Informativo de jurisprudência 847/STJ

RECURSOS REPETITIVOS

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Processo

 

REsp 2.072.867-MA, Rel. Ministro Raul Araújo, Rel. para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, por maioria, julgado em 19/3/2025, DJEN 8/4/2025. (Tema 1267).

 

REsp 2.072.868-MA, Rel. Ministro Raul Araújo, Rel. para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, por maioria, julgado em 19/3/2025, DJEN 8/4/2025 (Tema 1267).

 

REsp 2.072.870-MA, Rel. Ministro Raul Araújo, Rel. para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, por maioria, julgado em 19/3/2025, DJEN 8/4/2025 (Tema 1267).

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Apelação. Juízo de admissibilidade. Competência exclusiva do Tribunal. Inadmissão pelo juiz de primeiro grau. Cabimento de reclamação ou, no âmbito de execução/cumprimento de sentença, agravo de instrumento. Fungibilidade recursal. Modulação de efeitos. Tema 1267.

Destaque

 

  1. A decisão do juiz de primeiro grau que obsta o processamento da apelação viola o § 3º do artigo 1.010 do CPC, caracterizando usurpação da competência do Tribunal, o que autoriza o manejo da reclamação prevista no inciso I do artigo 988 do CPC;

 

  1. Na hipótese em que o juiz da causa negar seguimento à apelação no âmbito de execução ou de cumprimento de sentença, também será cabível agravo de instrumento, por força do disposto no parágrafo único do artigo 1.015 do CPC.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia em debate envolve, num primeiro momento, a interpretação do art. 1.010, § 3º, do CPC, o qual determina que incumbe ao Juízo a quo, diante de uma apelação interposta, possibilitar o contraditório (§§ 1º e 2º) e, na sequência, apenas remeter os autos ao Tribunal ad quem, independentemente do exercício de juízo de admissibilidade.

 

Porém, se assim não o fizer o magistrado, procedendo à análise da admissibilidade do recurso e, após, concluindo por sua inadmissão, não remeter a apelação ao respectivo Tribunal, surgirão, num segundo momento, alguns questionamentos acerca de qual a medida processual cabível para impugnar tal decisão do Juiz de primeira instância, bem como acerca da possibilidade de aplicação, quando necessário e possível, do princípio da fungibilidade recursal.

 

Quanto à primeira questão processual, é de sabença que, sob a égide do CPC de 1973, o magistrado de primeiro grau detinha competência para exercer juízo de admissibilidade da apelação, nos termos do artigo 518.

 

A partir da entrada em vigor do CPC de 2015, continuou-se a exigir a interposição da apelação perante o primeiro grau de jurisdição. Nada obstante, retirou-se do juiz a competência para analisar os requisitos de admissibilidade do recurso, cabendo-lhe, a partir de então, determinar tão somente a intimação do apelado (e do apelante se houver recurso adesivo) para apresentar contrarrazões, conforme previsto no § 3º do artigo 1.010.

 

Assim, após respeitados os prazos para apresentação de contrarrazões, o juiz da causa deverá remeter os autos da apelação ao Tribunal, que distribuirá o recurso imediatamente, cabendo ao relator (com amparo no artigo 1.011): (i) decidi-lo monocraticamente nas hipóteses dos incisos III a V do artigo 932 (não conhecendo do recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida; negando provimento ao recurso contrário à súmula ou a precedente qualificado; ou dando provimento ao recurso dirigido contra decisão que contraria súmula ou precedente qualificado); ou (ii) elaborar voto para julgamento do recurso pelo órgão colegiado se não for o caso de decisão monocrática.

 

Diante desse quadro normativo, é certo que a competência tanto para a análise dos requisitos de admissibilidade da apelação quanto para o julgamento do mérito recursal é exclusiva do Tribunal de segundo grau.

 

Doutrina abalizada pontua, contudo, que, “nas situações em que a própria lei confere competência para o juízo de primeiro grau se retratar de sua sentença diante da interposição de apelação” (artigos 331, caput , 332, § 3º, e 485, § 7º, do CPC de 2015; e 198, inciso VII, do ECA), pode-se sim falar em uma “competência implícita para o exercício de juízo de admissibilidade”, mas adstrita a um juízo positivo que autorize a retratação.

 

Nesse sentido, é certo que o não recebimento da apelação configura ofensa ao § 3º do artigo 1.010 do CPC, caracterizando usurpação da competência do Tribunal, o que atrai o cabimento de reclamação, consoante previsto no inciso I do artigo 988 do diploma processual.

 

Sobre o tema, destaca-se o Enunciado n. 207 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, segundo o qual: “Cabe reclamação, por usurpação da competência do tribunal de justiça ou tribunal regional federal, contra a decisão de juiz de 1º grau que inadmitir recurso de apelação”.

 

Por outro lado, não se mostra cabível o agravo de instrumento previsto no artigo 1.015 do CPC, em qualquer fase processual e tipo de processo, contra a decisão do magistrado de primeiro grau que indefere o processamento da apelação, mesmo diante da tese jurídica firmada pela Corte Especial por ocasião do julgamento do Tema Repetitivo n. 988/STJ, qual seja, “O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação” (REsps n. 1.704.520/MT e 1.696.396/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 5/12/2018, DJe de 19/12/2018).

 

No que diz respeito à fase de conhecimento, o sistema do CPC de 2015 preconiza que somente as decisões interlocutórias que versem sobre as questões enumeradas no rol do artigo 1.015 são recorríveis de imediato via interposição de agravo de instrumento. As demais questões resolvidas na fase cognitiva – que não retratem as hipóteses do artigo 1.015 – devem ser suscitadas posteriormente, em preliminar de apelação (eventualmente interposta contra a decisão final) ou nas respectivas contrarrazões (artigo 1.009 do CPC).

 

De outro lado, à luz do disposto no parágrafo único do artigo 1.015 do CPC, é agravável toda e qualquer decisão interlocutória proferida: (i) na fase de liquidação ou de cumprimento de sentença; (ii) no processo de execução; e (iii) no processo de inventário.

 

Os repetitivos acima enumerados – que trataram do Tema 988/STJ – dizem respeito às decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento, tendo sido firmada a tese da taxatividade mitigada do rol do artigo 1.015 do CPC, admitindo-se, assim, a interposição de agravo de instrumento “quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”.

 

Nesse contexto, a excepcionalidade indicada nos repetitivos – urgência decorrente da “inutilidade do julgamento diferido” – diz respeito a decisões interlocutórias proferidas antes da prolação da sentença (e que, portanto, antecedem o momento em que possível a interposição da apelação), não compreendendo, assim, o debate sobre a usurpação da competência para análise dos pressupostos de admissibilidade do referido recurso, matéria que deve ser objeto de reclamação (artigo 988, inciso I, do CPC).

 

Desse modo, o agravo de instrumento do artigo 1.015 do CPC não figura como um dos meios impugnativos cabíveis contra a decisão do juiz de primeira instância que, na fase de conhecimento, obsta o processamento da apelação, ao arrepio do § 3º do artigo 1.010. Isso por se tratar de evidente usurpação da competência do Tribunal, contra a qual cabe o imediato manejo de reclamação, não se podendo falar, portanto, em “julgamento diferido” capaz de gerar a inutilidade da prestação jurisdicional.

 

Porém, já no âmbito de execução ou de cumprimento de sentença revela-se cabível agravo de instrumento, por força do disposto no parágrafo único do artigo 1.015 do CPC.

 

Ademais, não cabe mandado de segurança contra a decisão do juiz de primeira instância que inadmite a apelação. No caso, revela-se cabível a reclamação para preservação da competência do Tribunal, nos termos do inciso I do artigo 988 do CPC. Destarte, é inadequado cogitar a impetração de mandado de segurança com a mesma finalidade.

 

Outrossim, em havendo medida processual específica para impugnar a decisão do magistrado de piso que inadmite a apelação, também se mostra descabida a utilização da figura da correição parcial.

 

Por fim, reconhece-se que, até o julgamento dos presentes repetitivos, havia dúvida razoável no sistema legal vigente sobre a medida impugnativa apropriada para destrancar a apelação inadmitida pelo juiz de primeiro grau, motivo pelo qual não há falar em erro grosseiro daquele que apresentou correição parcial ou agravo de instrumento antes do deslinde da questão jurídica em debate.

