária a menção do nome do autor ou a citação da fonte originária na utilização de obra alheia, ele fez tal determinação de modo expresso, como no artigo 46, inciso I, alínea a e inciso III, da Lei 9.610/1998.
“Sendo livre a paródia (artigo 47 da LDA), sua divulgação ao público – desde que respeitados os contornos estabelecidos pelo dispositivo precitado – não tem o condão de caracterizar ofensa aos direitos do criador da obra originária”, concluiu a relatora ao restabelecer a sentença.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITOS AUTORAIS. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE OBRA LÍTERO-MUSICAL E DE INDENIZAÇÃO. PARÓDIA. LIMITAÇÃO AO DIREITO AUTORAL. PREVISÃO LEGAL EXPRESSA. ART. 47 DA LEI 9.610⁄98. INDICAÇÃO DO NOME DO AUTOR DA OBRA ORIGINÁRIA. AUSÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE. OFENSA A DIREITO MORAL DE AUTOR. INOCORRÊNCIA.1. Ação ajuizada em 30⁄10⁄2018. Recurso especial interposto em 21⁄20⁄2020. Autos conclusos à Relatora em 20⁄10⁄2021.2. O propósito recursal consiste em definir (i) se a ausência de indicação do nome do autor da obra musical que deu origem à paródia divulgada pela recorrente enseja condenação a título de danos morais e (ii) se houve julgamento extra petita.3. Segundo compreensão do STJ, a paródia é forma de expressão do pensamento, é imitação cômica de composição literária, filme, música, obra qualquer, dotada de comicidade, que se utiliza do deboche e da ironia para entreter. É interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente, debochada, satírica. Precedentes.4. A paródia, a par de derivar de obra preexistente, constitui criação intelectual nova, dotada de autonomia em relação à obra originária. Precedentes.5. O art. 47 da Lei 9.610⁄98 estabelece que “são livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito”.6. Não há, na Lei de Direitos Autorais, qualquer dispositivo que imponha, quando do uso da paródia, o anúncio ou a indicação do nome do autor da obra originária.7. O direito moral elencado no art. 24, II, da LDA diz respeito, exclusivamente, à indicação do nome do autor quando do uso de sua obra, circunstância diversa da que se verifica na espécie.8. Quando a legislador entendeu por necessária, na hipótese de utilização de obra alheia, a menção do nome do autor ou a citação da fonte originária, ele procedeu à sua positivação de modo expresso, a exemplo do que se verifica das exceções constantes no art. 46, I, ‘a’, e III, da LDA.9. Diante disso, reconhecido que, em se tratando de paródia, inexiste obrigação de divulgação do nome do autor da obra originária e que pertencem apenas ao seu criador o direito moral de ter o nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização dessa obra, não há fundamento jurídico apto a sustentar a tese sufragada pelo Tribunal de origem, no sentido de que a ausência de menção da autoria da obra parodiada viola os direitos do criador desta.RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
Leia o acórdão no REsp 1.967.264.