A 4ª Turma do TRF 1ª Região manteve a prisão preventiva de uma mulher autuada em flagrante sob a suspeita de tráfico de drogas. O habeas corpus, com pedido de liminar, foi impetrado contra a decisão, do Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária de Uberaba/MG, que negou a revogação da decisão que decretou sua prisão preventiva.
Consta dos autos que a denunciada foi autuada em flagrante sob a suspeita de que estaria, juntamente com outros investigados, fazendo a escolta de veículo transportando 1.040,28 kg de maconha vinda do Paraguai, produto acondicionado em 40 sacos. Diante das provas, o magistrado de primeira instância converteu a prisão em flagrante em preventiva, considerando ser necessária a manutenção da prisão para a garantia da ordem pública e por conveniência da instrução penal.
Em resumo, a paciente alegou ausência dos pressupostos que autorizam a decretação da prisão preventiva e que não existiram indícios que, em liberdade, a acusada colocaria em risco os bens tutelados pelo artigo 312 do Código de Processo Penal. Ponderou a denunciada que não é perigosa e, mesmo que fosse, esse fato não seria motivo para sua prisão. Afirmou que é mãe de uma criança de nove anos de idade e que, sendo assim, caso se indefira o pedido de liberdade, ao menos que seja mantida em prisão domiciliar.
O relator, desembargador federal Néviton Guedes, ao analisar a questão, explicou que nos autos ficou comprovada a culpabilidade da mulher e, sendo assim, “os delitos imputados à paciente têm pena superior a 4 (quatro) anos, atendendo à exigência do artigo 313, I, do CPP”, e que “há elementos de materialidade e indícios de autoria”.
Quanto ao pedido de substituição de prisão preventiva em domiciliar, o magistrado destacou que tal pretensão não merece ser acolhida, principalmente pelo fato de envolver grande quantidade de entorpecentes e constar em desfavor da acusada registros criminais consideráveis relativos a delitos do mesmo tipo (tráfico de drogas e associação para o tráfico), além de haver contra ela ordem de prisão, emanada do Juízo da Comarca de Presidente Epitácio-SP, também pelo crime previsto no artigo 33, da Lei nº 11.343/2006, pendente de cumprimento. E que, sendo assim, a manutenção da prisão se faz necessária para manter-se a ordem pública e evitar-se a reiteração delitiva.
Segundo o desembargador federal, o art. 318 do Código de Processo Penal permite ao juiz a substituição da prisão cautelar pela domiciliar quando o agente for \”mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos\”, mas que, no caso nos autos, o indeferimento da substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar teve por fundamento principal o fato de pesar contra a acusada registros criminais relativos aos mesmos delitos. Desse modo, “tudo indica que a prisão domiciliar não teria eficácia no caso presente”.
Por fim, concluiu o relator que “cabe consignar que a autoridade impetrada, em suas informações, reporta que em 21/3/2019 foi oferecida denúncia, imputando-se à paciente, dentre outros, a prática das condutas descritas nos arts. 33 e 35 c/c 40, incisos I e V, da Lei nº 11.343/2006 na forma do art. 69 do Código Penal e que à data em que prestadas as informações (3/5/2019) o feito encontrava-se com interrogatório de corréus agendado para ocorrer em 13/5/2019”.
Nesses termos, conforme decidido em sede de liminar, o Colegiado denegou a ordem de habeas corpus acompanhando o voto do relator.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS (ARTIGO 33 C/C ARTIGO 40, AMBOS DA LEI 11.343/2006). INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RISCO DE REITERAÇÃO. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DO CÁRCERE. INSUFICIÊNCIA. PRISAO DOMICILIAR. DESCABIMENTO. ORDEM DENEGADA.
1. Busca-se, com o presente Habeas Corpus, a expedição de alvará de soltura em favor da paciente, pugnando-se, em caráter subsidiário, pela substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar, com base no artigo 318, V, do CPP (mãe de filho menor de 12 anos).
2. Consta do auto de prisão em flagrante que a paciente, juntamente com outros investigados, foi surpreendida quando, supostamente, fazia a escolta de um veículo carregado de entorpecente (maconha).
3. Em seu depoimento, o condutor do veículo no qual apreendida a droga, admitiu ter aceitado proposta que lhe teria sido feita por pessoa desconhecida para fazer o transporte de uma grande quantidade de drogas, mediante o recebimento de R$ 15.000,00. Declarou ainda que recebeu o veículo carregado de droga na cidade Maracaju/MS e deveria levá-la até o Estado de São Paulo, não sabendo precisar a cidade. Esclareceu que no caminho recebia ligações de um batedor que lhe passava a rota a ser seguida e que só tomou conhecimento de quem seriam as pessoas que estavam fazendo o serviço de batedor depois que foi preso.
4. Outro coinvestigado que estava no veículo Honda Civic juntamente com a paciente embora tenha negado conhecimento ou envolvimento no crime, declarou que, durante a viagem, ouviu a paciente falando ao celular e que ela, ao telefone, dizia pode vir, está tudo certo.
