A 5ª Câmara Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em matéria sob a relatoria do desembargador Túlio Pinheiro, deu provimento ao apelo de produtor rural para reconhecer a inexigibilidade de dívidas por ele contraídas junto à instituição bancária para investimentos no cultivo e produção de camarão, em Laguna, no sul do Estado.
Ele defendeu a nulidade das duas cédulas de crédito rural, com os respectivos aditivos, por ausência de assistência técnica e contratação de seguro rural obrigatório que deveria ter sido firmado pelo banco. Só convenceu os julgadores, contudo, ao comprovar que a produção foi acometida pelo vírus popularmente conhecido por “mancha branca”, o que gerou a perda total de sua safra e um prejuízo calculado de R$ 182 mil.
O fato foi enquadrado como causa de força maior, cujo reconhecimento resulta na extinção da dívida, amparado tanto na legislação quanto na jurisprudência. O vírus da mancha branca, segundo expertos na matéria, é de impossível erradicação. Sorte melhor não teve, entretanto, quando buscou indenização por danos morais e materiais junto ao banco que lhe concedeu os créditos.
Os danos morais foram solicitados pela inclusão de seu nome nos órgãos de restrição ao crédito, logo após constatada a inadimplência nas cédulas rurais. Ocorre, segundo os autos, que o produtor já frequentava o serviço de proteção ao crédito antes desse episódio e por outras dívidas. Os danos materiais requeridos cobravam o prejuízo com a safra, na ordem de R$ 182 mil.
“Inexiste qualquer nexo causal entre a conduta do banco, consistente em subsidiar o cultivo de camarão e o prejuízo material alegado. Afinal, a carcinicultura, in casu, restou encerrada na propriedade do requerente por motivo de força maior, e não por culpa da instituição financeira”, explicou o desembargador Túlio. A decisão foi unânime
O recurso ficou assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO, COM PEDIDOS DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E DE TUTELA ANTECIPADA. CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL HIPOTECÁRIAS FIRMADAS POR CARCINICULTOR. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
RECLAMO DO AUTOR.
EXAME DE ADMISSIBILIDADE.
PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA E DE NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ANÁLISE DESNECESSÁRIA TENDO EM VISTA QUE, CONFORME SE VERÁ ADIANTE, O MÉRITO DO PRESENTE RECLAMO, COM RELAÇÃO À INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA EM DEBATE, SERÁ DECIDIDO EM FAVOR DO RECORRENTE. NÃO CONHECIMENTO DO RECLAMO NO PONTO.
MÉRITO.
SUSTENTADA NULIDADE DAS CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL E DE SEUS ADITIVOS, DIANTE DA AUSÊNCIA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E DE CONTRATAÇÃO DE SEGURO RURAL OBRIGATÓRIO. ARGUMENTAÇÃO QUE NÃO MERECE GUARIDA. EVENTUAIS OMISSÕES QUE NÃO SERIAM, POR SI SÓS, CAPAZES DE TORNAR INEXIGÍVEL A DÍVIDA CONTRAÍDA, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA PARTE AUTORA. RECLAMO DESPROVIDO.
PRETENDIDA REFORMA DO DECISUM, PARA FINS DE SE DECLARAR INEXIGÍVEL A DÍVIDA REPRESENTADA NAS CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL E NOS SEUS RESPECTIVOS ADITIVOS. ACOLHIMENTO. OCORRÊNCIA DE FORÇA MAIOR COMPROVADA NOS AUTOS. ATIVIDADE DE CULTIVO DE CAMARÃO ACOMETIDA POR VÍRUS DENOMINADO “MANCHA BRANCA”, O QUAL SE AFIGURA DE IMPOSSÍVEL ERRADICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA DE CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO PELO REQUERENTE QUE RESULTA NA INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA, INCLUSIVE COM RELAÇÃO A COOBRIGADOS NÃO DEMANDANTES, DADO O CARÁTER SUBSIDIÁRIO DA OBRIGAÇÃO QUE ASSUMIRAM, VINCULADA À EXISTÊNCIA DA PRINCIPAL. SENTENÇA REFORMADA NO PONTO. TESE RECURSAL REMANESCENTE, CONSISTENTE NA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA, PREJUDICADA.
POSTULADA CONDENAÇÃO DA CASA BANCÁRIA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, EM RAZÃO DA INSCRIÇÃO DO NOME DO RECORRENTE EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. TESE NÃO ACOLHIDA. HIPÓTESE EM QUE RESTOU INCONTROVERSO NOS AUTOS QUE O DEMANDANTE ENCONTRAVA-SE INADIMPLENTE POR OCASIÃO DA NEGATIVAÇÃO. INSCRIÇÃO DO SEU NOME EM ROL DE INADIMPLENTES QUE, NESSE CENÁRIO, REPRESENTOU EXERCÍCIO DO DIREITO DE COBRANÇA DO BANCO CREDOR. AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. RECONHECIMENTO DA INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO, ADEMAIS, QUE OCORREU POSTERIORMENTE, APENAS COM O RESULTADO DESTE JULGAMENTO. CIRCUNSTÂNCIA QUE, À TODA EVIDÊNCIA, NÃO TORNA ILÍCITA A NEGATIVAÇÃO, MAS APENAS A MANUTENÇÃO DO REGISTRO DESABONADOR, FATO, PORÉM, NÃO DEBATIDO NOS AUTOS. APELO DESPROVIDO.
REQUERIDA CONDENAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, NO VALOR DE R$ 182.400,00 (CENTO E OITENTA E DOIS MIL E QUATROCENTOS REAIS). QUANTIA REFERENTE À PERDA DA SAFRA EM RAZÃO DO VÍRUS DENOMINADO “MANCHA BRANCA”. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A CONDUTA DO BANCO, CONSISTENTE EM SUBSIDIAR O CULTIVO DO CAMARÃO, E O PREJUÍZO MATERIAL ALEGADO. CARCINICULTURA QUE, IN CASU, RESTOU ENCERRADA NA PROPRIEDADE DO AUTOR POR MOTIVO DE FORÇA MAIOR, E NÃO POR CULPA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. AUSÊNCIA, NESTE CENÁRIO, DO DEVER DE INDENIZAR. IRRESIGNAÇÃO NÃO PROVIDA.
RECURSO CONHECIDO, EM PARTE, E PROVIDO PARCIALMENTE.
SUCUMBÊNCIA. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS PARA ADAPTAR-SE AO DESFECHO DO JULGADO. REPARTIÇÃO QUE SE OPERA DE MODO RECÍPROCO, NA PROPORÇÃO DE 30% (TRINTA POR CENTO) DO ÔNUS À CASA BANCÁRIA RÉ E 70% (SETENTA POR CENTO) PARA A PARTE AUTORA.
NECESSIDADE DE FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS.
SENTENÇA PUBLICADA APÓS A ENTRADA EM VIGOR DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. IMPOSIÇÃO DO ART. 85, §§ 1º E 11, DA NORMA PROCESSUAL. SUCUMBÊNCIA RECURSAL DO BANCO DEMANDADO. CONDENAÇÃO DESTE A PAGAR AOS ADVOGADOS DA PARTE AUTORA O VALOR DE R$ 500,00 (QUINHENTOS REAIS) PELA ATUAÇÃO NESTE GRAU DE JURISDIÇÃO.
Apelação Cível n. 0003671-19.2010.8.24.0040