O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) declarou o cancelamento da outorga de concessão do direito de exploração de serviços de radiodifusão para a empresa Televisão Cachoeira do Sul LTDA, localizada na cidade de Cachoeira do Sul (RS). A 3ª Turma da corte entendeu, de forma unânime, que houve desvio de finalidade na exploração do serviço, pois a empresa não cumpriu o exigido pela legislação quanto à veiculação de programação de natureza informativa em sua grade. A decisão foi proferida em sessão de julgamento realizada no dia 4/6.
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública, em setembro de 2013, contra a União Federal, a Televisão Cachoeira do Sul LTDA e os seus sócios.
O órgão ministerial requisitou à Justiça Federal gaúcha que declarasse a nulidade do ato administrativo da União que havia renovado a concessão de outorga para a Televisão Cachoeira do Sul explorar serviços de radiofusão de sons e imagens. Também solicitou ao Judiciário a declaração de caducidade da concessão que havia sido outorgada à empresa, originalmente, por meio de Decreto em dezembro de 1980.
Ainda foi requerida a condenação solidária da Televisão Cachoeira do Sul e dos seus sócios ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 1.100.000,00 em favor dos cidadãos de Cachoeira do Sul, a ser destinado para projetos de entidades beneficentes e culturais no município.
O MPF alegou que o decreto que outorgou à empresa o direito de estabelecer uma estação de radiodifusão de sons e imagens estabeleceu diversas obrigações à concessionária, dentre elas não transferir, direta ou indiretamente, a concessão, sem prévia autorização do Governo Federal, reservar cinco horas semanais para veiculação de programas educacionais e veicular, no mínimo, 5% do horário de sua programação diária a programas informativos.
Segundo o autor da ação, foram apuradas por meio de inquérito civil, diversas irregularidades em relação à concessão, de forma que os sócios da TV Cachoeira do Sul LTDA teriam desvirtuado a finalidade original da outorga, transformando os serviços prestados pela concessionária em eminentemente comerciais, e assim, inexistindo interesse público para justificar a renovação da outorga.
O MPF acrescentou que uma fiscalização realizada pela ANATEL concluiu que a concessionária não cumpriu com as obrigações previstas no decreto de concessão, principalmente quanto à falta de conteúdo informativo e educativo, não respeitando o limite máximo de publicidade comercial estabelecido na Lei Federal 4.117/62, pois foi verificado que quase 100% de sua transmissão referia-se à publicidade comercial.
Ainda defendeu ser ilícita a venda da concessão praticada pela sociedade que havia recebido originariamente a outorga, porque envolveu alteração dos contratos sociais e transferências das ações sem autorização do Governo Federal.
Por fim, o MPF apontou que o desvio de finalidade da concessão, marcado pelo prejuízo do direito de informação à população em vista da ausência de veiculação de conteúdo informativo local na grade de programação, causou os danos morais coletivos.
O juízo da 1ª Vara Federal de Cachoeira do Sul, no entanto, julgou a ação civil pública improcedente, negando os pedidos formulados.
O órgão ministerial recorreu ao TRF4, pleiteando a reforma da sentença. A 3ª Turma do tribunal decidiu, por unanimidade, conceder parcial provimento à apelação cível para declarar o cancelamento da concessão outorgada por Decreto à Televisão Cachoeira do Sul LTDA.
A relatora do processo na corte, desembargadora federal Vânia Hack de Almeida, declarou que “decorre da finalidade informativa do serviço de radiodifusão – princípio expresso no art. 221, I, da Constituição Federal – a necessidade de que seja destinado um mínimo de 5% da grade de programação diária da detentora da outorga à transmissão de serviço noticioso, de acordo com a Lei 4.117/62”.
Ela seguiu destacando que “comprovou-se nos autos que, sob a denominação fantasia de ‘Shop Tour’, a titular da outorga destinou a totalidade de sua programação à veiculação de propaganda comercial de lojistas de estado da federação distinto daquele onde situada a estação geradora, privando, com isso, a comunidade da promoção e do acesso à informação local”.
Dessa forma, a magistrada ressaltou que “diante da prova coligida aos autos, comprovou-se o desvio de finalidade da exploração do serviço de radiodifusão, autorizando-se, com isso, a interveniência do Poder Judiciário para, com fundamento no artigo 223, §4º, da Constituição Federal, cancelar a outorga até então vigente”.
Sobre a suposta ilegalidade na venda da concessão, com alteração do contrato social, apontada pelo MPF, a relatora reforçou que “no caso dos autos demonstrou-se que, inobstante a alteração do contrato social tenha sido redigida em momento anterior à anuência do órgão concedente, seu registro perante a Junta Comercial – requisito para que seus efeitos sejam imputáveis a terceiros – ocorreu somente após a autorização dada pela autoridade pública competente, de onde se conclui pela ausência de ilegalidade no ato”.
Ao negar a indenização pelos danos morais, Vânia pontuou que “o dano moral coletivo tem lugar nas hipóteses onde exista um ato ilícito que, tomado individualmente, tem pouca relevância para cada pessoa; mas, frente à coletividade, assume proporções que afrontam o senso comum. Pela situação dos autos não se identifica ter sido suprimido o direito de promoção e de acesso à informação local pela comunidade afetada, haja vista que tal direito manteve-se protegido diante da existência de outros meios de comunicação social na localidade”.
