Além da ausência de vínculo de emprego, foi constatada a culpa da vítima pelo acidente
A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou a condenação da Igreja Pentecostal Assembleia de Deus Ministério Restauração ao pagamento de indenização de R$ 1,2 milhão a um fiel que caiu de uma altura de 4,5m quando colaborava com a reparação do teto de uma igreja em Santa Cruz do Sul (RS). Para o colegiado, não é possível aplicar a teoria do risco, diante da ausência de vínculo de emprego e de outros aspectos do caso concreto.
Acidente de trabalho
O fiel ajuizou a ação com pedido de indenização na Justiça Comum. Como ele ele havia tratado a questão como acidente de trabalho, o caso foi remetido ao juízo da 1ª Vara do Trabalho local.
Na ação, o fiel disse ter sido convocado pelo pastor para executar o conserto do telhado da igreja e, na queda, sofrera múltiplas fraturas, que exigiram a colocação de placas e parafusos na medula espinhal e resultaram em alteração de sensibilidade e fraqueza muscular.
Entrega das telhas
A igreja, em sua defesa, sustentou que o acidente ocorrera por culpa exclusiva do fiel, que teria subido ao telhado sem autorização e depois de inúmeras recomendações quanto à segurança do local, que estava sendo consertado por uma equipe. Segundo esse argumento, ele teria sido convocado apenas para ajudar na entrega das telhas, e não para fazer nenhum reparo.
O juízo de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos, acolhendo a tese da culpa exclusiva do fiel, que, mesmo sem experiência, havia subido ao telhado sem autorização dos responsáveis pela obra.
Grau de risco
O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, no entanto, reformou a sentença. O entendimento foi o de que o acidente de trabalho deveria ser analisado não pelo ponto de vista da atividade econômica da igreja, que, na Relação da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), tem grau de risco médio (2), mas pela atividade especificamente desenvolvida pelo fiel em favor da igreja, que era obra típica do ramo da construção civil, cujo grau de risco é 3.
Levando em conta as sequelas e as restrições para atividades cotidianas e domésticas decorrentes da queda, o TRT fixou o valor de R$ 1 milhão para a indenização por dano moral e de R$ 120 mil por dano material.
Sem vínculo
O relator do recurso de revista da igreja, ministro Ives Gandra Filho, chamou atenção para o fato de se tratar de um fiel da instituição, sem vínculo de emprego, que prestava colaboração eventual e não havia assinado termo de adesão de trabalho voluntário (Lei 9.608/1998). Destacou, também, que, segundo testemunhas, ele estava embriagado no momento do acidente e havia descumprido as orientações para que não subisse ao telhado.
Para o relator, a teoria da responsabilidade objetiva foi mal aplicada, pois se deu mediante a elevação do grau de risco da atividade da igreja para a de outra atividade, descartando a questão da culpa exclusiva ou concorrente. Em relação à indenização por dano material, o ministro observa que ela foi fixada em 10 vezes o valor do pedido, sem redutor, e extrapolou o princípio da razoabilidade.
O recurso ficou assim ementado:
I) AGRAVO DE INSTRUMENTO DE IGREJA EVANGÉLICA – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS NO VALOR DE R$ 1.000.000,00 – TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA DA CAUSA – POSSÍVEL VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS – PROVIMENTO .
1. Constitui transcendência econômica da causa o seu elevado valor (CLT, art. 896-A, §1º, I). No caso dos autos, a indenização fixada em R$ 1.000.000,00 pelo acidente sofrido pelo Reclamante justifica a análise do apelo em relação aos demais pressupostos intrínsecos de admissibilidade do recurso de revista.
2. O desproporcional valor da indenização e a possível violação dos arts. 5º, II, V e X, da CF, 186, 927 e 944 do CC, autorizam o processamento do recurso de revista com lastro na alínea “c” do art. 896 da CLT.
Agravo de instrumento provido.
II) RECURSO DE REVISTA DA IGREJA EVANGÉLICA – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PENSÃO MENSAL – ACIDENTE OCORRIDO COM FIEL QUE COLABORAVA NA REPARAÇÃO DO TETO DA IGREJA – INAPLICABILIDADE DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA – CULPA EXCLUSIVA DO RECLAMANTE – VIOLAÇÃO DOS ARTS. 5º, II, V e X, DA CF, 186, 927 E 944 DO CC – PROVIMENTO.
1. A Constituição Federal contempla o direito à indenização por danos morais, proporcional ao agravo (art. 5º, V), quando atingidas a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5º, X). Por outro lado, o Código Civil prevê a responsabilidade objetiva apenas nos casos especificados por lei ou pelo risco inerente à atividade (arts. 927, parágrafo único), medindo-se a indenização pela extensão do dano (art. 944) e exigindo-se o nexo causal entre o dano e ação ou omissão do responsabilizado (art. 186).
2. No caso dos autos: a) a ação foi intentada perante a Justiça Comum, como ação indenizatória, sendo encaminhada de ofício para a Justiça do Trabalho, em face de ser mencionado acidente de trabalho; b) a hipótese refere-se a fiel de Igreja Evangélica convidado a colaborar topicamente na reparação do telhado do templo e que não possuía vínculo empregatício com a referida instituição religiosa; c) o acidente consubstanciou-se na queda do telhado, com o Reclamante embriagado e descumprindo orientações do Pastor, segundo a prova testemunhal; d) houve, pelo Regional, adoção da teoria da responsabilidade objetiva da Igreja e de seu Pastor, considerados como empregadores, por se tratar de atividade de risco a desempenhada pelo Reclamante, mediante enquadramento da atividade como de risco 3, não por ser trabalhador de instituição religiosa (grau de risco 2), mas como de construção civil; e) fixou-se pensão mensal no valor global de R$ 120.000,00 (em face do falecimento do Reclamante de morte natural dois anos após o acidente), sem o fator de redução para o pagamento em parcela única, e de indenização por danos morais no valor de R$ 1.000.000,00 em face de fraturas múltiplas sofridas pelo Reclamante com a queda, para uma ação em que o pedido foi de apenas 100 salários mínimos para os danos morais, com valor da causa consubstanciado nesse montante (R$ 99.800,00).
3. Ora, da simples leitura do extenso acórdão regional e de seus fundamentos, sem que se tenha de revolver fatos e provas (o que é vedado pela Súmula 126 do TST), até porque não se está acolhendo a prefacial de negativa de prestação jurisdicional, verifica-se a violação dos arts. 5º, II, V e X, da CF, 186, 927 e 944 do CC, uma vez que a hipótese dos autos não admitia a responsabilização objetiva dos Reclamados, quer por não serem empregadores do Reclamante, quer por inexistir nexo causal entre o acidente sofrido pelo Reclamante e ordens dadas pelos Reclamados (a prova dos autos segue em sentido contrário a esse nexo), quer ainda por deslocamento indevido do grau de risco para efeitos de enquadramento da atividade do Reclamante. Isso sem contar a exorbitante cifra das indenizações estabelecidas pelo Regional.
4. Assim sendo, é de se conhecer e dar provimento à revista, para restabelecer, em todos os seus termos, a sentença de origem, que julgou improcedente a reclamação trabalhista.
Recurso de revista provido.
Por unanimidade, a Turma restabeleceu a sentença.
Processo: ED-RR – 20209-31.2019.5.04.0731