Em decisão proferida no final da tarde desta terça-feira (25/3), o Juiz de Direito Mauro Borba, que atua no Núcleo de Justiça 4.0 – Enchentes 2024, negou o pedido de tutela de urgência da Prefeitura de Porto Alegre para retirada dos moradores do Dique Sarandi, na zona norte da capital. Também determinou a imediata suspensão de quaisquer obras ou intervenções no trecho do dique que representem risco à integridade física das pessoas que ocupam as edificações ainda não desocupadas, até que haja solução mediada pela Comissão Regional de Soluções Fundiárias do TJRS.
Caso
A Prefeitura de Porto Alegre, o Departamento Municipal de Água e Esgoto e o Departamento Municipal de Habitação ingressaram com ação de reintegração de posse com tutela de urgência, para a retirada de 25 famílias do Dique Sarandi que se recusaram a desocupar o local.
No pedido, o Executivo Municipal afirma que o colapso do Dique Sarandi durante a enchente de maio de 2024, agravando os alagamentos na região, foi potencializado por construções irregulares, fruto de uma ocupação irregular, sobre a crista e o talude do dique, além de escavações no maciço de terra, comprometendo a segurança estrutural, impondo-se a realização de obras de conserto e manutenção, sendo necessária também a desocupação da área, com a remoção das famílias que nela ainda estão.
Conforme a Prefeitura, dessa ocupação, 43 famílias foram retiradas da área durante a enchente, permitindo reparos precários, 32 aceitaram os benefícios habitacionais e autorizaram a demolição de suas moradias, enquanto 25 se recusaram a desocupar, motivando a ação.
A Prefeitura informou também que os ocupantes remanescentes foram notificados a sair até 28 de fevereiro de 2025, com direito aos seguintes benefícios: a) Compra Assistida – aquisição de imóvel regular de até R$ 200.000,00; b) Estadia Solidária – auxílio municipal de R$ 1.000,00 mensais até a obtenção da moradia definitiva. Também afirmaram que o laudo técnico apontou risco iminente aos ocupantes e à população, destacando os possíveis impactos durante e após a execução das obras. Ainda, que a continuidade das intervenções compromete as edificações remanescentes e a ausência de reforço estrutural pode levar ao colapso do dique em futuros eventos climáticos.
Decisão
Conforme o magistrado, o direito alegado não se mostrou apto ao deferimento da liminar, dada à sua situação de incerteza jurídica nessas ações, envolvendo população vulnerável. Segundo ele, ” é preciso ir além da legalidade estrita”, pontuando diversas situações que evidenciam a incerteza do direito. Citou, por exemplo, os programas habitacionais oferecidos pela Prefeitura aos moradores que não possuem detalhes de execução, gerando incerteza.
“Os programas habitacionais, timidamente, oferecidos (Compra Assistida e Estadia Solidária) não possuem detalhes claros quanto ao modo e ao tempo de implementação, gerando incerteza sobre o destino das famílias. Além disso, não consta nos autos qualquer plano detalhado apresentado pelo Município sobre como se dará a retirada das famílias, seu encaminhamento após a desocupação ou as medidas de transição até a efetiva realocação em nova moradia. Tampouco houve avaliação individualizada das necessidades dos ocupantes, desconsiderando situações específicas, como a de pessoas com deficiência, idosos, presença de crianças ou outras vulnerabilidades que demandam atenção diferenciada”, destacou.”
Na decisão, o magistrado afirma que não há garantias de segurança para a remoção dos moradores e que a Prefeitura não comprovou o risco imediato a justificar a retirada das famílias neste momento.
“No que se refere à urgência, embora haja necessidade de intervenção estrutural no Dique Sarandi, não se evidencia risco imediato e concreto de colapso iminente, que justifique, neste momento, a desocupação forçada das famílias. Trata-se de risco mediato, condicionado à eventual ocorrência de nova enchente, cuja concretização depende de fatores incertos. Ressalte-se que a parte autora não juntou aos autos qualquer estudo técnico que aponte previsão de chuvas intensas ou risco climático concreto nos próximos dias”, afirmou.
O Juiz ressalta ainda que, “transcorrido quase um ano desde a enchente, as famílias permaneceram no local, o que indica que o risco, embora existente, não se revela iminente a ponto de justificar uma remoção compulsória imediata”.
“A remoção imediata pode gerar prejuízo irreversível, contrariando o artigo 300, §3º, do Código de Processo Civil, que veda a concessão de tutela antecipada quando houver risco de irreversibilidade dos efeitos da decisão. A ausência de um plano de reassentamento seguro pode resultar em desabrigo imediato, configurando violação à dignidade da pessoa humana”, afirmou.
Ainda, conforme o magistrado, não há suporte jurídico para a concessão da tutela provisória requerida. “O direito afirmado pela parte autora revela-se instável, conforme demonstrado pelas reiteradas decisões judiciais que têm suspendido liminares em casos análogos de desocupação coletiva”, ressaltou.
“A continuidade das obras com as famílias no local configura, esta sim, uma situação de risco concreto e iminente à integridade física dos ocupantes, conforme apontado no próprio laudo técnico apresentado pela parte autora. Soma-se a isso a petição apresentada pelos réus, por meio de seus procuradores, trazendo informações adicionais sobre os perigos enfrentados pelos moradores em razão da manutenção das obras conduzidas pelo Município. Diante desse quadro, impõe-se, como consequência lógica, a suspensão imediata da execução das obras nos trechos que representem risco direto às pessoas”, decidiu o Juiz.
Foi determinada também a remessa dos autos à Comissão Regional de Soluções Fundiárias do TJRS, para que atue previamente no processo, a fim de viabilizar o planejamento adequado de eventual desocupação.
Cabe recurso da decisão.
Processo nº 5071481-02.2025.8.21.0001