 

Consequentemente, modulam-se os efeitos da decisão no sentido de que, até a data da publicação dos acórdãos referentes ao Tema Repetitivo n. 1.267/STJ, é possível, com base no princípio da fungibilidade e em caráter excepcional, o recebimento da correição parcial (ou do agravo de instrumento previsto no caput do artigo 1.015 do CPC ou de mandado de segurança) como a reclamação apta a impugnar a decisão do juiz de primeiro grau que inadmite a apelação, desde que não tenha ocorrido o seu trânsito em julgado.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Civil (CPC/1973), art. 518;

 

Código de Processo Civil (CPC/2015), artigos 331, caput; 332, § 3º; 485, § 7º; 932, III, IV e V; 988, I; 1.009; 1.010, §§ 1º, 2º e 3º; 1.011; 1.015 e parágrafo único;

 

Lei n. 8.069/1990 (ECA), art. 198, VII.

Precedentes Qualificados

 

Tema 988/STJ.

Enunciados de Jornadas de Direito

 

Enunciado n. 207 do Fórum Permanente de Processualistas Civis

Saiba mais:

 

Recursos Repetitivos / DIREITO PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO

Legislação Aplicada / LEI 8.429/1992 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA) – SANÇÕES APLICÁVEIS AOS AGENTES PÚBLICOS POR ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

 

RECURSOS REPETITIVOS

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Processo

 

REsp 2.129.162-MG, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/4/2025. (Tema 1298).

 

REsp 2.131.059-MG, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/4/2025 (Tema 1298).

Ramo do Direito

 

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Ação de desapropriação por utilidade pública ou de constituição de servidão administrativa. Desistência. Honorários sucumbenciais. Limites percentuais do art. 27, § 1º, do DL n. 3.365/41. Incidência. Base de cálculo dos honorários. Valor atualizado da causa. Arbitramento por apreciação equitativa (Art. 85, § 8º, do CPC). Cabimento apenas quando o valor da causa é muito baixo. Tema 1298.

Destaque

 

Aplicam-se os percentuais do art. 27, § 1º, do DL n. 3.365/1941 no arbitramento de honorários sucumbenciais devidos pelo autor em caso de desistência de ação de desapropriação por utilidade pública ou de constituição de servidão administrativa, os quais terão como base de cálculo o valor atualizado da causa. Esses percentuais não se aplicam somente se o valor da causa for muito baixo, caso em que os honorários serão arbitrados por apreciação equitativa do juiz, na forma do art. 85, § 8º, do CPC.

Informações do Inteiro Teor

 

Cinge-se a controvérsia em definir se os limites percentuais previstos no art. 27, § 1º, do Decreto-Lei n. 3.365/1941 devem ser observados no arbitramento de honorários sucumbenciais em caso de desistência de ação de desapropriação por utilidade pública ou de constituição de servidão administrativa.

 

A previsão do art. 27, § 1º, do DL n. 3.365/1941 veio para estabelecer normas especiais para os honorários advocatícios em ações expropriatórias seja quanto à base de cálculo de tal verba, seja quanto aos percentuais que devem incidir sobre a base arbitrada. Embora amalgamadas em um único preceito (texto), subsiste relativa independência entre as normas jurídicas contidas no dispositivo legal, de modo que alterações circunstanciais na base de cálculo não devem afastar, obrigatoriamente, a incidência da lex specialis relativa aos percentuais estabelecidos para o arbitramento dos honorários advocatícios.

 

Assim, em havendo desistência da ação de desapropriação ou de constituição de servidão administrativa, é evidente que cai por terra a possibilidade de arbitramento dos honorários sucumbenciais tomando por base de cálculo a diferença entre o preço ofertado pelo expropriante e a indenização fixada na sentença, tal como previsto em norma especial inserida no texto do art. 27, § 1º, do DL n. 3.365/1941, uma vez que a sentença, nessa excepcional circunstância, não estabelecerá indenização alguma.

 

Nesse cenário ocasional, embora não haja condenação, o princípio da causalidade impõe que o ente (não mais) expropriante seja declarado sucumbente de modo que os honorários correrão a sua conta, porque deu causa ao ajuizamento da demanda e dela desistiu (art. 90 do Código de Processo Civil).

 

À falta de condenação ou de proveito econômico efetivo, já foi dito que não há suporte jurídico para o estabelecimento da base de cálculo dos honorários nos moldes do art. 27, § 1º, do DL 3.365/1941, de modo que essa base será fixada de acordo com norma jurídica supletiva prevista no art. 85, § 2º, do CPC, tomando-se em conta, então, o valor atribuído à causa.

 

O socorro à norma supletiva do CPC faz-se porque não existe suporte jurídico para a aplicação da norma especial do DL 3.365/1941 apenas no que toca à base de cálculo dos honorários sucumbenciais. Ora, a desistência da ação não implica desaparecimento do suporte jurídico de aplicação dessa lex specialis, de modo que não há razão jurídica para se recorrer, quanto aos percentuais, a outras normas jurídicas que pudessem ser aplicadas de forma supletiva ou subsidiária.

 

Dessarte, mesmo em caso de desistência da ação expropriatória, os percentuais a serem observados devem ser os estabelecidos no art. 27, § 1º, do DL3.365/1941.

 

Ressalte-se, contudo, que haverá casos em que o valor da causa, mesmo que atualizado, corresponderá a valor ínfimo a implicar honorários irrisórios caso aquele valor seja mantido como base para a incidência das alíquotas do art. 27, § 1º, do DL n. 3.365/1941.

 

Nessa excepcional hipótese, portanto, afasta-se completamente a aplicação do art. 27, § 1º, do DL n. 3.365/1941 para a fixação dos honorários sucumbenciais – seja quanto à base de cálculo estabelecida no preceito, seja quanto aos percentuais ali estabelecidos -, uma vez que a verba honorária será arbitrada pelo juiz por apreciação equitativa, com fundamento no art. 85, § 8º, do CPC, a fim de impedir que a verba honorária seja fixada em patamar incompatível com a dignidade do trabalho advocatício.

 

Dessa forma, deve ser fixada a seguinte tese jurídica de eficácia vinculante: Aplicam-se os percentuais do art. 27, § 1º, do DL 3.365/41 no arbitramento de honorários sucumbenciais devidos pelo autor em caso de desistência de ação de desapropriação por utilidade pública ou desconstituição de servidão administrativa, os quais terão como base de cálculo o valor atualizado da causa. Esses percentuais não se aplicam somente se o valor da causa for muito baixo, caso em que os honorários serão arbitrados por apreciação equitativa do juiz, na forma do art. 85, § 8º, do CPC.

Informações Adicionais

Legislação

 

Decreto-Lei n. 3.365/1941, art. 27, § 1º.

 

Código de Processo Civil (CPC), artigos 85, § 2º e 8º; e 90.

Saiba mais:

 

Informativo de Jurisprudência n. 783

Informativo de Jurisprudência n. 736

Critério NUGEP / DIREITO PROCESSUAL CIVIL – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Jurisprudência em Teses / DIREITO ADMINISTRATIVO – EDIÇÃO N. 49: DESAPROPRIAÇÃO – II

 

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Processo

 

REsp 2.082.072-RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/4/2025. (Tema 1090).

 

REsp 2.116.343-RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/4/2025 (Tema 1090).

 

REsp 2.080.584-PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/4/2025 (Tema 1090).

Ramo do Direito

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Tema

Saúde e Bem-Estar Redução das desigualdades Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Tempo especial. Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP). Existência de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz. Descaracterização do tempo especial. Ônus da prova. Autor da ação previdenciária. Havendo dúvida sobre a real eficácia do EPI. Conclusão deverá ser favorável ao autor. Tema 1090.

Destaque

 

I – A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de equipamento de proteção individual (EPI) descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais nas quais, mesmo diante da comprovada proteção, o direito à contagem especial é reconhecido.

 

II – Incumbe ao autor da ação previdenciária o ônus de comprovar: (i) a ausência de adequação ao risco da atividade; (ii) a inexistência ou irregularidade do certificado de conformidade; (iii) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso adequado, guarda e conservação; ou (v) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão da ineficácia do EPI.

 

III – Se a valoração da prova concluir pela presença de divergência ou de dúvida sobre a real eficácia do EPI, a conclusão deverá ser favorável ao autor.

