Considerando que o pedido de ressarcimento do valor de dívida trabalhista paga por terceiro interessado deve prescrever no mesmo prazo em que a ação trabalhista, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que o ex-sócio condenado a quitar débito dessa natureza tem dois anos para pleitear a reparação, conforme o artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal.
O colegiado deu provimento ao recurso especial em que dois sócios de um restaurante contestaram a obrigação de ressarcir um ex-sócio pelo pagamento de dívida trabalhista do estabelecimento. No recurso, os sócios defenderam que a pretensão indenizatória do ex-sócio estaria prescrita.
Segundo os autos, o ex-sócio, após ter cedido suas cotas, pagou o débito trabalhista que lhe foi cobrado em razão da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, ocorrida em cumprimento de sentença movido por uma ex-empregada. Ele requereu em juízo que as duas pessoas que receberam suas cotas (cessionários) o indenizassem, pois seriam os responsáveis pela dívida e estariam obtendo enriquecimento sem causa (artigo 884 do Código Civil).
Pagamento com sub-rogação
Em primeiro grau, o juiz reconheceu a prescrição da ação (que seria trienal, conforme o artigo 206, parágrafo 3º, incisos IV e V, do CC), mas a segunda instância considerou aplicável o prazo prescricional geral de dez anos (artigo 205 do CC). Afastando a prescrição, a corte local julgou procedente o pedido.
Relator do recurso no STJ, o ministro Marco Aurélio Bellizze afirmou que os fatos descritos nos autos delimitaram que a pretensão do ex-sócio está fundada no artigo 346, III, do CC, o qual estabelece que o terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, realiza pagamento com sub-rogação – modalidade em que um terceiro paga o débito no lugar do devedor principal.
A partir dessa delimitação, o magistrado explicou que todos os direitos do credor original – no caso, a ex-empregada – se transferem ao terceiro interessado que pagou a dívida, tornando-o novo credor (artigo 349 do CC).
“Por se tratar de pagamento com sub-rogação, tem incidência a regra do artigo 349 do Código Civil, a qual estabelece que ‘a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores’”, observou o ministro.
Prazo prescricional bienal
Na visão do relator, a consequência de o sub-rogatário (novo credor) adquirir todos os direitos, ações, privilégios e garantias do credor originário é que a prescrição da pretensão de ressarcimento passa a se reger pela natureza da obrigação originária – que era trabalhista, no caso em julgamento.
“Em se tratando da mesma obrigação, portanto, não seria correto impor ao devedor originário prazos prescricionais diversos, como se cuidasse de pretensões advindas de vínculos obrigacionais distintos, do que efetivamente não se cuida”, afirmou Bellizze.
Baseado nesse raciocínio, o magistrado apontou que a ação ressarcitória por pagamento de débito trabalhista mediante sub-rogação deve observar o prazo de dois anos estabelecido no artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição, porém com início na data do pagamento sub-rogado.
Como o ajuizamento da demanda ocorreu quando já estava exaurido o prazo bienal, o ministro declarou prescrita a pretensão do ex-sócio.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESSARCITÓRIA PROMOVIDA POR EX-SÓCIO CONTRA OS SÓCIOS CESSIONÁRIOS DE SUAS QUOTAS, EM VIRTUDE DO PAGAMENTO PELO DÉBITO TRABALHISTA DEVIDO PELA SOCIEDADE EMPRESARIAL, CUJA EXECUÇÃO LHE FOI REDIRECIONADA NO BOJO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA RECLAMADA. SUB-ROGAÇÃO. DEMANDA REGRESSIVA. MANUTENÇÃO DOS MESMOS ELEMENTOS DA OBRIGAÇÃO ORIGINÁRIA, INCLUSIVE O PRAZO PRESCRICIONAL. ARTS. 349 CÓDIGO CIVIL. PRESCRIÇÃO BIENAL (ART. 7º, XXIX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 11 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS). OCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO.1. A questão submetida à análise desta Corte de Justiça centra-se em definir qual é o prazo prescricional da pretensão ressarcitória promovida por ex-sócio de sociedade empresarial, contra os sócios cessionários de suas quotas, pelos prejuízos alegadamente sofridos em virtude do pagamento de débitos trabalhistas da empresa, em cumprimento