Ausência de disposição expressa inviabiliza classificação de árvores de reflorestamento como bem móvel por antecipação

A transferência de um imóvel rural sem a expressa ressalva quanto aos direitos sobre a cobertura vegetal inviabiliza a classificação das árvores ali plantadas como bem móvel por antecipação, mesmo no caso de árvores de reflorestamento destinadas ao corte.

Nesses casos, o comprador da propriedade tem plenos direitos sobre o terreno e a cobertura vegetal, já que esta foi adquirida como acessório da terra nua.

Com base nesses entendimentos, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de uma empresa de engenharia florestal que queria ser indenizada pelas árvores plantadas no imóvel rural.

A empresa de engenharia florestal moveu ação de indenização contra a Klabin cobrando indenização por 150 mil árvores de pinus, após ter adquirido o direito a essas árvores de um terceiro – a Refloril, antiga proprietária do imóvel rural.

Segundo as informações do processo, em 1970, a Refloril implementou dois projetos de reflorestamento em um imóvel rural no interior do Paraná, por meio de condomínio florestal: ela cedia a investidores, por 20 anos, parcelas de terras a fim de que eles se beneficiassem de incentivos fiscais, estabelecendo que, ao fim do prazo, a título de pagamento, adquiriria a propriedade, também, das árvores plantadas sobre o terreno. Em 1983, a Refloril transferiu o imóvel para um particular. Em 1989, o particular vendeu o imóvel para a Klabin.

Em 2004, a Refloril, por intermédio de representante legal que não mais integrava seus quadros societários, vendeu os direitos da cobertura vegetal dessa terra para a empresa de engenharia florestal, por entender que, em 1983, quando transferiu o imóvel rural para o particular, manteve o direito referente às árvores do reflorestamento.

O pedido de indenização foi rejeitado em primeira e segunda instâncias sob o fundamento de que a Refloril não dispunha de direito sobre as árvores para ceder a terceiro. De acordo com o tribunal de origem, a transferência da propriedade do imóvel rural realizada em 1983 não fez ressalvas quanto às árvores plantadas para reflorestamento – razão pela qual não houve violação por parte da Klabin quando ela cortou as árvores, logo após ter comprado a propriedade.

Acessórios

O relator do recurso no STJ, ministro Marco Buzzi, destacou que, conforme regra dos artigos 79 e 92 do Código Civil – salvo expressa disposição em contrário –, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel, pois são acessórios do principal.

“Em virtude disso, em regra, a acessão artificial operada no caso (plantação de árvores de pinus ssp) receberia a mesma classificação/natureza jurídica do terreno, sendo considerada, portanto, bem imóvel, ainda que acessório do principal, nos termos do artigo 92 do Código Civil, por se tratar de bem reciprocamente considerado”, explicou o relator.

O ministro lembrou que a classificação legal da cobertura vegetal de um imóvel rural pode ser interpretada de acordo com a destinação econômica conferida ao bem, sendo viável transmudar a sua natureza jurídica para bem móvel por antecipação, cuja peculiaridade é a vontade humana de mobilizar a coisa devido à atividade econômica.

Entretanto – destacou o relator –, não é possível rever o entendimento no caso analisado, firmado com base nas provas colhidas e examinadas nas instâncias de origem.

O ministro disse que os bens móveis por antecipação somente recebem essa classificação por vontade humana e, na hipótese, “pela análise categórica realizada pela corte local relativamente às provas constantes dos autos, notadamente dos documentos atinentes à dação em pagamento, dos contratos de reflorestamento e das sucessivas averbações junto à matrícula do imóvel, face a ausência de ressalva no instrumento de dação em pagamento, as árvores existentes sobre o terreno foram inegavelmente transferidas”.

Marco Buzzi afirmou que, em virtude de a Refloril ter transferido em 1983 a propriedade e todos os direitos sobre o imóvel, ela não poderia ter cedido à empresa de engenharia florestal os direitos sobre as árvores, pois não mais detinha qualquer direito sobre a cobertura vegetal.

“Diante da presunção legal de que o acessório segue o principal e em virtude da ausência de anotação/observação quando da dação em pagamento acerca das árvores plantadas sobre o terreno, há que se concluir que essas foram transferidas juntamente com a terra nua”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO CONDENATÓRIA – CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS DECORRENTES DE IMPLANTAÇÃO DE REFLORESTAMENTO – DAÇÃO EM PAGAMENTO DO IMÓVEL SEM CLÁUSULA QUE DISPUSESSE ACERCA DA PROPRIEDADE DA COBERTURA VEGETAL LENHOSA – TRIBUNAL A QUO QUE MANTEVE A SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – INSURGÊNCIA DA AUTORA – RECLAMO DESPROVIDO.
Cinge-se a controvérsia em definir: a) qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, ou seja, se é ou não considerada acessório da terra nua e b) se, na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação.
1. Violação ao art. 535 do CPC/1973 não configurada. O Tribunal a quo dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.
2. Conforme consta dos artigos 79 e 92 do Código Civil, salvo expressa disposição em contrário, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel, pois acessórios do principal, motivo pelo qual, em regra, a acessão artificial recebe a mesma classificação/natureza jurídica do terreno sobre o qual é plantada.
2.1 No entanto, essa classificação legal pode ser interpretada de acordo com a destinação econômica conferida ao bem, sendo viável transmudar a sua natureza jurídica para bem móvel por antecipação, cuja peculiaridade reside na vontade humana de mobilizar a coisa em função da finalidade econômica. 2.2 Desta forma, em que pese seja viável conceber a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, a depender da vontade das partes, como bem móvel por antecipação, no caso, consoante estabelecido no artigo 287 do Código Civil, essa classificação não salvaguarda a pretensão da autora, pois é inviável a esta Corte Superior, ante os óbices das Súmulas 5 e 7/STJ, promover o reenfrentamento do acervo fático-probatório dos autos com vistas a concluir de maneira diversa das instâncias ordinárias acerca dos sucessivos negócios jurídicos entabulados relativamente ao imóvel rural e as cláusulas e condições de referidos ajustes.
Ademais, diante da presunção legal de que o acessório segue o principal e em virtude da ausência de anotação/observação quando da dação em pagamento acerca das árvores plantadas sobre o terreno, há que se concluir que essas foram transferidas juntamente com a terra nua.
3. Transferido por escritura pública de dação em pagamento o imóvel e as plantações pela empresa cedente já em 1983, resta ineficaz a cessão de direitos realizada por essa ao autor em 2004, pois nessa ocasião não mais detinha os direitos objeto da transmissão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização.
4. Recurso especial desprovido.

 

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1567479

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