O fato de a irregularidade ter sido corrigida não é suficiente para afastar a condenação
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Associação de Proteção e Assistência à Maternidade e à Infância de Registro (Apamir), de Registro (SP), ao pagamento de R$ 50 mil de indenização por dano moral coletivo, em razão do desrespeito à norma coletiva que previa o pagamento de piso salarial e fornecimento de cestas básicas. Para o colegiado, a reparação das irregularidades após o ajuizamento de ação foi tardia e não afasta a lesão sofrida pela coletividade.
Bem estar social
A partir de denúncia, o Ministério Público do Trabalho (MPT) realizou diligências e entrevistou trabalhadores, concluindo que a Apamir, ao não cumprir com o pactuado em instrumento de negociação coletiva, desrespeitava não só os direitos e as garantias de seus empregados a uma uma subsistência digna, mas, também, a função social do salário de alcançar o bem estar social. Essa atitude, segundo o MPT, acaba por prejudicar à ordem econômica baseada na livre iniciativa e na livre concorrência, pois a empresa que remunera seus empregados abaixo do piso mínimo da categoria tem um custo menor de mão de obra em relação às concorrentes, o que, em última análise, atinge o preço final de seus produtos ou serviços.
Sonegação de direitos básicos
O juízo de primeiro grau condenou a associação por considerar que ela sonegava os direitos básicos de seus empregados e não demonstrava não ter o mínimo cuidado em zelar pela integridade moral desses trabalhadores. Para o juízo, a Justiça do Trabalho deve velar para que as responsabilidades sociais do empregador sejam ampliadas, de modo a prevenir, com a maior amplitude possível, a dignidade das pessoas envolvidas no contrato de trabalho.
Lesão à coletividade
O Tribunal Regional do Trabalho da 15 Região (Campinas), contudo, reformou a sentença, levando em conta que a associação, após o ajuizamento da ação civil pública, havia reparado as irregularidades. O TRT entendeu que não houve lesão à coletividade passível de condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, uma vez que a reparação é devida quando verificado, no cotidiano, violação dos direitos fundamentais.
Condenação preventiva
O relator do recurso de revista, ministro José Roberto Pimenta, assinalou que o dano moral coletivo enseja muito mais uma condenação preventiva e inibitória do que propriamente uma tutela ressarcitória. As duas esferas, segundo ele, têm efeito exemplar, pois desencorajam outras entidades da prática de conduta ilícita.
Para o relator, a associação, ao descumprir as cláusulas convencionais relativas ao piso salarial e ao fornecimento de cestas básicas, causou danos não apenas aos trabalhadores, mas também à coletividade, o que acarreta a responsabilização. Por outro lado, o fato de as irregularidades terem sido corrigidas após o ajuizamento da ação civil pública não afasta os danos já experimentados pelos trabalhadores e pela coletividade.
“A resolução do problema no âmbito do processo é relevante na fixação do valor da indenização, mas não é fator excludente da condenação”, afirmou o ministro. “A postura, embora louvável, foi tardiamente tomada”.
O relator ressaltou que, apesar da instauração de inquérito pelo MPT e a formalização de Termo de Ajuste de Conduta (TAC), a Apamir continuou desrespeitando as previsões estipuladas nas normas coletivas e desconsiderou as soluções consensuais extrajudiciais.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA .
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REITERADO DESCUMPRIMENTO DE NORMA COLETIVA RELATIVA À OBSERVÂNCIA DE PISO SALARIAL E AO FORNECIMENTO DE CESTAS BÁSICAS. CONDUTA ILÍCITA CONFIGURADA. ADOÇÃO DE MEDIDAS APTAS A REPARAR AS IRREGULARIDADES SOMENTE APÓS O AJUIZAMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA . NÃO AFASTADA A LESÃO SOFRIDA PELOS TRABALHADORES E PELA COLETIVIDADE, PELA REPARAÇÃO TARDIA DAS IRREGULARIDADES. CONDENAÇÃO DA RÉ À INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. DANO MORAL IN RE IPSA.
Em face da aparente violação do artigo 186 do Código Civil , dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista.
RECURSO DE REVISTA.
RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/20147 .
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REITERADO DESCUMPRIMENTO DE NORMA COLETIVA RELATIVA À OBSERVÂNCIA DE PISO SALARIAL E AO FORNECIMENTO DE CESTAS BÁSICAS. CONDUTA ILÍCITA CONFIGURADA. ADOÇÃO DE MEDIDAS APTAS A REPARAR AS IRREGULARIDADES SOMENTE APÓS O AJUIZAMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA . NÃO AFASTADA A LESÃO SOFRIDA PELOS TRABALHADORES E PELA COLETIVIDADE, PELA REPARAÇÃO TARDIA DAS IRREGULARIDADES. CONDENAÇÃO DA RÉ À INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. DANO MORAL IN RE IPSA.