O recurso ficou assim ementado:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCESSÃO DE RADIODIFUSÃO DE SONS E IMAGENS. CANCELAMENTO. PRESCRIÇÃO. TRANSFERÊNCIA INDIRETA. PRÉVIA ANUÊNCIA DO PODER CONCEDENTE VERIFICADA. ILEGALIDADE DA RENOVAÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE VIOLAÇÕES À FINALIDADE DA OUTORGA NO SEU PERÍODO INICIAL DE VIGÊNCIA. DESVIO DE FINALIDADE. SERVIÇO DE INTERESSE PÚBLICO. PODER JUDICIÁRIO. COMPETÊNCIA PARA CANCELAR A OUTORGA ANTES DO PRAZO DE VENCIMENTO. CARACTERIZAÇÃO DO DESCUMPRIMENTO DA FINALIDADE INFORMATIVA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO DANO.
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Os atos nulos, portadores de vícios insanáveis, podem ser invalidados a qualquer tempo, não correndo contra ele os efeitos da prescrição.
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“O ato administrativo de prorrogação do contrato de concessão estende seus efeitos no tempo, ou seja, suas consequências e resultados sucedem por toda sua duração, de maneira que seu término deve ser estabelecido como marco inicial da prescrição da Ação Civil Pública” (REsp 1238478/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/03/2012, DJe 12/04/2012).
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A transferência indireta da outorga de concessão para exploração do serviço de radiodifusão é tratada pelo art. 89, §2º, do Decreto 52.795/63, sendo autorizada mediante a prévia anuência do Poder Público concedente.
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No caso dos autos demonstrou-se que, inobstante a quarta alteração do contrato social tenha sido redigida em momento anterior à anuência do órgão concedente, seu registro perante a Junta Comercial – requisito para que seus efeitos sejam imputáveis a terceiros – ocorreu somente após a autorização dada pela autoridade pública competente, de onde se conclui pela ausência de ilegalidade no ato.
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A renovação da outorga da concessão do serviço de radiodifusão, que compete ao Poder Executivo mas submetivo à apreciação do Congresso Nacional tal como definido pelo art. 223, §1º, da Constituição Federal, sujeita-se à comprovação do atendimento aos princípios expressos nos arts. 221 e 222 da Carta de 1988, assim como às disposições legais incidentes.
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Na hipótese em apreço, as ilegalidades apontadas pelo órgão ministerial referem-se a período posterior à renovação, motivo pelo qual não poderão retroagir para o fim de se verificar o preenchimento dos pressupostos autorizadores da renovação questionada, reputando-a, assim, hígida, o que se reafirma pelo fato de ter observado o iter previsto na Lei Maior.
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Caracteriza-se a caducidade do ato administrativo como “a modalidade de encerramento da concessão, por ato do concedente, antes da conclusão do prazo inicialmente fixado, em razão de inadimplência do concessionário; isto é, por motivo de fato comissivo ou omissivo, doloso ou culposo, imputável ao concessionário e caracterizável como violação grave de suas obrigações” (Celso Antônio Bandeira de Mello).
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A Constituição Federal de 1988 foi a primeira, no ordenamento jurídico pátrio, a dar destaque ao termo “comunicação social”, reforçando a importância do tema ao Estado Democrático de Direito, recohecendo-se, em virtude disso, a existência de um direito humano à comunicação.
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A concessão para a exploração do serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens exige, a fim de proteger sua finalidade informativa, é dizer, seu interesse público, a participação dos Poderes da União, dependendo de decisão judicial o cancelamento da outorga antes de vencido seu prazo (art. 223, §4º, da CF), alterando-se, com isso, o panorama legal anterior à reabertura democrática, fazendo disso surgir a necessidade de que a interpretação da legislação pertinente à matéria seja realizada em conformidade ao propósito constitucional.
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Decorre da finalidade informativa do serviço de radiodifusão – princípio expresso no art. 221, I, da Constituição Federal – a necessidade de que seja destinado um mínimo de 5% da grade de programação diária da detentora da outorga à transmissão de serviço noticioso (art. 38, ‘h’, da Lei 4.117/62).
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Comprovou-se nos autos que, sob a denominação fantasia de “Shop Tour”, a titular da outorga destinou a totalidade de sua programação à veiculação de propaganda comercial de lojistas de estado da federação disinto daquele onde situada a estação geradora, valendo-se, assim, da mesma para dotar de legalidade o sinal gerado e posteriormente transmitido àquela localidade, privando, com isso, a comunidade local da promoção e do acesso à informação local.
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O contrato de parceria firmado entre a titular da outorga e fundação parceira a partir do qual esta assumiu a integralidade do conteúdo da programação veiculada caracterizou-se, no plano fático, como transferência direta da outorga em manifesta violação à necessidade de comunicação e de obtenção de prévia anuência do poder concedente.
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Diante da prova coligida aos autos, comprovou-se o desvio de finalidade da exploração do serviço de radiodifusão, autorizando-se, com isso, a interveniência do Poder Judiciário para, com fundamento no art. 223, §4º, da Constituição Federal, cancelar a outorgar até então vigente.
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O dano moral coletivo tem lugar nas hipóteses onde exista um ato ilícito que, tomado individualmente, tem pouca relevância para cada pessoa; mas, frente à coletividade, assume proporções que afrontam o senso comum.
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Pela situação descrita nos autos não se identifica ter sido, pelo desvio de finalidade identificado, suprimido o direito de promoção e de acesso à informação local pela comunidade afetada haja vista que tal direito manteve-se protegido diante da existência de outros meios de comunicação social na localidade.