Informações do Inteiro Teor

 

Cinge-se a controvérsia repetitiva a dirimir: 1) Se a anotação positiva no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) quanto ao uso do Equipamento de Proteção Individual (EPI) eficaz comprova o afastamento da nocividade da exposição aos agentes químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física. 2) Qual das partes compete o ônus da prova da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), em caso de contestação judicial da anotação positiva no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP).

 

Quanto à matéria em dicussão, tem-se que a legislação previdenciária reconhece direito à aposentadoria especial, a qual consiste em uma jubilação com tempo de trabalho reduzido “ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física” (art. 57 da Lei n. 8.213/1991).

 

De fato, o uso do EPI eficaz descaracteriza o tempo especial, de acordo com a jurisprudência. O Supremo Tribunal Federal entende que o “direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial” (Tema 555 da Repercussão Geral, ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 4/12/2014).

 

É importante lembrar que a contagem de tempo especial não é um fim em si mesmo. A legislação privilegia a promoção da higiene e da segurança do trabalho, buscando reduzir ou eliminar a exposição a agentes nocivos. Apenas nos casos em que não é possível eliminar ou reduzir a nocividade, é aceitável expor o trabalhador a agentes agressivos.

 

O empregador tem o dever de registrar o perfil profissiográfico. Mas, também, é beneficiado caso consiga eliminar ou reduzir a exposição a agentes nocivos, com o correspondente desconto no adicional contributivo previsto no art. 22, II, Lei n. 8.212/1991.

 

O processo judicial buscando o cômputo de tempo especial não tem participação do empregador. A previdência, por seu lado, assegura o financiamento da aposentadoria especial ou da redução de tempo para a aposentadoria por tempo de contribuição.

 

A confiança nesse sistema é importante para todas as partes envolvidas. Se o trabalhador e os respectivos sindicatos não forem incentivados a, permanentemente, exigir um melhor ambiente de trabalho, a promoção da higiene e da segurança laboral sairá prejudicada. Por sua vez, os empregadores não têm incentivo para investir em tecnologias de proteção, se terminarem por arcar com os custos do adicional contributivo, em razão da superação cotidiana e imotivada das medidas de proteção em processos previdenciários nos quais não têm participação.

 

Por tudo isso, ainda que, individualmente, o reconhecimento do tempo especial beneficie o trabalhador, o efeito sistêmico é perverso.

 

De qualquer forma, o que se tem é uma documentação da relação de trabalho, a qual se tem, em princípio, por legítima. O PPP é uma exigência legal e está sujeito a controle por parte dos trabalhadores e da administração pública (art. 58, §§ 1º a 4º. da Lei n. 8.213/1991). Assim, desconsiderar, de forma geral e irrestrita, as anotações desfavoráveis ao trabalhador, é contra a legislação e causa efeitos deletérios à coletividade de trabalhadores.

 

Dessa forma, a anotação no PPP, em princípio, descaracteriza o tempo especial, de modo que, se o segurado discordar, deve desafiar a anotação, fazendo-o de forma clara e específica.

 

Quanto ao ônus probatório, a legislação atribui ao segurado o ônus de comprovar o fato constitutivo do seu direito. A exposição a agentes nocivos é fato constitutivo do direito ao tempo especial. Logo, o ônus da prova incumbe ao requerente, aplicando-se o art. 373, I, do CPC.

 

Além disso, não estão presentes as hipóteses de redistribuição do ônus da prova, na forma do art. 373, § 1º, do CPC. Assim, o que autoriza a revisão da regra geral prevista no caput do mencionado artigo é a assimetria de dados e informações, mas não a hipossuficiência econômica.

 

Nesse contexto, o aparato estatal tem a competência para fiscalizar, mas não tem protagonismo na documentação da relação de trabalho (art. 58, § 3º, da Lei n. 8.213/1991; art. 68, §§ 7º e 8º do Decreto 3.048/1999), sendo que a prova é mais fácil para o segurado do que para o INSS, uma vez que foi o segurado quem manteve relação com a empregadora, conhece o trabalho e tem condições de complementar ou contestar informações constantes do PPP.

 

Conforme a orientação estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal, em “caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial” (Tema 555 da Repercussão Geral, ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 4/12/2014), ou seja, ainda que o ônus da prova seja do segurado, não se é exigente quanto ao grau de certeza a ser produzida. Basta que o segurado consiga demonstrar que há divergência ou dúvida relevante quanto ao uso ou a eficácia do EPI para que obtenha o reconhecimento do direito.

 

Por tudo isso, o ônus da prova é do segurado. No entanto, o standard probatório é rebaixado, de forma que a dúvida favorece o trabalhador.

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 8.213/1991, artigos 57 e 58, §§ 1º a 4º.

 

Lei n. 8.212/1991, art. 22, II.

 

Código de Processo Civil (CPC), art. 373, I, e § 1º

 

Decreto n. 3.048/1999, art. 68, §§ 7º e 8º

Precedentes Qualificados

 

Tema n. 555/STF

Saiba mais:

 

Critério NUGEP / DIREITO PROCESSUAL CIVIL – DAS PROVAS

Informativo de Jurisprudência n. 719

Recursos Repetitivos / DIREITO PREVIDENCIÁRIO – ATIVIDADE ESPECIAL

Informativo de Jurisprudência n. 837

 

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Processo

 

REsp 1.976.618-RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/4/2025. (Tema 1247).

 

REsp 1.995.220-RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/4/2025 (Tema 1247).

Ramo do Direito

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Creditamento. Aquisição tributada de insumos aplicados na industrialização de produtos imunes. Direito ao benefício fiscal instituído no art. 11 da Lei n. 9.779/1999. Reconhecimento. Tema 1247.

Destaque

 

O creditamento de IPI, estabelecido no art. 11 da Lei n. 9.779/1999,decorrente da aquisição tributada de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem utilizados na industrialização, abrange a saída de produtos isentos, sujeitos à alíquota zero e imunes.

Informações do Inteiro Teor

 

Cinge-se a controvérsia quanto à abrangência do benefício fiscal instituído pelo art. 11 da Lei n. 9.779/1999, a fim de definir se há direito ao creditamento de Imposto sobre Produto Industrializado – IPI na aquisição de insumos e matérias-primas tributados (entrada onerada), inclusive quando aplicados na industrialização de produto imune; ou se tal benefício dá-se apenas quando utilizados tais insumos e matérias-primas na industrialização de produtos isentos ou sujeitos à alíquota zero. A questão de direito controvertida foi assim delimitada: “A possibilidade de se estender o creditamento de IPI previsto no art. 11, da Lei n. 9.779/99 também para os produtos finais não tributados (NT), imunes, previstos no art. 155, § 3º, da CF/88”.

 

Acerca da possibilidade de creditamento, tem-se que tal hipótese não decorre de suposta extensão do benefício contido no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 para hipótese ali não prevista, mas, ao contrário, da compreensão fundamentada de que tal situação (produto não tributado, imune) está contida na norma em exame, sobretudo ao utilizar o termo “inclusive”.

 

Sobre a matéria, a Primeira Seção do STJ já perfilhou o entendimento de que é cabível o aproveitamento do saldo de IPI decorrente das aquisições de insumos tributados nas saídas de produtos industrializados imunes, a teor do art. 11 da Lei 9.779/1999 (EREsp n. 1.213.143/RS, rel. Ministra Assusete Magalhães, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 2/12/2021, DJe de 1/2/2022).

 

Com efeito, o adequado exame a respeito do alcance do benefício contido no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 não autoriza, para fins interpretativos, a supressão de expressão contida na norma – afinal, não há palavras inúteis contidas na lei -, tampouco o seu deslocamento, a fim de correlacioná-la a outra expressão ali contida, a redundar em sua completa descaracterização. A supressão do termo “inclusive” altera substancialmente o conteúdo da norma, reduzindo indevidamente seu alcance, a redundar em seu completo desvirtuamento.

 

Portanto, as regras propugnadas, com adstrição aos termos contidos no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 somente podem ter o seguinte teor: i) o saldo credor do IPI acumulado poderá ser objeto de compensação ou ressarcimento; e ii) “os créditos decorrentes da entrada de insumos destinados à industrialização, INCLUSIVE de produtos isentos ou tributados à alíquota zero, poderão compor o saldo credor”.

