O tratamento tributário dado a produto nacional deve ser aplicado também em caso de importações no âmbito do Mercosul. Com esse entendimento, a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS (TJRS) manteve decisão que favorece empresa de produção e comercialização de sementes de arroz.
Ricetec Sementes, em ação contra a Receita Estadual, contestou a cobrança de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na alfândega gaúcha sobre compras do produto feitas junto aos demais países signatários do tratado econômico – Argentina, Paraguai e Uruguai. A empresa busca o reconhecimento do direito de importar sementes de arroz de empresas situadas nos países integrantes do Mercosul ao abrigo de isenção de ICMS.
O acórdão da apelação (remessa necessária) é um dos destaques da edição de maio do Boletim Eletrônico de Ementas do TJRS.
O caso já havia sido julgado na Comarca de Porto Alegre. Em síntese, a alegação do Estado para justificar a cobrança foi a de que a existência de isenção tributária – prevista no art. 9 do Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (RICMS) – está restrita a negócios realizados dentro das fronteiras do Rio Grande do Sul. Portanto, sem o caráter nacional necessário para sujeição a tratados internacionais.
Prevalência
O relator do processo no TJRS foi o Desembargador Francisco José Moesch. Para ele, se existe a isenção, vale o compromisso estabelecido no artigo 7º do Tratado de Assunção, que “ratificado pelo Congresso Nacional, prevê que em matéria tributária, os produtos originários do território de um estado parte gozarão, nos demais, do mesmo tratamento aplicável ao produto nacional”.
Ainda, segundo ele, o Código Tributário Nacional dispõe que tratados e/ou convenções internacionais “revogam ou modificam a legislação tributária interna”. Entendimento que é reforçado por decisões do próprio TJRS e dos Tribunais Superiores, cujas súmulas (575/STF e 20/STJ) tratam do tema.
Precedentes:
APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS QUE COMPÕEM A CESTA BÁSICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PAÍSES SIGNATÁRIOS DA OMC. REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO ISONÔMICO AO PRODUTO NACIONAL. CABIMENTO. O art. 23, inc. II, b , Capítulo II, do Livro I, do RICMS/RS prevê a redução da base de cálculo do ICMS nas saídas internas de mercadorias que compõem a cesta básica de alimentos deste Estado. No mesmo sentido define o art. 10, § 10, da Lei Estadual nº 8.820/89. Por outro lado, tendo em vista o que definem os artigos 96 e 98 do Código Tributário Nacional, bem como a Súmula 575 do STF e a Súmula 20 do STJ, não há dúvida de que são de aplicação compulsória, aos países signatários do GATT e OMC, as regras que preveem tratamento isonômico entre as mercadorias importadas dos países signatários e as operações internas destes mesmos produtos. Hipótese em que deve ser confirmada a sentença que concedeu a segurança ao efeito de reconhecer que sobre a importação de alho incide a redução da base de cálculo de ICMS. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70080739295, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 27/03/2019)
APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. PRODUTOS DA CESTA BÁSICA. APELAÇÃO. FUNDAMENTOS DISSOCIADOS DA SENTENÇA HOSTILIZADA. INADMISSIBILIDADE DA IRRESIGNAÇÃO. É manifestamente inadmissível o recurso quando suas razões se encontram dissociadas dos fundamentos da decisão hostilizada. Julgados desta corte. REMESSA NECESSÁRIA. ARTIGO 14, §1º, DA LEI DO MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIOS FISCAIS CONCEDIDOS A OPERAÇÕES INTERNAS. EXTENSÃO PARA AS IMPORTAÇÕES DE PAÍSES DO MERCOSUL. POSSIBILIDADE. O tratamento igualitário a bens provenientes de países membros do MERCOSUL, garantido pelo Tratado de Assunção, estende-se aos tributos estaduais e municipais, porque ao ser publicado o Decreto Legislativo nº 350/1991 pelo Congresso Nacional, resta incorporada a norma jurídica internacional ao ordenamento pátrio com força de lei federal, prevalecendo sobre regulamentos de ICMS. Assim, os benefícios fiscais previstos pelo Decreto Legislativo nº 350/1991, Regulamento do ICMS, às saídas internas de mercadorias constantes da cesta básica de alimentos do Estado do Rio Grande do Sul são extensíveis a produtos importados de países membros do MERCOSUL e comercializados nesta unidade da federação. Julgados do STJ e desta Corte. APELO NÃO CONHECIDO E SENTENÇA CONFIRMADA EM REMESSA NECESSÁRIA. UNÂNIME. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70075951178, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em 25/01/2018)
EMBARGOS INFRINGETES. TRIBUTÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. AUTO DE LANÇAMENTO. NULIDADE. IMPORTAÇÃO DE PAÍS SIGNATÁRIO DO GATT. TRATAMENTO DIFERENCIADO. IMPOSSIBILIDADE. O Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio – GATT (sigla em inglês), hoje organizada como OMC (Organização Mundial do Comércio), foi aprovado pelo Decreto Legislativo 43 de 20/06/1950 e assegura ao produto importado tratamento tributário equivalente ao produto similar nacional. Ao contrário do que alega a Fazenda Pública, os tratados internacionais ratificados pelo congresso Nacional, como é o caso do GATT, possuem validade normativa e aplicabilidade inclusive para os impostos estaduais e municipais, em que pese o art. 151, III da CF vede à União instituir isenções dos tributos municipais e estaduais (STF: ADI 1600/DF). Aplicabilidade das normas do GATT para o ICMS. Inteligência das súmulas 20 e 71, do STJ. Se há isenção para as operações internas que envolvem o leite, bem como redução de base de cálculo para os produtos da cesta básica, é nulo o auto de lançamento que não considera tais benefícios para as mercadorias em questão quando importadas de país signatário do GATT. Nulidade do ato administrativo. Impossibilidade de adequação ou redução pelo Poder Judiciário. Competência privativa da autoridade fiscal. Inteligência do art. 142, do CTN. EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS. (Embargos Infringentes Nº 70043119874, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang, Redator: Carlos Roberto Lofego Canibal, Julgado em 09/03/2012)
O voto do relator foi acompanhado pelos Desembargadores Luiz Felipe Silveira Difini e Miguel Ângelo da Silva.
O recurso ficou assim ementado:
70080186786 APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. ISENÇÃO. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE ARROZ DE EMPRESAS SITUADAS NOS PAÍSES INTEGRANTES DO MERCOSUL. POSSIBLIDADE. EXTENSÃO DE BENEFÍCIO FISCAL. TRATADO DE ASSUNÇÃO. SÚMULA 575 DO STF E SÚMULA 20 DO STJ. O artigo 7º do Tratado de Assunção, ratificado pelo Congresso Nacional através do Decreto nº 350/91, prevê que em matéria tributária, os produtos originários do território de um Estado parte gozarão, nos demais, do mesmo tratamento aplicável ao produto nacional. O art. 98 do Código Tributário Nacional, por sua vez, dispõe que os tratados/convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha. Possui a impetrante direito líquido e certo de importar sementes de arroz de empresas situadas nos países integrantes do Mercosul ao abrigo da isenção do ICMS prevista no artigo 9º, inciso VIII, alínea “e”, do RICMS. APELO DESPROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA EM REMESSA NECESSÁRIA. UNÂNIME. Apelação e Reexame Necessário, nº 70080186786 , Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 25/04/2019.
PROCESSO nº 70080186786