5. A paciente, por sua vez, negou qualquer envolvimento no crime e disse que, durante a viagem, teria falado ao telefone apenas com sua família, tendo ainda informado que está sendo processada por tráfico de drogas no estado de São Paulo e que chegou a cumprir três anos de prisão, mas a sentença foi anulada.
6. A efetiva apreensão da droga e o depoimento em sede policial do condutor do veículo que a transportava admitindo a prática delitiva revelam a higidez e pertinência da informação inicialmente obtida pela inteligência da Polícia Federal, que logrou identificar como possíveis envolvidos no transporte da droga os veículos Civic, Toyota corolla e HB20, sendo aquele primeiro veículo (Civic) ocupado pela paciente e outros dois coinvestigados.
7. Constatada a presença dos investigados no local e no momento em que concretizada a prática delituosa, evidentemente, não se mostra possível em sede de Habeas Corpus discutir a existência ou não de prova suficiente a demonstrar a presença de dolo ou consciência quanto aos elementos do fato típico, matéria de mérito a ser esclarecida após a instrução probatória.
8. Na hipótese, o decreto prisional, como também a decisão que o manteve, encontra-se devidamente fundamentado em dados concretos extraídos dos autos, tendo se levado em consideração não apenas a gravidade do delito (envolvendo o transporte de grande quantidade de entorpecente 1.024 kg de maconha), mas, principalmente, o fato de constar em desfavor da paciente registros criminais consideráveis, relativos a delitos do mesmo tipo (tráfico de drogas e associação para o tráfico), além de possuir contra si ordem de prisão, emanada pelo Juízo da Comarca de Presidente Epitácio-SP, também pela prática dos delitos de tráfico de drogas e associação para o tráfico, pendente de cumprimento.
9. A prisão preventiva da paciente está suficientemente fundamentada na necessidade de garantia da ordem pública, notadamente para se evitar a reiteração delitiva.
10. Também não merece acolhimento o pedido, formulado em caráter subsidiário, de substituição da prisão preventiva da paciente pela custódia domiciliar, nos termos do artigo 318 do CPP que permite ao juiz a substituição da prisão cautelar pela domiciliar quando o agente for “mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos”.
11. Em 20/2/2018, nos autos do HC 143.641/SP (Relator Ministro Ricardo Lewandowski), a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus coletivo para “determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar – sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP – de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei n. 13.146/2015), relacionadas neste processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício”.
12. A decisão do STF e a norma estabelecida no artigo 318 do CPP não significam, nem poderiam significar, uma espécie de salvo-conduto absoluto à mulher gestante ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, de modo a impor ao magistrado, não importando a recalcitrância permanente na prática de crimes, o dever de colocar em prisão domiciliar quem, aberta e ilegitimamente, apenas por ser genitora de criança impúbere, sente-se no direito de voltar a delinquir reiteradas vezes, tantas quanto forem as oportunidades em que não seja recolhida à prisão.
13. Tal interpretação conduziria a uma conclusão absurda, no sentido de que, excepcionados os casos previstos na própria lei, a paciente poderia continuar a delinquir indefinidamente, sem que a autoridade judicial pudesse impor-lhe o encarceramento, especialmente, quando, à toda evidência, como no caso presente, a prisão domiciliar não parece se mostrar suficiente para cessar a prática criminosa.
14. Por isso mesmo, o Supremo Tribunal Federal abre-se a situações excepcionalíssimas, à semelhança do caso concreto, em que, evidentemente, a prisão domiciliar não parece ter o efeito necessário de também proteger a sociedade.
15. No caso, de fato, o indeferimento da substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar teve por fundamento principal o fato de pesar contra a paciente, segundo a autoridade impetrada, “registros criminais consideráveis, relativos a delitos do mesmo tipo penal (tráfico de drogas e associação para o tráfico)”, tendo sido destacado o fato de haver contra ela ordem de prisão emanada pelo Juízo da Comarca de Presidente Epitácio/SP (também pelo crime de tráfico), a indicar que a paciente, não obstante já processada por crime de mesma natureza, insiste, de forma contumaz, na prática delitiva, configurando, situação excepcionalíssima apta a justificar a negativa de concessão da prisão domiciliar. De fato, no caso presente, a prisão domiciliar não teria eficácia.
16. De outro lado, sendo dever da parte impetrante trazer todos os documentos necessários ao esclarecimento dos fatos, no caso presente, a inicial da impetração não fez qualquer referência nem prestou qualquer explicação quanto aos “registros criminais consideráveis” referidos na decisão impugnada, não tendo, portanto, se desincumbido do seu dever de demonstrar que a prática pela paciente desses outros delitos não obstaria sua colocação em prisão domiciliar.
17. Cabe destacar que, por ser ação constitucional de natureza mandamental, o Habeas Corpus tem como escopo precípuo afastar eventual ameaça ao direito de ir e vir, cuja natureza urgente exige prova pré-constituída das alegações, cabendo à parte impetrante apresentar elementos documentais suficientes para se permitir a aferição da alegada existência de constrangimento ilegal no ato atacado na impetração, o que, no caso, não ficou demonstrado.
18. Ordem de Habeas Corpus denegada, confirmando o que decidido em sede liminar.
Processo: 1012762-02.2019.4.01.0000