 

A partir de tais considerações, deve-se afastar, peremptoriamente, a tese de malversação do art. 111 do Código Tributário Nacional, que exorta a interpretação literal da legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção. Isso porque, o reconhecimento do direito ao creditamento não decorre de suposta extensão do benefício contido no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 para hipótese ali não prevista, mas, ao contrário, da compreensão fundamentada de que tal situação (produto imune) está contida na norma em exame, sobretudo ao utilizar o termo “inclusive”.

 

De seus termos, verifica-se que o dispositivo legal estabelece os requisitos necessários à manutenção do crédito de IPI auferido nas operações de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem utilizados na industrialização; bem como explicita – notadamente ao utilizar a expressão “inclusive” – que este benefício não se restringe às saídas de produto isento ou sujeito à alíquota zero, mas, sim, também o assegura nesses casos, de modo a não excluir outras hipóteses de saída desonerada (como se dá na hipótese remanescente de produto imune).

 

Para a concretização do aproveitamento do crédito de IPI, a lei exige a verificação dos seguintes requisitos: i) a realização de operação de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, sujeita à tributação de IPI (de cujo crédito se pretende aproveitar); e ii) a submissão do bem adquirido ao processo de industrialização (transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento ou reacondicionamento e renovação ou recondicionamento), especificado no art. 4º do Regulamento do IPI (Decreto n. 7.212/2010).

 

Verificadas, assim, a aquisição de insumos tributados e a sua utilização no processo de industrialização, o industrial faz jus ao creditamento de IPI, afigurando-se desimportante, a esse fim, o regime de tributação do imposto na saída do estabelecimento industrial, já que é assegurado tal direito, inclusive, nas saídas isentas e nas sujeitas à alíquota zero.

 

Diante do critério legal adotado para a viabilizar o direito ao crédito de IPI, mostra-se necessário distinguir os produtos contidos na TIPI (Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados), especificamente aqueles sob a rubrica “NT” – Não Tributado. Nesses (sob a rubrica “NT”), incluem-se produtos que, por sua natureza, encontram-se fora do campo de incidência do IPI, já que não são resultantes de nenhum processo de industrialização; e outros que, ainda que derivados do processo de industrialização, por determinação constitucional, são imunes ao tributo em comento.

 

Assim, de acordo com o critério adotado pela norma, se o produto – resultado do processo de industrialização de insumos tributados na entrada – é imune, o industrial faz jus ao creditamento. Se, ao contrário, o produto não é resultado do processo de industrialização de insumos tributados, sua saída, ainda que desonerada, não enseja direito ao creditamento de IPI. Veja-se que, nesse caso, o direito ao creditamento não se aperfeiçoa porque não houve submissão ao processo de industrialização, e não simplesmente porque o produto encontra-se sob a rubrica “NT” na TIPI.

 

A tese a ser conformada pela Primeira Seção, portanto, deve considerar que: i) o direito ao creditamento de IPI estabelecido no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 abrange a saída de produtos imunes (afastando-se qualquer termo que conduza à ideia de aplicação extensiva do benefício fiscal à hipótese supostamente não constante da norma, do que não se cuida); e ii) a necessidade de utilizar o termo “produtos imunes” (e não, genericamente, “produtos não tributados”, pois, nos termos da fundamentação supra, o benefício fiscal em exame abrange a saída de produtos industrializados isentos, sujeitos à alíquota zero e imunes (e não todos aqueles constantes da TIPI – Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – sob a rubrica “NT” – Não Tributado).

 

Diante da compreensão ora externada, deve ser fixada seguinte tese jurídica: O creditamento de IPI, estabelecido no art. 11 da Lei n. 9.799/1999, decorrente da aquisição tributada de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem utilizados na industrialização, abrange a saída de produtos isentos, sujeitos à alíquota zero e imunes.

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 9.779/1999, art. 11.

 

Constituição Federal (CF/88), art. 155, § 3º.

 

Código Tributário Nacional (CTN), art. 111.

 

Decreto n. 7.212/2010 (Regulamento do IPI), art. 4º.

Saiba mais:

 

Jurisprudência em Teses / DIREITO TRIBUTÁRIO – EDIÇÃO N. 118: IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – I

Informativo de Jurisprudência n. 808

Informativo de Jurisprudência n. 578

Recursos Repetitivos / DIREITO TRIBUTÁRIO – IPI

Jurisprudência em Teses / DIREITO TRIBUTÁRIO – EDIÇÃO N. 118: IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – I

 

SEGUNDA TURMA

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Processo

 

REsp 2.123.875-MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 1/4/2025, DJEN 4/4/2025.

Ramo do Direito

 

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Execução fiscal. Cobrança de multa por ato de improbidade administrativa. Cabimento. Ente público lesado. Legitimidade ativa. Existência.

Destaque

 

A execução fiscal é cabível para a cobrança de multas civis fixadas em sentença decorrentes de atos de improbidade administrativa, desde que instruída com a respectiva CDA; sendo a Fazenda Pública lesada parte legítima para propor tal execução.

Informações do Inteiro Teor

 

Cinge-se a controvérsia em saber se é cabível a execução fiscal para cobrança de multa aplicada em sentença de improbidade administrativa e se o ente público lesado possui legitimidade ativa para propor tal execução.

 

A execução fiscal consiste na execução judicial para a cobrança da dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias, disciplinada pela Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal – LEF), a ser necessariamente instruída com a Certidão de Dívida Ativa – CDA.

 

A CDA, a seu turno, é proveniente de um procedimento administrativo denominado inscrição em dívida ativa, consistente no controle administrativo da legalidade, a fim de apurar a liquidez e a certeza do crédito – tributário ou não tributário – definido na Lei n. 4.320/1964, no âmbito de uma relação jurídica de direito público.

 

Segundo a intelecção que se extrai do art. 2º, § 2º, da LEF, através de interpretação gramatical, a dívida ativa não tributária possui acepção ampla, podendo englobar créditos variados da Fazenda Pública provenientes da lei, do contrato ou de decisão judicial – que não se amoldem no conceito de dívida ativa tributária -, pelo explícito uso da expressão “demais créditos da Fazenda Pública”, seguido da locução “tais como”, enumerando, exemplificativamente, as hipóteses de dívida ativa não tributária, nas quais se inserem, com destaque: “multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias”, “indenizações” e “alcances dos responsáveis definitivamente julgados”.

 

Assim, verifica-se que a cobrança judicial dos créditos da Fazenda Pública, tributários ou não tributários, através da execução fiscal, possui grande abrangência.

 

Por outro lado, a satisfação das obrigações de pagar quantia reconhecidas em sentença se submete à fase de cumprimento de sentença – e não a um processo autônomo de execução -, em razão do sincretismo processual vigente no ordenamento jurídico pátrio desde o advento da Lei n. 11.232/2005.

 

Além disso, dispõe o CPC/2015, em seu art. 515, I, que a execução dos títulos executivos judiciais – entre os quais se inserem as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa – dar-se-á segundo a sua Parte Especial, Livro I, Título II.

 

A par dessas premissas, evidencia-se que o cabimento do cumprimento de sentença de obrigação de pagar quantia não exclui, por si só, a via processual da execução fiscal, facultando-se à pessoa jurídica de direito público credora a escolha do procedimento que melhor lhe aprouver, desde que, neste último (execução fiscal), inscreva o título executivo judicial líquido na dívida ativa, ensejando a emissão da respectiva e imprescindível CDA, a caracterizar os pressupostos da certeza, liquidez e exigibilidade.

 

Nesse sentido, impossibilitar a utilização da execução fiscal somente pela possibilidade de cobrança do crédito através do cumprimento de sentença caracterizaria negativa de vigência aos arts. 1º e 2º da LEF e 39, § 2º, da Lei n. 4.320/1964, que conferiram à dívida ativa não tributária vasto alcance.

 

Na hipótese, tratando-se de sentença condenatória ao pagamento de multa pela prática de ato de improbidade administrativa, há perfeita subsunção do crédito exequendo ao disposto no art. 39, § 2º, da Lei n. 4.320/1964, que insere no conceito de dívida ativa não tributária “multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias”, afigurando-se inquestionável a possibilidade de utilização, tanto do cumprimento de sentença, quanto da execução fiscal, para a cobrança dessa multa fixada em sentença, desde que atendidos os respectivos requisitos de cada procedimento executivo.

