Doença decorreu da aspiração de amianto no trabalho.
A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho aumentou para R$ 600 mil a condenação da Eternit S.A. por danos morais e materiais, em razão da morte de ex-empregado, 37 anos após o fim do contrato de trabalho. De acordo com laudo pericial, o óbito se deu em decorrência de câncer causado pela exposição ao amianto.
Entenda o caso
O ex-empregado trabalhou para a Eternit S.A. de 27/2/1974 a 27/1/1975, na função de ajudante na cura de tubos, na fábrica em Osasco-SP. Em 16/6/2010, descobriu ter o tumor maligno degenerativo “mesotelioma bifásico” e, em 12/3/2012, faleceu, por causa dele, mais de 37 anos após o fim do contrato.
No processo, o espólio pediu a reparação dos danos materiais e morais sofridos a partir do momento em que o ex-empregado descobriu ter o tumor maligno degenerativo. Alegou conduta dolosa da empresa, que teria exposto o ajudante de forma contínua à poeira de mineral notoriamente cancerígeno, o “amianto” ou “asbesto”.
No local de trabalho, a fabricação de tubos com a referida matéria-prima fazia com que a poeira do amianto fosse gerada, expondo o reclamante e os demais empregados ao material danoso, sem nenhum equipamento de proteção fornecido pela reclamada.
Ao julgar o pedido, o juízo da 2ª Vara do Trabalho de Osasco (SP) condenou a Eternit ao pagamento de indenização por dano moral de R$ 180 mil, mais pensão mensal equivalente à última prestação previdenciária recebida pelo empregado.
Majoração
Por sua vez, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região aumentou a quantia fixada a título de danos morais para R$ 400 mil. Da decisão, contudo, as duas partes recorreram para o TST.
Na Segunda Turma do TST, a relatora, ministra Maria Helena Mallmann, entendeu ser insuficiente a condenação, ao relembrar que o TRT considerou não existir controvérsia quanto ao nexo causal entre a doença do ex-empregado (mesotelioma maligno bifásico) e a exposição ao amianto durante as atividades na empresa. “O fim precípuo da indenização por dano moral não é de apenas compensar o sofrimento da vítima, mas, também, de punir, de forma pedagógica, o infrator, desestimulando a reiteração de práticas consideradas abusivas”, afirmou.
Por unanimidade, a Segunda Turma concluiu que o valor arbitrado pelo TRT não atendeu ao critério pedagógico, uma vez que não foi considerado o porte econômico da reclamada, e o referido valor não inibe outras situações similares, notadamente a consequência fatídica da perda de um ente familiar em virtude da sua exposição a substância altamente cancerígena durante a realização das atividades do trabalho. Desse modo, majorou a indenização por danos morais para R$ 600 mil, sendo R$ 300 mil para o espólio e R$ 300 mil para os herdeiros.
O recurso ficou assim ementado:
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA LEI N.º13.015/2014.
PRESCRIÇÃO. DOENÇA OCUPACIONAL. MARCO INICIAL. DANO MORAL DIRETO E EM RICOCHETE. A discussão dos autos diz respeito à prescrição do direito de ações, ajuizadas pelo espólio e pelos sucessores da vítima, reunidas pelo juízo, nas quais pretendem indenização por danos morais e materiais pelo falecimento de ex-empregado causado por mesotelioma bifásico, doença ocupacional decorrente do contato com amianto. Em se tratando de acidente de trabalho ou doença ocupacional, o marco temporal para a contagem do prazo prescricional tem início a partir do momento em que o empregado tem ciência inequívoca da incapacidade laborativa, ou seja, da consolidação das lesões que impliquem tal incapacidade, e não simplesmente da data do acidente, nem mesmo do afastamento para tratamento ou do conhecimento de determinada doença. Isso porque não se poderia exigir da vítima o ajuizamento da ação quando ainda há dúvidas da extensão dos danos sofridos. É a teoria da actio nata , consagrada no direito brasileiro, corroborada pela Súmula 278 do STJ. A doença debatida nestes autos (mesotelioma maligno bifásico) decorre do agente etiológico amianto, cujo prazo de latência é extremamente extenso, podendo chegar a até 30 anos, consoante amplamente divulgado em doutrina médica especializada. Precedentes. Além disso, a ação ajuizada pelos herdeiros do de cujus funda-se em ato ilícito de natureza extracontratual ou aquiliana, prevista no art. 186 do Código Civil e pretende a reparação por dano moral de forma reflexa ou em ricochete, que tem como actio nata do prazo trienal, previsto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil, a data do óbito do empregado. No caso, consta do acórdão regional que, apesar de o diagnóstico da doença ter ocorrido em 16/06/2010, o pedido se refere à reparação de danos experimentados durante o desenvolvimento da moléstia, que se prolongou desde o seu diagnóstico até a data do óbito do ex-empregado (12/03/2012), bem como os decorrentes do próprio óbito, sendo esse o marco inicial da contagem da prescrição bienal. Nesse contexto, a decisão regional, que o fixou o marco inicial para a contagem da prescrição a data da morte do ex-empregado, em detrimento da data do diagnóstico da doença, está em consonância com o posicionamento adotado por esta Corte. Incidência da Súmula 333 do TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