Trata-se de pedido de indenização por dano moral coletivo fundado no descumprimento das cláusulas convencionais relativas à observância de piso salarial e ao fornecimento de cestas básicas. No caso, o Regional, pautado Na prova documental exibida em Juízo, registrou que a ré, após o ajuizamento da ação civil pública, reparou as irregularidades praticadas, passando a efetivar o pagamento dos salários com base no piso normativo estabelecido, além de conceder as cestas básicas aos seus empregados. Nesse viés, o Tribunal de origem concluiu que não houve lesão à coletividade passível de condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, uma vez que a reparação é devida quando verificado, no cotidiano, violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Para a configuração do dano moral coletivo, basta, como no caso dos autos, a violação intolerável de direitos coletivos e difusos, ação ou omissão reprovável pelo sistema de justiça social do ordenamento jurídico brasileiro, conduta antijurídica capaz de lesar a esfera de interesses da coletividade, cuja essência é tipicamente extrapatrimonial. Erigindo o dano moral coletivo a um plano mais abrangente de alcance jurídico, Xisto Tiago de Medeiros Neto ressalta a sua configuração, independentemente do número de pessoas atingidas pela lesão, afastando, para sua eventual caracterização, o “critério míope”, pautado tão somente na verificação do quantitativo de pessoas atingidas de maneira imediata. Assim, o fato de a transgressão estar circunstanciada no âmbito das relações de trabalho, por si só, não lhe atribui a visão de dano individual. O que vai imprimir o caráter coletivo é a repercussão no meio social, a adoção reiterada de um padrão de conduta por parte do infrator, com inegável extensão lesiva à coletividade, de forma a violar o sistema jurídico de garantias fundamentais. É por isso que o dano moral coletivo, em face de suas características próprias de dano genérico, enseja muito mais uma condenação preventiva e inibitória do que propriamente uma tutela ressarcitória. Há nítida separação entre as esferas a serem protegidas e tuteladas pelas cominações referidas, justamente diante da distinção entre os danos morais individualmente causados concretamente a cada uma das pessoas envolvidas, in casu , os empregados, e a necessidade de reprimir a conduta da ré, claramente tida como ilícita, de natureza coletiva ou massiva. Ainda, diante dos fatos incontroversos relativos à citada conduta ilícita, o dano moral daí decorrente é considerado in re ipsa , já que decorre da própria natureza das coisas, prescindindo, assim, de prova da sua ocorrência concreta, em virtude de ele consistir em ofensa a valores humanos, bastando a demonstração do ato ilícito ou antijurídico em função do qual a parte afirma ter ocorrido a ofensa ao patrimônio moral. Nessa hipótese, o dano coletivo experimentado prescinde da prova da dor, pois, dada a sua relevância social, desencadeia reparação específica, na forma dos artigos 186 e 927 do Código Civil. Salienta-se que o dever de indenizar não está restrito ao indivíduo lesado, mas à coletividade. A tutela coletiva ora em exame abrange não apenas os direitos individuais homogêneos desses trabalhadores como também os direitos difusos de todos os membros da sociedade e também os direitos coletivos, em sentido estrito, não só daqueles que se encontram nesta situação especial, mas também daqueles que poderão vir a se encontrar nessa condição futuramente, caso essa conduta ilícita não seja coibida. Como se sabe, a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano moral coletivo não tem cunho somente meramente indenizatório, mas também reparatório dos danos causados ao conjunto da sociedade ou aos demais trabalhadores em geral, além de conteúdo suasório, de induzimento, quase que coercitivo, a uma postura não contrária ao ordenamento jurídico. A tutela inibitória e a tutela reparatória (indenização por dano moral coletivo) possuem efeito exemplar, pois desencorajam outras entidades da prática de conduta ilícita. Dessa forma, o descumprimento de cláusulas convencionais relativas à observância de piso salarial e ao fornecimento de cestas básicas, causou danos não apenas aos trabalhadores, mas também à coletividade, o que acarreta a responsabilização da ré pelo ressarcimento do dano moral coletivo. Por outro lado, o fato de a ré ter reparado “as irregularidades praticadas”, após o ajuizamento da ação civil pública, não afasta os danos já experimentados pelos trabalhadores e pela coletividade. A resolução do problema no âmbito do processo é relevante na fixação do valor da indenização por dano moral coletivo, mas não é fator excludente da condenação da ré ao pagamento de indenização, que causou danos à coletividade ao longo do tempo. A postura da ré, embora louvável, de interromper o descumprimento da legislação constitucional e legal foi tardiamente tomada, na medida em que, não obstante a instauração de inquérito civil pelo Ministério Público do Trabalho e a formalização de Termo de Ajuste de Conduta, continuou desrespeitando as previsões estipuladas nas normas coletivas e, consequentemente, provocando danos aos trabalhadores e a coletividade, ao longo do tempo. A ré desconsiderou as citadas soluções consensuais extrajudiciais. Desse modo, frustradas as referidas medidas e, inexistindo outro caminho, o Ministério Público do Trabalho acionou a jurisdição, e, por meio da ação civil pública, busca a condenação da ré, não apenas de natureza cominatória (obrigação de fazer e não fazer projetada para o futuro), mas também de caráter reparatório do passado, das lesões cometidas em dimensão coletiva. Não se pode relegar o objeto da ação civil pública à condenação da empresa a cumprir o texto da lei, como é a hipótese dos autos (mantida a tutela inibitória pelo TRT de origem), o que ocorreria se a regularização da conduta ilícita da ré, em Juízo, afastasse a condenação ao pagamento de indenização, quando as lesões à coletividade já ocorreram. Cabe acrescentar que a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que, mesmo demonstrada a regularização posterior (em juízo) da condição que originou o pedido de tutela inibitória, justifica-se o seu provimento jurisdicional, em razão da necessidade de prevenir eventual descumprimento da decisão judicial ou da reiteração da prática de ilícito. Assim, a citada regularização não impede a concessão da tutela inibitória requerida pelo Ministério Público do Trabalho. Precedentes da Eg. SbDI-1. Nessa seara, a regularização da condição que originou o pedido de tutela inibitória, não faz desaparecer os prejuízos sofridos pela coletividade, oriundos da conduta ilícita da ré, que somente cessaram após o ajuizamento da ação. Dessa forma, o Tribunal Regional, ao reformar a sentença e, assim, absolver a reclamada do pagamento de indenização por dano moral coletivo, proferiu decisão em violação do artigo 186 do Código Civil.
Recurso de revista conhecido e provido.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-11376-98.2018.5.15.0069