de sentença que lhe foi redirecionado, no bojo de incidente de desconsideração da personalidade jurídica da empresa reclamada.1.1 A esse propósito, o Juízo a quo aplicou o prazo trienal, previsto no art. 206, § 3º, IV e V, do Código Civil, em razão de a pretensão reparatória em exame encontrar-se fundada, segundo os fundamentos deduzidos na petição inicial, na alegação de enriquecimento sem causa por parte dos demandados. O Tribunal de origem, por sua vez, reputou incidente à hipótese o prazo decenal, previsto no art. 205 do Código Civil, por se tratar de pretensão regressiva, a atrair o prazo prescricional residual de 10 (dez) anos, estabelecido no art. 205 do Código Civil. Tem-se, todavia, que nem o Juízo a quo nem o Tribunal de origem conferiram o tratamento correto à questão posta.2. A despeito da equivocada articulação dos fundamentos de direito gizados na petição inicial, ressai absolutamente claro, a partir dos fatos descritos, que a pretensão ressarcitória exarada pelo demandante encontra-se fundada, na verdade, na sub-rogação operada, em que o “terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte” (art. 346, III, do Código Civil), torna-se novo credor, transferindo-se-lhe “todos os direitos, ações, privilégios e garantia do primitivo [credor], contra o devedor principal e fiadores” (art. 349 do Código Civil).3. Uma vez efetivado o pagamento com sub-rogação, o sub-rogatário fica investido, em relação ao débito pago, de todos os direitos, ações, privilégios e garantias que o credor originário possuía. Logo, a prescrição da pretensão de ressarcimento rege-se pela natureza da obrigação originária, ou seja, do crédito sub-rogado, no caso, trabalhista. A sub-rogação não promove propriamente a extinção da obrigação, remanescendo o devedor originário incumbido de proceder a sua quitação, doravante, a credor diverso (o sub-rogatário). Em se tratando da mesma obrigação, portanto, não seria correto impor ao devedor originário prazos prescricionais diversos, como se cuidasse de pretensões advindas de vínculos obrigacionais distintos, do que efetivamente não se cuida.4. Na hipótese, levando-se em consideração que o débito sobre o qual se operou a sub-rogação ostenta a natureza trabalhista, a prescrição da pretensão ressarcitória deve observar o prazo bienal estabelecido no art. 7º, XXIX, da Constituição Federal e reiterado no art. 11 da Consolidação das Leis Trabalhistas, nestes termos: “A pretensão quanto a créditos resultantes das relações de trabalho prescreve em cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho”.4.1 O trabalhador (credor primitivo) tem o prazo de até 2 (dois) anos, contados da extinção do contrato de trabalho, para promover ação destinada a cobrar as correlatas verbas trabalhistas a que faz jus. Ajuizada a ação dentro de 2 (dois) anos, contados da extinção do contrato de trabalho, passa-se a analisar quais pretensões encontram-se dentro do prazo de 5 (cinco) anos contados retroativamente da data do ajuizamento. Caso não observado o prazo bienal, todas as pretensões de natureza condenatória estarão fulminadas pela prescrição; se observado o prazo bienal, somente as pretensões anteriores ao marco quinquenal (contados retroativamente do ajuizamento da ação) estarão prescritas. Ressai, claro, portanto, para o que importa à presente controvérsia, que o prazo prescricional da obrigação primitiva é o de 2 (dois) anos.5. Efetivada a sub-rogação do ex-sócio nos direitos do credor trabalhista, em razão do pagamento do débito trabalhista devido pela sociedade empresarial, permanecem todos os elementos da obrigação primitiva, inclusive o prazo prescricional (de dois anos), modificando-se tão somente o sujeito ativo (credor), e, também, por óbvio, o termo inicial do lapso prescricional, que, no caso, será a data do pagamento da dívida trabalhista.5.1 Adotando-se essa diretriz, inarredável a conclusão de que a subjacente pretensão ressarcitória está fulminada pela prescrição, já que o ajuizamento da presente ação deu-se apenas em 26⁄5⁄2015, quando já exaurido o prazo bienal (que rege a pretensão de cobrança de crédito trabalhista, próprio da obrigação originária), contado do pagamento da dívida (19⁄11⁄2011).6. Recurso especial provido.
Leia o acórdão no REsp 1.707.790.