 

Em relação à legitimidade ativa para a referida execução, considerando o entendimento do Supremo Tribunal Federal em controle de constitucionalidade concentrado (ADIs n. 7.042 e n. 7.043), que deu interpretação conforme sem redução de texto ao art. 17 da Lei n. 8.429/1992 (com redação dada pela Lei n. 14.230/2021) – no sentido de que o ente público lesado possui legitimidade ativa (ordinária) para a ação de improbidade administrativa -, é de se reconhecer também a legitimidade ativa da Fazenda Pública interessada para a propositura da execução fiscal da multa fixada na sentença proveniente de ato de improbidade, sobretudo por ser a destinatária dos respectivos valores, não se aplicando o disposto no art. 13 da Lei n. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP), segundo o qual tais montantes serão destinados a um fundo específico.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Civil (CPC/2015), art. 515, I

 

Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal), art. 1º e art. 2º

 

Lei n. 4.320/1964, art. 39, § 2º

 

Lei n. 11.232/2005

 

Lei n. 8.429/1992 (com redação dada pela Lei n. 14.230/2021), art. 17

 

Lei n. 7.347/1985, art. 13

Precedentes Qualificados

 

ADI n. 7.042

 

ADI n. 7.043

TERCEIRA TURMA

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Processo

 

REsp 2.174.212-PR, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 1º/4/2025, DJEN 7/4/2025.

Ramo do Direito

 

DIREITO CIVIL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Indenização securitária. Sinistro causado por beneficiário inimputável. Ausência de intencionalidade. Manutenção do direito à indenização.

Destaque

 

O beneficiário inimputável que agrava o risco em contrato de seguro não o faz de modo intencional, devendo ser mantido o seu direito à indenização securitária.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia consiste em decidir se deve ser concedida a indenização securitária ao filho beneficiário que, em declarada incapacidade (surto esquizofrênico), ceifa a vida da genitora segurada.

 

A lacuna legislativa acerca da possível atividade ilícita do beneficiário no momento do sinistro foi preenchida apenas recentemente, por meio do art. 69 da Lei n. 15.040/2024, em vacatio legis até 10/12/2025.

 

Em atenção à vedação ao non liquet, verificado o hiato legislativo à época dos fatos, deve-se decidir o processo de acordo com “a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”, nos termos do art. 4º da Lei Geral de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

 

Dessa forma, por analogia, pode-se utilizar o art. 768 do Código Civil (CC), o qual estabelece que “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”. A interpretação teleológica do dispositivo, permite que a referida norma alcance não apenas o segurado, mas também o beneficiário.

 

Como consequência, nos contratos de seguro também prévios à Lei n. 15.040/2024, perderá o direito à garantia o beneficiário que agravar consciente e intencionalmente o risco objeto do contrato segurado.

 

Por sua vez, o elemento da voluntariedade opera de modo diverso no âmbito cível e no criminal. Enquanto na seara penal, a inimputabilidade está no terceiro substrato do conceito analítico de crime (fato típico, ilícito e praticado por agente culpável); para o Direito Civil, a inimputabilidade é pressuposto da livre manifestação de vontade. Isto é, trata-se de elemento prévio à averiguação da intenção (dolo ou culpa) do agente.

 

Nesse contexto, o sujeito inimputável ou incapaz, quando realiza ato contrário ao direito, não pratica ato jurídico ilícito propriamente dito, pois, conforme ensina a doutrina, os atos jurídicos (lícitos ou ilícitos) exigem a capacidade de exteriorizar a vontade. Ao contrário, o inimputável pratica um ato-fato jurídico, o qual será passível de indenização, o qual será passível de indenização, tendo em vista que a ausência de vontade não o exime, nem o seu representante legal, de reparar os danos causados a terceiros (art. 928 do CC).

 

Destarte, a averiguação acerca da intenção e voluntariedade de determinado indivíduo está umbilicalmente relacionada à sua imputabilidade e à sua capacidade de manifestar livremente a sua vontade – o que não dispõe o inimputável.

 

Ou seja, se o beneficiário, consciente e intencionalmente, agrava o risco, aplica-se a sanção legal (perda do direito ao benefício assegurado). Por outro lado, se houve o agravamento do risco – sem que seja possível identificar a manifestação de vontade, dada a inimputabilidade do beneficiário – não é possível aplicar o art. 768 do CC.

 

Logo, não há vontade civilmente relevante em sua conduta e, como tal, não há intenção dolosa apta a afastar o direito à indenização.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código Civil (CC), arts. 768 e 928.

 

Lei Geral de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), art. 4º.

 

Lei n. 15.040/2024, art. 69.

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Processo

 

REsp 1.692.931-MG, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/3/2025, DJEN 27/3/2025.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Anulação de arrematação. Art. 683 do CPC/1973. Defasagem da avaliação. Preço vil. Nova avaliação. Questionamento após a arrematação. Impossibilidade.

Destaque

 

O pedido de reavaliação de bem penhorado deverá ser feito antes de ultimada a adjudicação ou arrematação, sendo inadmissível sua apresentação em momento posterior, conforme aplicação do art. 683 do CPC/1973.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia se origina de um pedido de anulação de arrematação sob o argumento de que o bem imóvel arrematado teria sido alienado por preço vil, tendo em vista o transcurso de mais de quatro anos entre a avaliação do bem e a efetiva expropriação.

 

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao tempo do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973), tendo em vista o art. 683, assinalava que o pedido de reavaliação do bem penhorado deveria ser feito antes de ultimada a adjudicação ou arrematação, sendo inadmissível sua apresentação em momento posterior.

 

No caso analisado, não se tem propriamente um pedido de reavaliação do bem formulado no bojo da mesma execução; mas, ao contrário, uma ação autônoma, pleiteando a nulidade da arrematação por falta de avaliação atualizada do bem.

 

Nesse caso, não faz sentido discutir, com base no art. 683 do CPC/1973, sobre a ocorrência ou não de preclusão, por se tratar de um fenômeno endoprocessual, isto é, que ocorre dentro de uma mesma relação processual. Não faz sentido, em suma, afirmar que, o pedido de nova avaliação com base no art. 683 do CPC/73 pode ser formulado a qualquer tempo e até mesmo de ofício porque avesso à preclusão.

 

Dessa forma, quando referido pedido for formulado extemporaneamente, mas dentro da mesma relação processual, não poderá ser conhecido em razão da preclusão. E, quando formulado em posterior ação anulatória, não poderá ser conhecido em razão da boa-fé e da segurança jurídica.

 

Logo, se a parte interessada tem a possibilidade e o ônus processual de questionar o valor da avaliação até o momento da praça, não parece razoável admitir que ela possa quedar-se silente para, posteriormente, ajuizar uma ação anulatória com fundamento numa suposta defasagem no valor da avaliação. Tal comportamento não condiz com a boa-fé objetiva, com o princípio da cooperação entre os agentes do processo e, principalmente, com a segurança que se espera dos atos estatais.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Civil (CPC/1973), art. 683

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Processo

 

REsp 2.181.080-RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 8/4/2025.

Ramo do Direito

 

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Recuperação judicial. Prazo de carência. Supervisão judicial. Biênio legal. Art. 61 da Lei n. 11.101/2025. Nova redação trazida pela Lei n. 14.112/2020. Não incidência. Teoria do isolamento dos atos judiciais. Vontade dos credores. Prevalência.

Destaque

 

Não se aplica a atual redação do art. 61 da Lei n. 11.101/2005, que dispõe expressamente que o prazo de dois anos para a supervisão judicial independe do período de carência previsto no plano de recuperação judicial, aos processos de recuperação nos quais o plano e sua homologação são anteriores à alteração legislativa trazida pela Lei n. 14.112/2020.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia se origina de recuperação judicial, na qual foi apresentado plano de recuperação judicial e aditivos, aprovados pelos credores, com a previsão de carência de 48 (quarenta e oito) meses para o início do pagamento da maior parte dos débitos.

 

O plano de recuperação judicial e a decisão que concedeu a recuperação judicial são anteriores à entrada em vigor das alterações trazidas pela Lei n. 14.112/2020. E o julgamento do agravo de instrumento que originou o recurso especial é posterior à referida alteração legislativa.

 

Dessa forma, a discussão consiste em definir se é aplicável a atual redação do art. 61 da Lei n. 11.101/2005, que dispõe expressamente que o prazo de dois anos para a supervisão judicial independe do período de carência previsto no plano de recuperação judicial, aos processos de recuperação nos quais o plano e sua homologação são anteriores à alteração legislativa trazida pela Lei n. 14.112/2020.

