STF dará palavra final sobre processo em que União foi condenada em quase R$ 1 bi com base em laudo imprestável

Atendendo pedido do Ministério Público Federal, Corte Especial do STJ determinou subida de recurso ao Supremo

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu um recurso do Ministério Público Federal (MPF), e outro da União, envolvendo ação judicial que tramita há mais de 50 anos e que, com base em laudo pericial reconhecidamente imprestável, resultou na condenação da União ao pagamento de indenização, em valores atuais, de quase R$ 1 bilhão. O caso teve origem na década de 1950, quando a União deixou de pagar o equivalente a 200 mil pinheiros a um grupo de famílias de Santa Catarina. Com a deliberação dessa quarta-feira (15), a Corte Superior entendeu que caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) dar a palavra definitiva sobre as particularidades do processo, por este envolver princípios constitucionais, como o da justa indenização, da moralidade e da razoabilidade.

Para o MPF, como a indenização milionária foi fixada com base em laudo pericial com erro grosseiro, deve haver a flexibilização da coisa julgada (ponto a partir do qual a decisão de mérito é imutável e indiscutível, não estando mais sujeita a recurso). Nesse sentido, devem prevalecer os princípios constitucionais que buscam não apenas favorecer os cidadãos, mas também proteger o erário contra o enriquecimento ilícito de particulares.

O pano de fundo do caso diz respeito a um processo no qual a União, como sucessora da Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional (SEIPN), foi condenada a entregar 300 mil pinheiros adultos. A decisão transitou em julgado. Comprovada a entrega de 100 mil árvores e verificada a impossibilidade das 200 mil restantes, a União foi condenada a indenizar os autores em montante correspondente ao valor dos pinheiros. Mas na fase de liquidação, por causa de uma perícia com erros grosseiros, chegou-se a um valor indenizatório completamente discrepante da realidade de mercado à época do laudo.

O MPF entrou com ação civil pública visando a declaração de nulidade da decisão ou, alternativamente, a relativização da coisa julgada. O caso foi parar no STJ, onde a Primeira Turma declarou ser inviável a anulação, uma vez que, “sendo hipótese de inexecução contratual, inexiste conflito aparente entre duas normas constitucionais, a possibilitar a excepcional relativização da coisa julgada, tal como ocorre nos casos de desapropriação”.

Na sequência, o MPF ingressou no STJ com recurso extraordinário, sustentando ofensa aos artigos 37, caput, e 182, parágrafo 3º, e 184, da Constituição. O objetivo é analisar a possibilidade de se relativizar a coisa julgada em matéria estranha à desapropriação, no intuito de afastar o pagamento de indenização milionária e completamente dissociada da realidade, por ter sido aferida com base em laudo reconhecidamente viciado. Com a decisão da Corte Especial, o recurso extraordinário foi admitido e seguirá para deliberação pelo STF.

Flexibilização da coisa julgada – A discussão gira em torno da possibilidade de utilização da ação civil pública como meio hábil para flexibilizar a coisa julgada envolvendo laudo pericial com erro grosseiro, o qual fundamentou decisão judicial em causa de natureza contratual, atribuindo ao erário o pagamento de expressivo valor de indenização. A peculiaridade do acórdão que deu origem ao recurso extraordinário reside no fato de que a questão se encontra acobertada por coisa soberanamente julgada, que decorre não apenas da ação originária indenizatória, mas também da ação rescisória apreciada no STJ.

A respeito do assunto – possibilidade de ação civil pública ser utilizada como instrumento adequado para afastar a coisa julgada –, o STF fixou a seguinte tese vinculante (Tema 858 da Sistemática da Repercussão Geral): “O trânsito em julgado de sentença condenatória proferida em sede de ação desapropriatória não obsta a propositura de Ação Civil Pública em defesa do patrimônio público, para discutir a dominialidade do bem expropriado, ainda que já se tenha expirado o prazo para a ação rescisória”.

O STF também firmou entendimento (Tema 660 da Sistemática da Repercussão Geral) no sentido de que não há repercussão geral quando a afronta aos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e dos limites da coisa julgada depende da prévia análise de normas infraconstitucionais.

A subprocuradora-geral da República Denise Vinci, que assina o recurso do MPF, refutou o fundamento da decisão da Primeira Turma do STJ. Segundo o órgão fracionário da Corte, seria impossível relativizar a coisa julgada por não se tratar de ação de desapropriação, não devendo aplicar o princípio da justa indenização – razão pela qual não haveria conflito entre os princípios constitucionais da segurança jurídica e o da justa indenização. “Não se pode conceber que, em nome da coisa julgada (informada pelo princípio da segurança jurídica), permita-se o pagamento de montante encontrado a partir de laudo pericial sabidamente viciado, propiciando o enriquecimento ilícito de particulares em detrimento da sociedade, uma vez que com dinheiro público” asseverou.

Prevaleceu no julgamento o entendimento sustentado pela ministra Maria Thereza de Assis Moura. Para ela, a solução da controvérsia impõe a ponderação dos princípios constitucionais da segurança jurídica (consubstanciado na observância da coisa julgada), da justa indenização, da razoabilidade e da moralidade, pois a causa está relacionada à defesa do patrimônio público e possui expressividade econômica suficiente para ocasionar danos ao erário.

Íntegra do Agravo Interno no Recurso Especial 1.468.224/PR

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