A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou inquérito policial instaurado contra André Oliveira Macedo, conhecido como André do Rap, ao reconhecer a ilicitude das provas obtidas em busca domiciliar realizada sem prévia autorização judicial.
André do Rap – apontado pela polícia como narcotraficante ligado à organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) – teve sua prisão preventiva decretada, em outro processo, pela Justiça Federal de Santos (SP). Em 2019, durante o cumprimento desse mandado de prisão em um condomínio na cidade de Angra dos Reis (RJ), a polícia apreendeu dois helicópteros, uma lancha, um carro e vários equipamentos de informática e telefones celulares, sem o devido mandado de busca e apreensão para tanto.
Com base nos objetos apreendidos, foi instaurado inquérito pela suposta prática dos crimes de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e associação para o narcotráfico, e ao final o Ministério Público ofereceu denúncia contra o investigado.
O habeas corpus impetrado pela defesa foi denegado em segunda instância, o que ocasionou o recurso dirigido ao STJ. Nele, a defesa sustentou a ilegalidade da busca realizada de maneira informal e genérica durante o cumprimento do mandado de prisão, uma vez que o investigado não estava em situação de flagrante delito.
Mandado de prisão não autoriza pescaria de provas na residência
O relator do recurso, ministro Rogerio Schietti Cruz, apontou que não foi observado o disposto no artigo 293 do Código de Processo Penal (CPP) e tampouco se tinha certeza de que o investigado estava de fato no interior da residência, na qual a polícia entrou levada por informações anônimas.
Conforme explicou o relator, mesmo que tivesse sido cumprido o rito legal, isso não seria suficiente para validar a apreensão generalizada de objetos no interior da residência, pois, no cumprimento de mandado de prisão, é permitido o recolhimento da pessoa procurada e dos bens que estejam na sua posse direta (artigo 240 do CPP), obtidos em busca pessoal, mas não de outras coisas espalhadas pela casa que possam, supostamente, ter alguma ligação com os fatos investigados.
“Admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition)”, afirmou.
Schietti ressaltou que, para a obtenção de provas no interior de residência, mesmo que simultaneamente com o cumprimento de ordem de prisão, é necessária autorização judicial prévia, por meio da expedição de um mandado de busca e apreensão que indique o endereço, o motivo e os fins da diligência, de acordo com os artigos 241 e 243 do CPP. Nada disso, porém, ocorreu no caso em julgamento.
“É de se destacar, também, que muitos dos bens apreendidos se encontravam em outras residências do condomínio, e que o local onde o recorrente foi detido nem sequer era sua residência”, acrescentou.
Desvio de finalidade do mandado e impossibilidade de fonte independente
O relator apontou que, para a mitigação do direito à intimidade, a polícia deve se ater estritamente ao necessário para dar cumprimento à ordem judicial. “É ilícita a prova colhida em caso de desvio de finalidade após o ingresso em domicílio, seja no cumprimento de mandado de prisão ou de busca e apreensão expedido pelo Poder Judiciário”, completou.
Segundo o ministro, o que ocorreu na prisão de André do Rap foi uma “pescaria probatória dentro da residência, totalmente desvinculada da finalidade de apenas capturá-lo para fins de cumprimento do mandado de prisão”, já que nenhum dos objetos apreendidos estava na sua posse direta.
O relator afastou a hipótese de fonte independente, capaz de legitimar as provas, pois, na sua avaliação, não há como acreditar que os agentes estatais pudessem vir a localizar e apreender os objetos se não houvesse o cumprimento do mandado de prisão no interior da residência.