 

A redação anterior do art. 61 da Lei n. 11.101/2005 dispunha que o devedor permaneceria em recuperação judicial até que se cumprissem todas as obrigações previstas no plano que vencessem até dois anos depois da concessão da recuperação judicial.

 

Na época, havia discussões, basicamente, de duas ordens: (i) acerca da possibilidade de o juízo da recuperação judicial encerrar o processo antes do decurso do biênio de supervisão judicial e (ii) na hipótese de o plano prever carência para início de seu cumprimento, qual seria o termo inicial para contagem do prazo de supervisão judicial.

 

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, mesmo antes da alteração da redação do art. 61 da Lei n. 11.101/2005 pela Lei n. 14.112/2020, era no sentido de que não havia impedimento à previsão de carência para início dos pagamentos dos credores assíncrona à supervisão judicial do juízo da recuperação.

 

A nova redação do art. 61 da Lei n. 11.101/2005 sanou tanto a discussão acerca da possibilidade de encerramento da recuperação judicial antes do decurso do biênio de supervisão quanto do termo inicial da supervisão judicial nos casos em que o plano trouxer previsão de carência para início de seu cumprimento.

 

O legislador tornou claro que a ratio do dispositivo é que cabe aos credores decidir acerca do período de fiscalização, podendo até mesmo renunciar a ele, o que ocorrerá no momento em que aprovarem o prazo de carência, o que sinaliza que se trata de norma dispositiva.

 

No caso, a apresentação do plano de recuperação e a decisão que o homologou e concedeu a recuperação judicial são anteriores à entrada em vigor da Lei n. 14.112/2020. E a Corte local, por sua vez, julgou o agravo de instrumento que deu origem ao recurso especial ao tempo em que já vigorava a nova redação da citada norma, tendo a aplicado.

 

Sendo assim, tanto o plano de recuperação como a decisão que o homologou constituem atos processuais já praticados ao tempo em que a nova redação legislativa entrou em vigor, constituindo situação jurídica consolidada sob a vigência da norma revogada, conforme a chamada teoria do isolamento dos atos processuais.

 

Por outro lado, o termo inicial do prazo de supervisão judicial ou o prazo máximo de carência previsto no plano são matérias que devem ser deliberadas em assembleia, não cabendo ao Poder Judiciário se imiscuir na vontade dos credores nesse aspecto.

 

Assim, ainda que não se possa aplicar a nova redação do art. 61 da Lei n. 11.101/2005 ao caso, observado o disposto no art. 14 do Código de Processo Civil e a teoria do isolamento dos atos processuais, a hipótese é de manutenção da vontade dos credores ao aprovarem os termos do plano de recuperação judicial, com a previsão de carência de 48 (quarenta e oito) meses para início dos pagamentos, sem nenhuma ressalva quanto à prorrogação do termo inicial do prazo de supervisão judicial, na linha da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 11.101/2005, art. 61

 

Código de Processo Civil (CPC), art. 14

Saiba mais:

 

Informativo de Jurisprudência n. 672

 

QUARTA TURMA

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Processo

 

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/3/2025.

Ramo do Direito

 

DIREITO CIVIL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Inventário. Uso exclusivo de imóvel. Prévia indenização. IPTU pago pelo espólio. Desconto do quinhão hereditário do ocupante. Impossibilidade. Dupla compensação. Vedação. Enriquecimento sem causa.

Destaque

 

Nas relações entre herdeiros, havendo fixação de indenização pelo uso exclusivo do imóvel, não é possível o desconto adicional dos valores de IPTU do quinhão do ocupante, sem prévio acordo, sob pena de dupla compensação pelo mesmo fato e enriquecimento sem causa.

Informações do Inteiro Teor

 

A questão controvertida diz respeito à possibilidade de desconto, do quinhão hereditário de herdeira que utilizava com exclusividade o imóvel do espólio, dos valores pagos a título de Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), mesmo quando fixada indenização pelo uso.

 

Conforme dispõem os artigos 1.784 e 1.791 do Código Civil, a herança é transmitida como um todo unitário aos herdeiros, sendo que, até a partilha, os direitos de propriedade e posse permanecem indivisíveis, na forma de espólio. Isso significa que o espólio é quem deve arcar com as responsabilidades que decorrem da herança.

 

O art. 1.997 do mesmo Código reforça essa ideia ao dispor que o espólio é responsável por todas as dívidas deixadas pelo de cujus, dentro dos limites da herança, até a realização da partilha.

 

O fato de a obrigação decorrer do exercício do direito de propriedade e estar intrinsecamente ligada à coisa implica reconhecimento da existência de solidariedade entre os titulares do direito real de propriedade, pelo qual todos respondem pelas despesas da coisa. Desse modo, enquanto a partilha não ocorre, a responsabilidade pelo pagamento do IPTU deve recair sobre o espólio, matéria sobre a qual não há controvérsia nos autos.

 

Em relação às obrigações entre os herdeiros, aquele que usufrui exclusivamente do imóvel pode ser compelido judicialmente a compensar os demais sucessores, visando a evitar o enriquecimento sem causa.

 

A Terceira Turma do STJ consolidou o entendimento de que, quando o inventariante reside de forma exclusiva no imóvel em questão, impedindo o uso pelos demais herdeiros e não pagando aluguel ou indenização de espécie alguma, “não se mostra razoável que as verbas de condomínio e de IPTU, após a data do óbito do autor da herança, sejam custeadas pelos demais herdeiros, sob pena de enriquecimento sem causa, devendo, portanto, as referidas despesas serem descontadas do quinhão da inventariante” (REsp n. 1.704.528/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 14/8/2018, DJe 24/8/2018).

 

No caso, conforme registrado no acórdão recorrido, já foi estabelecida indenização pelo uso exclusivo do imóvel. Ademais, não houve prévia estipulação entre as partes, seja quanto ao ressarcimento do IPTU ao espólio pelo herdeiro ocupante (art. 22, VIII, da Lei n. 8.245/1991), seja quanto a qualquer outra obrigação decorrente da ocupação do imóvel.

 

Dessa forma, uma vez que a utilização exclusiva do bem foi objeto de compensação mediante o pagamento de indenização, não se justifica o desconto adicional dos valores de IPTU pagos pelo espólio do quinhão da herdeira ocupante a título de nova indenização. Tal desconto configuraria dupla indenização pelo mesmo fato (uso exclusivo do imóvel) e resultaria enriquecimento sem causa da outra herdeira, que receberia duas compensações pelo mesmo evento.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código Civil (CC), artigos 1.784< /a>, 1.791 e 1.997;

 

Lei n. 8.245/1991, art. 22, VIII.

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Processo

 

REsp 2.130.141-RS, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 1/4/2025.

Ramo do Direito

 

DIREITO CIVIL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Alienação fiduciária. Súmula n. 308 do STJ. Inaplicabilidade. Ratio decidendi. Similaridade normativa. Hipoteca. Inexistência. Venda a non domino. Promessa de compra e venda. Cessão de direito. Terceiro de boa-fé. Irrelevância. Proprietário fiduciário. Ineficácia.

Destaque

 

Não deve ser aplicado, por analogia, o entendimento firmado na Súmula n. 308 do STJ aos casos envolvendo garantia real por alienação fiduciária.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia se concentra na possibilidade de aplicação, por analogia, da Súmula n. 308 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aos casos envolvendo garantia por alienação fiduciária.

 

A Súmula n. 308/STJ estabelece que a hipoteca firmada entre a incorporadora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não possui eficácia perante os adquirentes do imóvel.

 

Nesse sentido, a hipoteca é um direito real de garantia que incide sobre um imóvel para assegurar o pagamento de uma dívida. Nesse caso, o devedor, proprietário do imóvel, concede ao credor o direito de preferência no recebimento do crédito em caso de inadimplência, mediante a constituição de uma garantia sobre o imóvel.

 

Por outro lado, a alienação fiduciária é um instituto previsto na Lei n. 9.514/1997, que permite a transferência da propriedade do bem – no caso, o imóvel – ao credor fiduciário, geralmente instituição financeira, como garantia do contrato de financiamento ou empréstimo (art. 22). Nesse caso, o devedor fiduciante transfere a propriedade do imóvel ao credor até que a dívida seja quitada. Após o pagamento integral, a propriedade é transferida de volta ao devedor.