TRANSAÇÃO VÁLIDA PARA REPARAÇÃO DE DANOS. ATO JURÍDICO PERFEITO. BIS IN IDEM . A eventual condenação na presente ação pode configurar enriquecimento ilícito se restar evidente que o objeto da transação firmada com o de cujus abarca os direitos ora postulados. Infere-se do acórdão regional que o entendimento majoritário na Corte a quo foi no sentido de que a transação válida não impediu o ajuizamento da presente ação. Todavia, não houve pronunciamento acerca do que foi acordado no Termo de Ajustamento de Conduta, o que impede a análise da identidade de objeto e da alegação de condenação bis in idem , por ausência deprequestionamento, nos termos da Súmula297 do TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
DOENÇA OCUPACIONAL. MESOTELIOMA MALIGNO BIFÁSICO. EXPOSIÇÃO A AMIANTO. Consta do acórdão regional que o de cujus ficava exposto a poeira de amianto e cimento durante o seu contrato de trabalho, vigente no período de 27/02/1974 a 27/01/1975 e que em 16/06/2010 foi diagnosticado com doença maligna no pulmão, que o levou a óbito em 12/03/2012. O TRT consignou que o exame pericial concluiu pelo nexo causal entre a moléstia profissional e as atividades realizadas no estabelecimento da reclamada, destacando ser incontroverso que o asbesto causa a doença adquirida pelo ex-empregado. Por essas razões, concluiu que “a reclamada agiu com culpa ao escolher o amianto como matéria-prima utilizada na sua unidade produtiva, sem previamente certificar-se acerca das consequências que a exposição ao produto provocaria na saúde do trabalhador”, deixando de adotar as medidas de precaução necessárias para a manutenção da segurança e higidez do trabalhador. Diante das premissas fáticas fixadas no acórdão do TRT, verifica-se a existência donexocausalentre adoençaocupacionalsofrida pelo ex-empregado (mesotelioma maligno bifásico) e a exposição a amianto, além da configuração da culpa por negligência da ora recorrente na moléstia sofrida pela autora. Desse modo, a decisão recorrida tem por respaldo as provas dos autos, razão pela qual não é passível de alteração, nos moldes da Súmula 126 do TST, que impede a verificação de ofensa aos dispositivos de lei e da Constituição Federal indicados. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
II – RECURSO DE REVISTA DOS AUTORES INTERPOSTO ANTERIOR ANTES DA LEI N.º13.015/2014. DOENÇA OCUPACIONAL. MESOTELIOMA MALIGNO BIFÁSICO. EXPOSIÇÃO A AMIANTO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. O fim precípuo da indenização por danomoralnão é o de apenas compensar o sofrimento da vítima, mas, também, de punir de forma pedagógica o infrator ( punitive damages ), desestimulando a reiteração de práticas consideradas abusivas.Na hipótese dos autos, o TRT consignou não haver controvérsia quanto ao nexo causal entre a doença acometida pelo empregado (mesotelioma maligno bifásico) e a exposição a amianto durante o desenvolvimento de suas atividades na empresa. Entendeu a Corte a quo razoável o valor arbitrado a título de indenização por danos morais (R$ 200.000,00 – duzentos mil reais), tanto na ação ajuizada pelo espólio, quanto na proposta por seus herdeiros, que foram reunidas pelo juízo sentenciante. Dentro desse contexto, é de se concluir que o valor arbitrado pelo TRT não atende ao critério pedagógico, uma vez que não foi considerado o porte econômico da reclamada e o referido valor não inibe outras situações similares, notadamente a consequência fatídica da perda de um ente familiar em virtude da sua exposição a substância altamente cancerígena durante a realização das atividades laborais. Assim, a indenização por danos morais deve ser majorada para R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), a título de danos morais, sendo R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) a serem pagos ao espólio, e R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), aos herdeiros, levando-se em consideração o óbito do ex-empregado, a capacidade econômica das partes, o caráter punitivo e pedagógico da pena, aplicando-se, também, os termos da Súmula 439 do TST. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AÇÃO AJUIZADA PELA VIÚVA E FILHOS DO EMPREGADO. DANO MORAL EM RICOCHETE. Trata-se de ação ajuizada pela viúva e filhos do empregado, postulando indenização por danos morais decorrente de acidente de trabalho que resultou na sua morte.
O item I da Súmula 219 do TST (antiga Orientação Jurisprudencial 305 da SBDI-1 desta Corte), utilizada como fundamento para o indeferimento dos honorários advocatícios pelo TRT, é aplicável nas ações que derivam da relação de emprego, diante da faculdade do empregado ser assistido pelo sindicato da categoria, o que não ocorre com ocorre com seus sucessores.
Por essa razão, a ação movida pelos sucessores de empregado não envolve relação de emprego e a responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios da sucumbência submete-se à disciplina do Código de Processo Civil (arts. 85, 86, 87 e 90), entendimento pacificado no item IV da Súmula 219 do TST. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido .
Processo: ARR-1922-98.2012.5.02.0382