Não é possível desclassificar crime de estupro de menor de 14 anos para importunação sexual

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o recurso de um condenado por estupro de vulnerável que pretendia a desclassificação do crime para importunação sexual. Segundo o colegiado, a jurisprudência do tribunal não admite essa desclassificação quando a vítima é menor de 14 anos.

No recurso, o condenado citou as mudanças promovidas no Código Penal com a Lei 13.718/2018, incluindo a tipificação do crime de importunação sexual, com pena mais branda que o de estupro. Ele defendeu a aplicação da regra do artigo 215-A no seu caso, já que a conduta criminosa descrita foi tocar parte íntima de seu neto sobre a roupa.

Para o recorrente, a rapidez no toque e o fato de ter sido um contato único não permitiriam o enquadramento da conduta como estupro de vulnerável, nos moldes do artigo 217-A do Código Penal. Na época dos fatos, a vítima tinha seis anos de idade.

O relator do caso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, disse que o assunto merece reflexão, já que, em princípio, não há impedimento à desclassificação do crime, e a gradação da punição parece razoável.

“Não é recomendável que as condutas de conjunção carnal, sexo oral e sexo anal possuam o mesmo tratamento jurídico-penal que se dá ao beijo lascivo, sob pena de verdadeira afronta à proporcionalidade”, comentou o relator.

Todavia, o ministro destacou que a jurisprudência de ambas as turmas de direito penal do STJ entende que a desclassificação não é possível nos casos de vítima menor de 14 anos, em razão da presunção de violência.

Tipificação extrema

Reynaldo Soares da Fonseca disse que o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, em 2018, julgamento que definirá se é possível desclassificar a conduta do artigo 217-A para a do artigo 215-A.

O relator citou trechos do voto-vista do ministro Luís Roberto Barroso pela possibilidade de desclassificação, tendo em vista que, antes das alterações promovidas pela Lei 13.718/2018, a tipificação do crime sexual se situava entre dois extremos: a pena exacerbada do crime de estupro ou a sanção muito branda da contravenção penal.

O ministro do STF destacou que a doutrina sempre criticou a ausência de uma diferenciação precisa na lei das diversas modalidades de ato libidinoso, o que reforça a necessidade de o julgador procurar distinguir condutas mais graves e invasivas das menos reprováveis, preservando a razoabilidade da punição.

“Nesse encadeamento de ideias, ressalvo meu ponto de vista quanto à possibilidade de desclassificação do tipo penal do artigo 217-A para o do artigo 215-A, ambos do Código Penal, porém mantenho o entendimento de ambas as turmas penais do Superior Tribunal de Justiça, no sentido da impossibilidade de desclassificação, quando se tratar de vítima menor de 14 anos”, concluiu Reynaldo Soares da Fonseca ao negar provimento ao recurso.

O recurso ficou com a sua última decisão assim ementada:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. 1. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. PEDIDO DE APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. PROCESSO SOB A JURISDIÇÃO DO STJ NO MOMENTO DA EDIÇÃO DA LEI. 2. APLICAÇÃO DA LEI N. 13.718⁄2018. DESCLASSIFICAÇÃO DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL PARA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 3. ENTENDIMENTO QUE MERECE MELHOR REFLEXÃO. TIPOS PENAIS QUE NÃO DESCREVEM AMEAÇA NEM VIOLÊNCIA. TIPO DO ART. 217-A DO CP QUE TRATA DA INCAPACIDADE PARA CONSENTIR. POSSIBILIDADE DE NÃO HAVER EXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. INEXISTÊNCIA, A MEU VER, DE ÓBICE À DESCLASSIFICAÇÃO. 4. ENTENDIMENTO DO STF AINDA NÃO FIRMADO. HC 134.591⁄SP PENDENTE DE CONCLUSÃO DE JULGAMENTO. 5. RESSALVA DE PONTO DE VISTA. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ SOBRE O TEMA. 6. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Cuidando-se de lei nova, editada quando o processo já se encontrava sob a jurisdição do Superior Tribunal de Justiça, cabe, de fato, a esta Corte analisar eventual aplicação da novatio legis in mellius. Precedentes.

2. Tem prevalecido no Superior Tribunal de Justiça a impossibilidade de desclassificação para o crime de importunação sexual, concluindo-se ser “inaplicável o art. 215-A do CP para a hipótese fática de ato libidinoso diverso de conjunção carnal praticado com menor de 14 anos, pois tal fato se amolda ao tipo penal do art. 217-A do CP, devendo ser observado o princípio da especialidade” (AgRg nos EDcl no AREsp n. 1225717⁄RS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 21⁄2⁄2019, DJe 6⁄3⁄2019, grifei).

3. A meu ver, referido entendimento merece uma melhor reflexão. De fato, no que concerne à possibilidade de desclassificação do crime do art. 217-A para o do art. 215-A, ambos do Código Penal, registro, de início, que o estupro de vulnerável não traz em sua descrição qualquer tipo de ameaça ou violência, ainda que presumida, mas apenas a presunção de que o menor de 14 anos não tem capacidade para consentir com o ato sexual. Dessa forma, tenho dificuldades em identificar, de pronto, óbice à possibilidade de desclassificação, porquanto é possível que o caso concreto, pela ausência de expressiva lesão ao bem jurídico tutelado, não demande a gravosa punição trazida no art. 217-A do Código Penal. Com efeito, não é recomendável que as condutas de conjunção carnal, sexo oral e sexo anal possuam o mesmo tratamento jurídico-penal que se dá ao beijo lascivo, sob pena de verdadeira afronta à proporcionalidade.

4. O Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento do Habeas Corpus n. 134.591⁄SP, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio, no qual o Ministro Luís Roberto Barroso, em voto-vista, se manifestou no sentido da possibilidade de se desclassificar a conduta do art. 217-A para a do art. 215-A, ambos do Código Penal. Consignou que o problema real é que na prática como o tipo do art. do 217-A não distingue condutas mais ou menos invasivas, com frequência, como aconteceu aqui, os juízes desclassificavam. Portanto, o meio caminho talvez seja uma solução melhor que um dos dois extremos. Além do que, com todo respeito, acho que um réu primário de bons antecedentes que deu um beijo lascivo numa criança, gravíssimo, não merece oito anos de cadeia, que é uma pena superior a um homicídio.

5. Nesse encadeamento de ideias, ressalvo meu ponto de vista quanto à possibilidade de desclassificação do tipo penal do art. 217-A para o do art. 215-A, ambos do Código Penal, porém mantenho o entendimento de ambas as Turmas do Superior Tribunal de Justiça, no sentido da impossibilidade de desclassificação, quando se tratar de vítima menor de 14 anos, em razão do argumento central de  presunção de violência.

6. Agravo regimental a que se nega provimento.  Ressalva da posição pessoal do Relator.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1684167

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