 

Desse modo, para o credor fiduciário, a propriedade fiduciária representa direito real sobre bem próprio, sujeita a condição resolutiva, enquanto a hipoteca constitui direito real sobre bem alheio.

 

Do ponto de vista do devedor, na alienação fiduciária, ele possui o direito de adquirir o imóvel, enquanto, na hipoteca, ele se mantém na propriedade do bem.

 

As implicações principais dessas diferenças são a titularidade do bem oferecido como garantia e o desdobramento da posse. Assim, no caso da hipoteca, o devedor é tanto o proprietário quanto o possuidor direto do imóvel, enquanto o credor detém apenas direito real de garantia.

 

Por outro lado, na propriedade fiduciária, há uma separação da posse, permitindo que o devedor possua o bem diretamente, além de ter o direito real de aquisição, enquanto o credor possui a propriedade sujeita a condição resolutiva e é o possuidor indireto.

 

Infere-se daí que, quando o devedor hipotecário firma um contrato de promessa de compra e venda de imóvel com terceiro de boa-fé, ele está negociando bem do qual é proprietário. No entanto, essa situação distingue-se significativamente daquela do devedor fiduciante, uma vez que, ao negociar bem garantido fiduciariamente, venderá imóvel que pertence ao credor fiduciário.

 

Logo, não há como justificar a aplicação da Súmula n. 308/STJ à alienação fiduciária diante do tratamento normativo distinto conferido aos devedores de ambas as garantias reais. Enquanto o devedor hipotecário detém a propriedade, o devedor fiduciante possui apenas a posse direta do imóvel, sendo, portanto, o negócio jurídico celebrado com terceiro de boa-fé ineficaz em face do proprietário do bem, o credor fiduciário.

 

Esse é o entendimento pacífico desta Corte Superior, segundo a qual, na venda a non domino, o negócio jurídico realizado por quem não é dono não produz efeito algum em relação ao proprietário, havendo nulidade absoluta, impossível de ser convalidada pelo transcurso do tempo, sendo irrelevante a boa-fé do adquirente.

 

Diante desse contexto, se o devedor fiduciante, por contrato de promessa de compra e venda ou de cessão de direito, negocia com terceiro de boa-fé bem imóvel de propriedade do credor fiduciário, tal transação não afeta a alienação fiduciária devidamente registrada por escritura pública. Consequentemente, torna-se inviável aplicar o entendimento sumular.

 

A aplicação da Súmula n. 308/STJ aos contratos de alienação fiduciária pode gerar efeitos prejudiciais aos próprios consumidores, tendo em vista o aumento do risco percebido pelos agentes financeiros ao concederem financiamentos para aquisição de imóveis, com a consequente elevação do custo de crédito.

 

Ainda há outro fator a ser considerado: a ratio decidendi dos precedentes que deram ensejo à Súmula n. 308/STJ está intrinsecamente ligada ao fato de o imóvel, dado como garantia hipotecária, ter sido adquirido no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, o qual estabelece normas mais protetivas para as partes vulneráveis. Portanto, o entendimento sintetizado nessa nota sumular não se aplica aos casos em que a transação imobiliária foi realizada pelo Sistema Financeiro Imobiliário.

 

Por fim, não é possível estender uma hipótese de exceção normativa para restringir a aplicação de regra jurídica válida. A Súmula n. 308/STJ criou uma exceção à regra geral do direito imobiliário sobre a prioridade registral, ao afirmar que a hipoteca celebrada entre a incorporadora e a instituição financeira não teria eficácia perante os adquirentes que conseguiram crédito por intermédio do Sistema Financeiro da Habitação.

 

Por sua vez, há regra jurídica válida acerca da hipótese de negócio jurídico realizado pelo devedor fiduciante e seus efeitos sobre o adquirente da obrigação. A Lei n. 9.514/1997 é clara e literal ao exigir a anuência expressa do credor fiduciário para que o devedor fiduciante possa transmitir os direitos sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia.

 

Essa transferência implica que o adquirente assuma todas as obrigações relacionadas ao imóvel em questão (art. 29). Por isso, se, por contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel ou de cessão de direitos, o devedor fiduciante negociou bem imóvel de titularidade do credor fiduciário sem sua expressa anuência, esse acordo apenas produzirá efeitos entre os contratantes.

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 9.514 /1997, art. 22 e 29.

Súmulas

 

Súmula n. 308/STJ

Saiba mais:

 

Súmula Anotada n. 308

Jurisprudência em Teses / DIREITO CIVIL – EDIÇÃO N. 110: DOS CONTRATOS DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA E DE COMPRA E VENDA DE BENS IMÓVEIS – II

Pesquisa Pronta / DIREITO EMPRESARIAL – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Informativo de Jurisprudência n. 594

 

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Processo

 

REsp 1.792.271-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 1º/4/2025.

Ramo do Direito

 

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Desconsideração da personalidade jurídica. Art. 50 do CC/2002. Responsabilidade patrimonial. Terceiros sem vínculo jurídico com as sociedades atingidas. Impossibilidade. Confusão ou desvio patrimonial. Irrelevância.

Destaque

 

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 50 do CC/2002, não se presta para atribuir responsabilidade patrimonial a terceiros que não têm qualquer espécie de vínculo jurídico com as sociedades atingidas, ainda que se cogite da ocorrência de confusão ou desvio patrimonial, a ensejar suposta fraude contra credores.

Informações do Inteiro Teor

 

Cinge-se a controvérsia à possibilidade de interpretação ampliativa do instituto da desconsideração da personalidade jurídica a fim de se atingir o patrimônio de terceiros – filhos dos sócios da devedora – beneficiados por atos de confusão e desvio patrimonial.

 

No caso, o Tribunal de origem admitiu que os irmãos recorrentes fossem atingidos pela desconsideração tão somente pelo fato de que seus pais, sócios nas empresas do grupo econômico e também atingidos pela desconsideração clássica da personalidade jurídica, realizaram doações de imóveis e em dinheiro aos referidos filhos. Limitou a responsabilidade dos recorrentes aos bens recebidos em doação ou adquiridos com dinheiro doado por seus pais em data posterior ao “saque do título exequendo”.

 

A norma do art. 50 do CC/2002, na antiga e na atual redação, evidencia que a desconsideração da personalidade jurídica, destinada a relativizar a separação entre o sócio e a respectiva pessoa jurídica com o propósito de combater fraudes, desvios de patrimônio e confusão patrimonial, permite a responsabilização (i) de sócios por obrigações das respectivas empresas, (ii) de empresas por obrigações de sócios e (iii) de empresas por obrigações de outras pessoas jurídicas do mesmo grupo econômico.

 

Nesse sentido, inexiste previsão legal ou viabilidade de interpretação ampliativa com o propósito de aplicar a desconsideração para responsabilizar os filhos pelas obrigações dos pais, mesmo que estes tenham sido atingidos por desconsideração para adimplir obrigações de sociedades das quais fazem parte.

 

Por outro lado, o reconhecimento da fraude contra credores pressupõe o ajuizamento de ação pauliana (CC/2002, art. 161), afigurando-se descabido declará-la em caráter incidental, no bojo de feito executivo e com amparo em normas jurídicas que disciplinam instituto diverso, somente concebido para afastar, de modo excepcional e em circunstâncias específicas, a proteção legal e a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios. Os requisitos e o procedimento para avaliar o cabimento da desconsideração da personalidade jurídica não se confundem com as questões que são objeto da demanda na qual se decide sobre a fraude contra credores.

 

De fato, “a desconsideração da personalidade jurídica não se assemelha à ação revocatória falencial ou à ação pauliana, seja em suas causas justificadoras, seja em suas consequências. A primeira (revocatória) visa ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico tido como suspeito, e a segunda (pauliana) à invalidação de ato praticado em fraude a credores, servindo ambos os instrumentos como espécies de interditos restitutórios, no desiderato de devolver à massa, falida ou insolvente, os bens necessários ao adimplemento dos credores, agora em igualdade de condições (arts. 129 e 130 da Lei n. 11.101/05 e art. 165 do Código Civil de 2002)”. “A desconsideração da personalidade jurídica, a sua vez, é técnica consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica – ‘rectius’, ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa -, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade” (REsp n. 1.180.191/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 5/4/2011, DJe de 9/6/2011).

