A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que determinou que o Banco Safra apresente a relação de consumidores lesados por cobrança indevida de tarifas em operações de financiamento, a fim de evitar que a norma que autoriza a eliminação periódica de dados bancários por instituições financeiras prejudique o andamento de futuras ações coletivas.
Ao recorrer do acórdão, o banco havia alegado que a execução da sentença de demanda coletiva deve ser promovida pelos próprios titulares, assim como defendeu que atos do Ministério Público com esse objetivo somente poderiam ser praticados após um ano sem manifestação dos indivíduos interessados. Além disso, argumentou que o fornecimento da listagem de consumidores lesados violaria o sigilo bancário.
Simples identificação
Entretanto, como apontado pelo ministro relator do caso, Villas Bôas Cueva, o fornecimento dos dados, por si só, não configura ato de liquidação ou de execução de sentença. Segundo o ministro, “a listagem requerida pelo Ministério Público não terá outro propósito senão o de garantir que, ultrapassado o prazo de um ano de que trata o artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor, não fique materialmente impossibilitada a produção de prova do dano coletivo para fins de reparação fluida em virtude do descarte periódico de documentos pelas instituições financeiras”.
A turma considerou que, para efeito de simples identificação dos consumidores, não se aplica a exigência do prazo de um ano sem manifestação dos indivíduos interessados.
No entanto, “para que não haja implicações quanto ao dever imputado às instituições financeiras de guardar sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados (artigo 1º da Lei Complementar 105/2001), fica vedada a divulgação nominal desses dados, devendo sua utilização servir eminentemente aos fins institucionais do Parquet, ressalvada eventual quebra de sigilo nas hipóteses legalmente admitidas”, concluiu o ministro relator.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TARIFA DE LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA DE OPERAÇÕES DE CRÉDITO. COBRANÇA. IDENTIFICAÇÃO DOS CONSUMIDORES ATINGIDOS. OBTENÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. LIQUIDAÇÃO⁄EXECUÇÃO COLETIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO.1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que, em ação civil pública proposta com a finalidade de ver reconhecida a ilegalidade da cobrança de tarifa pela liquidação antecipada de mútuo ou financiamento, deferiu requerimento apresentado pelo parquet para determinar que a instituição financeira demandada identificasse e listasse os consumidores lesados pela referida cobrança.2. A legitimação concorrente conferida ao Ministério Público para a liquidação⁄execução da sentença coletiva é subsidiária, podendo ser exercida somente após o escoamento do prazo de 1 (um) ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, nos moldes do art. 100 do Código de Defesa do Consumidor (fluid recovery). Precedente.3. Hipótese na qual se pleiteou a simples identificação dos consumidores potencialmente lesados pela cobrança da tarifa questionada na ação coletiva com vistas a assegurar o resultado útil do processo, tendo em vista que o decurso do tempo poderia comprometer a efetivação do direito nele reconhecido, sobretudo em razão da existência de norma que autoriza as instituições financeiras a eliminar documentos depois de determinado prazo.4. O fornecimento dos dados requeridos, por si só, não configura ato de liquidação, tampouco de execução da sentença proferida na ação coletiva, sobretudo por se tratar de ato unilateral, sem contraditório pleno e sem cognição exauriente, mesmo porque incumbe prioritariamente a cada liquidante, e não ao Ministério Público, comprovar a existência do dano pessoal e o nexo etiológico com o dano globalmente causado.5. A simples identificação dos possíveis lesados não se mostra suficiente para a quantificação do dano individualmente suportado, elemento sem o qual não é admitida a propositura da execução, que exige liquidez e certeza, tampouco implica habilitação capaz de transformar a condenação pelos prejuízos globalmente causados em indenização pelos danos individualmente sofridos, haja vista a ausência de manifestação pessoal acerca da intenção de promover a execução do julgado.6. Na mera identificação de correntistas, não se pode falar em habilitação de interessados, tampouco em prova inequívoca do dano pessoal em favor de qualquer dos integrantes da lista.7. Para que não haja implicações quanto ao dever imputado às instituições financeiras, de guardar sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados (art. 1º da Lei Complementar nº 105⁄2001), fica vedada a divulgação nominal desses dados, devendo sua utilização servir eminentemente aos fins institucionais do parquet, ressalvada a quebra de sigilo nas hipóteses legalmente admitidas.8. Recurso especial não provido.
Leia o acórdão.