O direito havia sido negado porque a ação foi ajuizada 10 meses após o parto.
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho reformou decisão que havia absolvido a QP-Prestadora de Serviços de Conservação e Limpeza, de Cuiabá (MT), de pagar indenização estabilitária a uma auxiliar de serviços gerais dispensada durante a gavidez. O direito à gestante havia sido negado por ela ter ingressado com a ação somente 10 meses após o parto. Todavia, segundo o colegiado, o ajuizamento tardio da ação, desde que dentro do prazo prescricional, não configura abuso de direito.
Gravidez
A empregada disse na ação que fora contratada em fevereiro de 2018 e dispensada um mês depois. O parto ocorreu em 15 de setembro, 28 semanas após a dispensa. Segundo ela, era evidente que já estava grávida no momento da rescisão, e a Constituição Federal veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
Ocultação
O juízo da 4ª Vara do Trabalho de Cuiabá (MT) e o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região indeferiram o pedido de indenização correspondente ao período de estabilidade. Na avaliação do TRT, além de a empresa não ter tido ciência da gestação na data da dispensa, houve abuso por parte da trabalhadora pela demora em ingressar com a ação, o que só foi feito 10 meses após o parto. Para o TRT, ela teria “deliberada e intencionalmente” ocultado o fato da empregadora.
Desarmonia
O ministro Augusto César, relator do recurso de revista da trabalhadora, deferiu a indenização e condenou a QP ao pagamento, a título indenizatório, dos salários e dos demais direitos correspondentes ao período da estabilidade. Ele lembrou que, para que a empregada tenha direito à garantia, exige-se apenas que ela esteja grávida e que a dispensa não se tenha dado por justa causa. “É irrelevante o conhecimento do estado gravídico, seja pelo empregador, seja pela própria gestante”, destacou.
Ainda de acordo com o relator, a Orientação Jurisprudencial (OJ) 399 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST não considera abuso de exercício do direito de ação o seu ajuizamento após decorrido o período de garantia de emprego. No mesmo sentido, a jurisprudência do TST reconhece que a recusa de retorno ao emprego ou o ajuizamento tardio da ação, visando obter indenização de todo o período de estabilidade e frustrando a possibilidade de retomada do contrato de trabalho, não implica a renúncia ao direito.
O recurso ficou assim ementado:
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. INDENIZAÇÃO. AJUIZAMENTO DA DEMANDA CONSIDERADO TARDIO, CONQUANTO DENTRO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ABUSO DE DIREITO NÃO CONFIGURADO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. No caso, o Regional, ao manter o indeferimento do direito à estabilidade gestante, por entender não haver ciência do estado gestacional na data da dispensa e pelo fato de constituir abuso de direito o ajuizamento tardio da ação trabalhista – conquanto obedecido o prazo prescricional -, decidiu em desarmonia com o disposto no art. 10, II, b, da ADCT, e com o preconizado na Súmula 244, I e II, do TST. Essa circunstância está apta a demonstrar o indicador de transcendência política. Transcendência reconhecida.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. REQUISITOS DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT, ATENDIDOS. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. INDENIZAÇÃO. AJUIZAMENTO DA DEMANDA CONSIDERADO TARDIO, CONQUANTO DENTRO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ABUSO DE DIREITO NÃO CONFIGURADO. Ante a possível violação do art 10, II, b, do ADCT, e contrariedade à Súmula 244, I, do TST, nos termos exigidos no artigo 896, § 9º, da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista.
II – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. REQUISITOS DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT, ATENDIDOS. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. INDENIZAÇÃO. AJUIZAMENTO DA DEMANDA CONSIDERADO TARDIO, CONQUANTO DENTRO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ABUSO DE DIREITO NÃO CONFIGURADO. Nos termos do art. 10, II, b, do ADCT, para a garantia de estabilidade provisória da empregada é exigido somente que ela esteja grávida e que a dispensa não tenha sido por justa causa. A garantia de estabilidade provisória a partir do momento da concepção, ocorrida no curso do contrato de trabalho, não visa apenas à proteção objetiva da gestante, mas, sobretudo, à tutela do nascituro, configurando norma de ordem pública, da qual a trabalhadora sequer pode dispor. Tem-se, ainda, o item II da Súmula 244 do TST, segundo o qual, após o período de estabilidade da gestante, ficam garantidos os salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. Incidência da Súmula 244, I e II, do TST. Saliente-se também o entendimento perfilhado na Orientação Jurisprudencial 399 da SBDI-1 do TST, segundo o qual o ajuizamento de ação trabalhista, após decorrido o período de garantia de emprego, não configura abuso do exercício do direito de ação. Ademais, a jurisprudência desta Corte reconhece que a recusa de retorno ao emprego ou o ajuizamento da ação trabalhista após o término do período de estabilidade gestante, visando obter indenização de todo o período de estabilidade e frustrando a possibilidade de retomada do pacto laboral, não importa em renúncia ao direito à estabilidade provisória prevista no artigo 10, II, b, do ADCT, e nem configura abuso de direito. No caso, o Regional, considerando a data do parto, a data da rescisão e a ausência de alegação categórica da reclamada de que o parto tenha sido pré-maturo, entendeu ser incontroverso e inequívoco que, de fato, a autora estava gestante à data de sua dispensa. Recurso de revista conhecido e provido.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-496-89.2019.5.23.0004