A sentença homologatória no juízo cível forma coisa julgada na esfera trabalhista.
A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho extinguiu processo em que um representante comercial buscava reconhecimento de vínculo de emprego em relação aos períodos correspondentes a acordos celebrados na Justiça Comum com a Distribuidora de Medicamentos Santa Cruz Ltda., de Curitiba (PR). O entendimento foi de que a sentença homologatória de acordo proferida no juízo cível, que conferiu plena e geral quitação de todos os direitos decorrentes de extinto contrato de prestação de serviços, produz coisa julgada na esfera trabalhista.
Vínculo de emprego
Na reclamação trabalhista, o representante disse que havia sido admitido em 1995 como entregador e vendedor e dispensado em 2010. Segundo ele, a distribuidora de medicamentos o obrigou a constituir empresa fictícia para mascarar a natureza da relação mantida e evitar a aplicação da legislação trabalhista.
Mas, no juízo cível, ele e a empresa haviam firmado dois acordos judiciais de cunho comercial relativos aos períodos de 1996 a 2000 e de 2000 a 2005 em processos que tramitaram, respectivamente, na 1ª Vara Cível da Comarca de Palhoça (SC) e na 1ª Vara Cível de São José (SC). Pelos acordos, foi reconhecida a existência de contrato de representação comercial da distribuidora com a empresa de representação da qual o profissional era sócio.
A empresa, em sua defesa, pretendia compensar ou deduzir da condenação os valores quitados a título de indenização na Justiça Comum. Sustentou, ainda, que, nos acordos homologados nas varas cíveis, fora estabelecido que a relação jurídica entre as partes ficaria totalmente quitada. Assim, o processo deveria ser extinto sem resolução do mérito em relação aos períodos que haviam sido objeto do acordo.
Dedução
O vínculo de emprego foi reconhecido pelo juízo da 2ª Vara do Trabalho de Florianópolis (SC). No exame de recurso ordinário, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC) autorizou a compensação dos valores já pagos, por entender que, apesar de serem de origem cível, seu pagamento teve origem no mesmo fato do qual decorriam as verbas trabalhistas deferidas na ação em exame. No entanto, rejeitou o argumento da quitação ampla, com o fundamento de que as partes dos processos eram diferentes: na Justiça Comum, a ação fora ajuizada pela pessoa jurídica e, na do Trabalho, pela pessoa física.
Coisa julgada
O relator do recurso de revista da distribuidora, ministro Alexandre Ramos, observou que, de acordo com o TRT, os contratos de representação comercial haviam sido firmados para “obstar a aplicação da legislação trabalhista” e, portanto, eram nulos. O Tribunal Regional registrou ainda que o profissional era o único empregado da empresa e que, nos dois acordos homologados judicialmente, havia recebido indenização decorrente das verbas trabalhistas pleiteadas na atual demanda.
Para o relator, nesse quadro, conclui-se que os acordos foram firmados pela pessoa física. Nessa circunstância, configura-se a identidade de partes, de pedidos e de causa de pedir e, assim, o reconhecimento da coisa julgada. “A presente ação trabalhista e os acordos judiciais homologados diziam respeito à mesma relação jurídica de direito material”, explicou.
O ministro ressaltou que não é possível rediscutir os mesmos fatos em outro processo se houve solução definitiva em processo anterior. Para esse fim, a sentença homologatória de transação ou de conciliação equivale à sentença de mérito, para todos os efeitos legais.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA (DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS SANTA CRUZ LTDA.). RECURSO INTERPOSTO DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017.
1. NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. DECISÃO REGIONAL FUNDAMENTADA. NÃO OCORRÊNCIA. NÃO CONHECIMENTO.
I. O Tribunal Regional atendeu ao comando dos arts. 832 da CLT, 489 do CPC/2015 (art. 458 do CPC/1973) e 93, IX, da CF/1988, uma vez que a decisão recorrida encontra-se fundamentada. II. Na verdade, a parte Recorrente se insurge contra o posicionamento adotado pela Corte de origem no exame da matéria controvertida. Contudo, a discordância quanto à decisão proferida, a má apreciação das provas ou a adoção de posicionamento contrário aos interesses da parte não são causa de nulidade processual, nem ensejam ofensa aos arts. 832 da CLT, 489 do CPC/2015 (art. 458 do CPC/1973) e 93, IX, da CF/1988. III. Recurso de revista de que não se conhece.
