A 9ª Vara Federal de Porto Alegre (RS) fixou prazos para o procedimento administrativo de demarcação e delimitação da área destinada ao quilombo Cantão das Lombas, situada em Viamão. A sentença, publicada no dia 13/6, é da juíza Clarides Rahmeier.
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação contra o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) buscando obrigá-lo a dar andamento ao processo administrativo, instaurado em 2005 e não finalizado até hoje. Relatou que o Incra demorou mais de dez anos para apresentar o relatório antropológico e não há qualquer perspectiva para a conclusão da próxima etapa, que se refere ao levantamento fundiário.
Em sua defesa, o instituto afirmou que não haveria fundamento legal para fixar prazos para que o Poder Executivo finalize as etapas do procedimento de demarcação em função da complexidade da matéria e da possibilidade de intercorrências imprevisíveis. Sustentou não haver previsão orçamentária específica para atender ao enorme número de territórios a serem regularizados no Rio Grande do Sul.
Ao analisar o conjunto probatório anexado nos autos, a juíza federal substituta Clarides Rahmeier pontuou “que o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas é de extrema complexidade, envolvendo a manifestação de órgãos diversos e a realização de diligências, que conduzem a concessão não só de prazos legais para tais manifestações, mas também prazos razoáveis e consentâneos para a perfectibilização das diligências”.
A magistrada afirmou que, apesar de se reconhecer as dificuldades técnicas, físicas, funcionais ou materiais da autarquia, estas circunstâncias “não podem ser suscitadas para justificar a violação a um mandamento fundamental, sobretudo diante da incidência ao caso do princípio da razoável duração do processo, inclusive administrativo (art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88), bem como do dever de decisão da Administração Pública em processos desta natureza”. Ela concluiu que, diante de todo esse tempo, ocorreu vício de inconstitucionalidade por omissão, o que possibilita a atuação do Poder Judiciário.
Clarides julgou parcialmente procedente a ação fixando os prazos para a execução das diligências necessárias e conclusão dos trabalhos. Cabe recurso ao TRF4.
Confira os prazos estipulados na sentença:
a) seis meses para concluir a elaboração e publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID),
b) 90 dias para notificar os ocupantes e confinantes identificados na terra pleiteada;
c) 270 dias para o Comitê de Decisão Regional receber e concluir a análise de eventuais contestações;
d) 180 dias notificar os interessados do julgamento das contestações pelo Comitê de Decisão Regional e concluir o julgamento dos eventuais recursos interpostos;
e) 90 dias para concluir a análise da situação fundiária, caso haja incidência em unidade de conservação constituída, área de segurança nacional, faixa de fronteira ou terra indígena;
f) 30 dias para publicar a portaria reconhecendo e declarando os limites da terra quilombola;
g) 90 dias para adotar medidas cabíveis visando à retomada da área, em caso de terras reconhecidas e declaradas de posse particular sobre área de domínio da União;
h) 30 dias para encaminhar os autos aos órgãos responsáveis pela titulação no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul e do município de Gravataí, se as terras reconhecidas e declaradas incidirem sobre áreas de propriedade de tais entes federados;
i) 90 dias para concluir o estudo sobre a autenticidade e legitimidade dos títulos de propriedade particular que eventualmente incidam sobre o território, mediante levantamento da cadeia dominial do imóvel até a sua origem, e dispense a fase de desapropriação e indenização de benfeitorias de boa-fé em caso de particulares não-quilombolas que não possuam legítimo título de domínio e que não preencham os requisitos da Instrução Normativa n.º 73/2012, promovendo a desintrusão, na qual se dá a notificação e retirada dos ocupantes não quilobolas;
j) 90 dias, caso incida o território reconhecido em imóvel com título de domínio particular válido e eficaz, encaminhe à Casa Civil da Presidência da República pedido de edição de Decreto de declaração da área prevista na Portaria como de interesse social para fins de desapropriação.
Ocorreu a remessa ao TRF4, e o mesmo ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DE DEMARCAÇÃO E TITULAÇÃO DE TERRA OCUPADA POR REMANESCENTES DE COMUNIDADE QUILOMBOLA. INCRA. MORA ESTATAL EXCESSIVA E INJUSTIFICADA PARA CONCLUSÃO. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INOCORRÊNCIA. CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL. INAPLICABILIDADE.
I. A propriedade definitiva das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades de quilombolas que estejam ocupando suas terras é garantia fundamental reconhecida na previsão do art. 68 do ADCT, sobressaindo a ressalva de que o Estado deve emitir-lhes os títulos respectivos.
II. O Decreto nº 4.887/2003 traz os procedimentos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas e transferiu ao INCRA a competência para a efetivação das etapas previstas, que totalizam 21, nos termos da IN INCRA nº 57/2009.
III. O processo relativo ao reconhecimento de área quilombola deve ser concluído em prazo razóavel, não se admitindo que questões como o acúmulo de processos administrativos, complexidade do pedido, carência de pessoal ou ausência de disponibilidade financeira justifiquem a excessiva demora para a sua finalização.
IV. Tratando-se de direitos fundamentais atingidos pela falta ou deficiência da prestação de serviço, sobressai a possibilidade de controle judicial da atuação do Estado e de determinação de prazo razoável para a conclusão do procedimento administrativo, sem caracterizar indevida ingerência no seu poder discricionário e violação ao princípio da separação dos poderes.
V. Não restando evidenciada intromissão indevida do Poder Judiciário em políticas públicas cuja execução depende da discricionariedade do administrador ao direcionar recursos orçamentários, tem-se como inaplicável ao caso considerações a respeito do princípio da “reserva do possível”.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5014121-43.2017.4.04.7100