Acusação de atos de improbidade administrativa deve ser acompanhada de comprovação dos atos de fraude e má-fé

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), por unanimidade, deu provimento às apelações interpostas contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Piauí, que julgou procedente os pedidos para condenar ex-prefeito do Município e uma construtora, pelo cometimento de atos de improbidade administrativa, de acordo com a Lei 8.429/1992.

Conforme a relatora, desembargadora federal Monica Jacqueline Sifuentes, o órgão acusador defende que houve simulação da compra e venda de imóvel destinado à construção das casas populares, com recursos oriundos do Programa “Minha Casa, Minha Vida” (PMCMV), no intuito de permitir à empresa contratada a apropriação indevida de recursos públicos federais. Os elementos dos autos revelam, contudo, que a referida alienação deu-se nos estritos termos da Lei 8.666/1993, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, não havendo falar em simulação.

Para a magistrada, ao contrário do que entendeu o juiz sentenciante, a alienação do imóvel pelo município à construtora seguiu todos os trâmites legais, uma vez que foi precedida de autorização legislativa que estabeleceu que seriam construídas trezentas casas no imóvel, com recursos oriundos do Minha Casa, Minha Vida.

A desembargadora federal destacou que, para a caracterização do ato de improbidade é imprescindível que a atuação do administrador, “pressupondo má-fé e desonestidade no trato da coisa pública, destoe nítida e manifestamente dos ditames morais básicos, o que não se confunde com meras faltas administrativas”.

No caso, sustentou a relatora, o Ministério Público Federal (MPF) não demonstrou que o ex-gestor atuou com dolo ou culpa grave na alienação do imóvel destinado à construção das casas populares com recursos oriundos do PMCMV. De igual modo, não há evidências de que a empresa contratada para executar a obra e construção das casas populares tenha atuado em conluio com o referido réu para causar prejuízo ao erário federal, a reforçar a conclusão de que inexiste liame subjetivo entres os requeridos.

A magistrada concluiu ressaltando que o simples fato de o requerido ter comandado o município à época dos fatos não autoriza a conclusão que este atuou à margem da lei e dos princípios que regem a atividade administrativa.

Assim, decidiu o Colegiado reformar a sentença para julgar improcedente o pedido do MPF e absolver os réus dos atos de improbidade administrativa.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICABILIDADE DA LEI 8.429/92 AOS AGENTES POLÍTICOS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRELIMINARES REJEITADAS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INOCORRÊNCIA. CONSTRUÇÃO DE CONJUNTO HABITACIONAL PARA BENEFICIÁRIOS DE BAIXA RENDA. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL PELO MUNICÍPIO. SIMULAÇÃO. INOCORRÊNCIA. CONTRATO FIRMADO ENTRE O FUNDO DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL – FAR E A CORRÉ. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. BLOQUEIO DE PARTE DO PREÇO PELA CEF PARA PRESERVAR DIREITO DE TERCEIROS. DOLO OU MÁ-FÉ NÃO DEMONSTRADOS. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CONFIGURADO. APELAÇÕES PROVIDAS. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. 

1. Cuida-se, na espécie, de apelações interpostas contra sentença, que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais para condenar os requeridos Francisco das Chagas Rego Damasceno, ex-prefeito do Município de Barras/PI à época dos fatos, e Construtora Andrade Júnior e Comércio Ltda. pelo cometimento de atos de improbidade administrativa tipificados no artigo 10, caput e incisos I e III, da Lei 8.429/92.

2. Nos termos de entendimento jurisprudencial pacificado, os agentes políticos, notadamente prefeitos e ex-prefeitos, sujeitam-se às disposições da Lei de Improbidade Administrativa.

3. Nas demandas em que se apura possível malversação de recursos públicos federais, a competência é da Justiça Federal, mesmo que a verba tenha sido incorporada ao patrimônio da municipalidade.

4. Ao instituir novas regras prescricionais para a ação de improbidade administrativa, a Lei 14.230/2021 previu, além da modalidade principal de prescrição já existente, a chamada prescrição intercorrente, que fulmina a pretensão sancionatória em razão da demora na apuração da conduta supostamente ímproba, contando-se o respectivo prazo de quatro anos a partir dos marcos interruptivos prefixados pelo legislador (art. 23, §4º, incisos I a V, da Lei 8.429/92).

5. Não poderá haver retroação da nova regra que estabelece o prazo prescricional de oito anos para a propositura da ação (art. 23, caput, da Lei 14.230/2021), por agravar a situação do réu.

6. A prescrição intercorrente obsta o exercício da pretensão punitiva em razão de causa extrínseca e posterior à propositura da ação, não atribuível às partes, devendo ser aplicada de forma prospectiva, dada a sua natureza eminentemente processual (inteligência do art. 14 do CPC).

7. Caracteriza improbidade administrativa toda ação ou omissão dolosa praticada por agente público ou por quem concorra para tal prática, ou ainda dela se beneficie, qualificada pela deslealdade, desonestidade ou má-fé, que acarrete enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou afronte os princípios da Administração Pública (artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, com alterações promovidas pela Lei 14.230/2021).

8. O dolo e a má fé não se presumem, sendo a responsabilidade em matéria sancionadora eminentemente subjetiva. Disso deflui que não há improbidade sem desonestidade. A má-fé, “comprometedora de princípios éticos ou critérios morais, com abalo às instituições é que deve ser penalizada” (AC 39010920134013701/MA, Rel. Des. Fed. Ney Bello, 3ª Turma, PJe 01/07/2020.).

9. De acordo com o órgão acusador, teria havido simulação no negócio jurídico de compra e venda de imóvel destinado à construção de casas populares com recursos oriundos do Programa “Minha Casa, Minha Vida” – PMCMV, celebrado pelos requeridos, com o intuito de permitir à empresa contratada a apropriação indevida de recursos públicos federais.

10. Os elementos dos autos revelam, contudo, que referida alienação deu-se nos estritos termos da Lei 8.666/1993, não havendo falar em simulação.

11. Manifestações reiteradas da CEF, órgão fiscalizador da obra, dão conta de que o contrato firmado pela Construtora Andrade Júnior e Comércio Ltda. e o FAR, para construção das casas populares com recursos do PMCMV, não se ressente de nenhum vício, e que o objeto do ajuste, ademais, está sendo regularmente cumprido pela Contratada.

12. Inocorrente, no caso, prejuízo à União/CEF, é de se afastar a condenação dos requeridos pela prática de ato de improbidade que causa prejuízo ao erário (art. 10 da Lei 8.429/1992).

13. Comprovado que o pagamento integral do preço do imóvel pela corré ao Município só não ocorreu em razão do bloqueio pela CEF de parte (54%) dos valores depositados, para salvaguardar direito de terceiros. A propósito, a competência para dirimir tal controvérsia (direito a indenização decorrente da perda do domínio útil do imóvel) é da Justiça Comum Estadual, e não da Justiça Federal.

14. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência dos pedidos formulados na inicial. Absolvição dos réus Francisco das Chagas Rego Damasceno e Construtora Andrade Júnior e Comércio Ltda.

Processo 0004573-61.2011.4.01.4000

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