2. ACORDO HOMOLOGADO PELA JUSTIÇA ESTADUAL COMUM. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. CONTRATO DE TRABALHO. IDENTIDADE DE PERÍODO. OFENSA À COISA JULGADA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO .
I. A jurisdição é a forma pela qual o Estado resolve, de forma pacífica, os conflitos de interesses decorrentes das relações jurídicas travadas entre os sujeitos de direito. Viola a coisa julgada e a boa-fé processual, a realização de acordo na Justiça Estadual, com quitação da relação jurídica subjacente (representação comercial), e posterior apresentação, perante a Justiça do Trabalho, de ação buscando o reconhecimento de vínculo de emprego, mormente considerando que a pessoa jurídica parte na ação cível foi representada pelo ora autor da ação trabalhista, tendo como sócia na pessoa jurídica sua esposa. A coisa julgada consiste na impossibilidade de rediscutir a lide, em outro processo, se já definitivamente solucionada em processo anterior, mediante decisão irrecorrível. Para esse fim, sentença homologatória de transação ou de conciliação é um ” equivalente jurisdicional ” (CARNELUTTI) da sentença de mérito, para todos os efeitos legais (CPC, art. 269, III e art. 485, inc. VIII). II. No caso, o Tribunal de origem registra que o Reclamante teve dois acordos homologados judicialmente, que recebeu indenização decorrente das verbas trabalhistas pleiteadas na presente demanda nos períodos de 01/09/1996 à 31/08/2000 (045.00.004524-6 1ª Vara Cível da Comarca de Palhoça/SC) e 04/09/2000 à 31/05/2005 (064.05.015844-2 1ª Vara Cível da Comarca de São José/SC) e que era o único empregado, do que, infere-se, que referidos acordos foram firmados pela pessoa física. Assim, está configurada a identidade de partes, de pedidos e de causa de pedir, a ensejar o reconhecimento da coisa julgada. III . Recurso de revista de que se conhece, por violação do art. 472 do CPC/73 (506 CPC/2015), e a que se dá provimento.
3. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. NÃO CONHECIMENTO.
I. Extrai-se da decisão recorrida que o julgador de origem se convenceu da configuração do vínculo empregatício, sobretudo diante da constatação de que havia ” pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e, especialmente, a subordinação jurídica “. II. Sob esse enfoque, para se concluir pela violação dos arts. 1º, 2º, da Lei nº 4.886/65, que regula as atividades dos representantes comerciais autônomos , na forma como defendida pela parte Recorrente, faz-se necessário o revolvimento de matéria fático-probatória dos autos. III . Entretanto, o reexame de fatos e provas é inviável em grau de recurso de revista, conforme entendimento sedimentado na Súmula nº 126 do TST. IV. Recurso de revista de que não se conhece.
4. REEMBOLSO DE DESPESAS. USO DE VEÍCULO PARTICULAR. NÃO CONHECIMENTO.
I. A tese de que ” por força dos contratos de representação comercial, o Recorrido era responsável pelas despesas necessárias ao exercício da representação, dentre elas aquelas ligadas à locomoção, hospedagem e alimentação “, está superada ante a manutenção do vínculo empregatício. II. Conforme se extrai da decisão recorrida, o caso em análise trata de pedido de pagamento de parcela referente ao uso de veículo particular do Reclamante. Não houve alteração do pactuado, pois, desde o início do contrato de trabalho, a empresa deixou de reembolsar o Reclamante pelas despesas relativas ao uso de veículo particular, como era de sua responsabilidade. Nesses termos, inexiste contrariedade à Súmula nº 294 do TST. III. Recurso de revista de que não se conhece.
5. COMPENSAÇÃO. INDENIZAÇÃO DA RESCISÃO DO CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. PERÍODO DE 04/06/2005 A 30/07/2010. NÃO CONHECIMENTO.
I. O Tribunal de origem entendeu que a indenização paga ao Reclamante por ocasião da rescisão do contrato de representação comercial não pode ser compensada com os créditos trabalhistas, por constituírem parcelas de natureza jurídica diversa, mas, deferiu o abatimento dos valores recebidos pela prestação de serviços, a fim de evitar o enriquecimento sem causa. II. Sob esse enfoque, não se verifica a alegada violação do art. 884 do Código Civil ou contrariedade à Súmula nº 18 do TST. III. Recurso de revista de que não se conhece.
A decisão foi unânime. Após a publicação do acórdão, o representante comercial interpôs embargos de declaração, ainda não examinados pelo relator.
Processo: RR-1960-08.2011.5.12.0014