 

Ademais, no âmbito da ação pauliana, ajuizada com suporte em causa de pedir específica e pedido expresso para se reconhecer a ineficácia da alienação, o credor deve demonstrar o preenchimento dos requisitos legais para configurar a fraude, quais sejam o eventus damni, o consilium fraudis (ou scientia fraudis), e, além disso, a anterioridade da dívida, na medida em que o art. 158, § 2º, do CC/2002 dispõe que “[s]ó os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles”.

 

No caso, os recorrentes – que não eram sócios das empresas devedoras e tampouco das outras sociedades que com aquelas formavam grupo econômico – receberam bens de seus pais em data anterior ao ajuizamento da demanda e, parte deles, antes mesmo do momento em que constituída a obrigação. Tanto por isso que o Tribunal de origem, no julgamento da apelação, afastou sua responsabilidade pelo débito propriamente dito e, além disso, determinou fossem levantadas as constrições incidentes sobre bens adquiridos por doação ou com dinheiro doado pelos pais em data anterior ao saque do título executivo. Ressalta-se ainda que a Corte local não afirmou confusão patrimonial entre as empresas devedoras e os recorrentes, senão apenas entre aquelas.

 

A responsabilidade dos recorrentes deu-se em caráter puramente patrimonial, eis que somente foi declarada a ineficácia das alienações posteriores ao momento em que constituída a dívida. É dizer: embora tenha afirmado que estava desconsiderando a personalidade jurídica das empresas envolvidas, no que se refere aos recorrentes, o Tribunal local em verdade reconheceu a ocorrência de fraude contra credores, todavia sem que observado o procedimento previsto em lei.

 

Nesse contexto, viola o devido processo legal declarar a ineficácia da alienação de bens, incidentalmente, a partir de um simples requerimento do credor, que afirma a prática de atos supostamente fraudulentos, todos eles ocorridos em data anterior ao ajuizamento da ação. Não pode fazê-lo o Judiciário, por sua vez, invocando instituto jurídico impertinente, que não serve ao reconhecimento da fraude contra credores.

 

Dessa forma, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 50 do CC/2002, não se presta para atribuir responsabilidade patrimonial a terceiros que não têm qualquer espécie de vínculo jurídico com as sociedades atingidas, ainda que se cogite da ocorrência de confusão ou desvio patrimonial, a ensejar suposta fraude contra credores.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código Civil (CC/2002), artigos 50; 158, §2º; 161 e 165.

 

Lei n. 11.101/2005, artigos 129 e 130.

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Processo

 

AgInt no REsp 1.438.257-SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 24/3/2025, DJEN 31/3/2025.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Ação Coletiva Substitutiva. Associação civil. Execução de sentença coletiva. Procuração individual. Necessidade.

Destaque

 

Na execução de sentença coletiva lavrada no julgamento de Ação Coletiva Substitutiva, é necessária a apresentação de procurações individuais pelas associações civis que atuam em nome dos terceiros exequentes.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia consiste em saber se, na execução de sentença coletiva lavrada no julgamento de Ação Coletiva Substitutiva, é necessária a apresentação de procurações individuais pelas associações civis que atuam em nome dos terceiros exequentes.

 

De início, é válido ressaltar que o Tema 948/STJ não se aplica ao caso, pois é restrito à possibilidade de liquidação e execução pelo próprio beneficiado pela procedência do pedido, enquanto o caso em análise trata de execução individual coletivizada, proposta pela associação.

 

Os Temas n. 82/STF e 499/STF também não são úteis, pois tratam de execução de Sentença Coletiva em Ação Coletiva Representativa, nas quais também é exigida a apresentação de procurações dos beneficiários das Sentenças Coletivas Representativas em execução. Ademais, tais temas dedicam-se a analisar caso de execução de Sentença Coletiva produzida no julgamento de Ação Coletiva Representativa-ACR, hipótese diversa do caso aqui versado: execução de Sentença Coletiva exarada no julgamento de Ação Coletiva Substitutiva-ACS.

 

Observa-se também que a exigência de apresentação de procuração individualizada não se confunde com a legitimação genérica dada às associações civis, de promoverem a execução de Sentenças Coletivas Representativas e Substitutivas, cuja fase de conhecimento pode ter tido por objeto interesses ou direitos difusos, interesses ou direitos coletivos e interesses ou direitos individuais homogêneos, conforme a remissão feita pelos artigos 97 e 98 ao art. 82 e a deste ao art. 81, todos do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

 

Com efeito, destaca-se que as associações civis, no âmbito do processo coletivo, podem atuar de três maneiras, cada qual com características próprias.

 

A primeira forma de atuação das associações civis é como parte autora de ação civil pública ou de ação coletiva de consumo, de natureza substitutiva, quando, preenchidos os requisitos temporal e de pertinência temática, possuem ampla legitimidade ativa, por substituição, prescindindo da juntada de autorização e de procuração de seus associados ou de beneficiados. Agem, nesse caso, em nome próprio em defesa de direitos alheios.

 

Como essa forma de atuação é reservada à fase de conhecimento, ela é impertinente ao presente caso, que cuida de fase de execução.

 

A segunda forma de atuação, ainda por substituição e no âmbito do processo coletivo, é a de promover o recuperação fluida (fluid recovery), prevista no art. 100 do CDC, constituindo específica e acidental hipótese de execução coletiva de danos causados a interesses individuais homogêneos, caso não haja habilitação por parte dos beneficiários ou haja em número incompatível com a gravidade do dano, situação na qual os valores executados serão revertidos para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos – FDD, criado pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Também aqui, agem em nome próprio em defesa de direitos alheios.

 

Como essa forma de atuação cuida de execução em prol de Fundo Público, não cabe, por óbvio a juntada de procurações.

 

A terceira forma de atuação é de natureza representativa, quando promovem a execução da sentença coletiva em nome de terceiros, ainda que favorecendo um grande número de legitimados em um único processo, por questões de economia processual.

 

Nessa hipótese, age, de forma ordinária, em nome de terceiros e defendendo interesses alheios, situação na qual se faz necessário a inclusão do nome dos interessados na autuação do processo, assim como a juntada de procuração específica para a prática de atos de disposição de direitos.

 

Desse modo, essa é a forma de atuação que rege o caso em questão. A associação quando promove a fase de conhecimento da Ação Coletiva Substitutiva tem ampla legitimidade, prescindindo da apresentação de instrumento de representação de associados, porquanto os efeitos positivos da Sentença Coletiva se estendem a todas as vítimas e seus sucessores (art. 97 do CDC) independentemente de filiação à associação autora da ação.

 

Por outro lado, quando executa a sentença coletiva de forma coletivizada, sua atuação perde a natureza substitutiva, adquirindo feição representativa, daí a necessidade de instrução da inicial com os instrumentos de representação (procuração) de todos aqueles beneficiários listado na inicial.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Defesa do Consumidor (CDC), artigos 81, 82, 97, 98 e 100.

 

Lei n. 7.347/1985.

Precedentes Qualificados

 

Tema 948/STJ

 

Tema n. 82/STF

 

Tema n. 499/STF

Saiba mais:

 

Informativo de Jurisprudência n. 23 – Edição Especial

Informativo de Jurisprudência n. 730

Informativo de Jurisprudência n. 842

Informativo de Jurisprudência n. 785

 

QUINTA TURMA

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Processo

 

AgRg no HC 965.224-MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 8/4/2025.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Busca e apreensão. Prévia autorização judicial. Ausência de mandado físico. Provas ilícitas.

Destaque

 

A ausência de mandado físico, ainda que com autorização judicial prévia, compromete a legalidade da busca e apreensão, tornando ilícitas as provas obtidas.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia consiste em saber se a ausência de mandado de busca e apreensão compromete a legalidade da diligência, mesmo havendo autorização judicial prévia.

 

Na dicção do art. 241 do CPP, quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado. Em outras palavras, o mandado não é algo dispensável, mas essencial ao adequado cumprimento da diligência judicialmente determinada.

 

Dessa forma, falece legitimidade a quem deu cumprimento à determinação judicial não materializada no mandado de busca e apreensão, já que a despeito das prévias investigações que deram ensejo à decisão que determinou a busca, a formalidade de expedição do mandado não foi cumprida, de modo que são inválidos todos os elementos de prova colhidos neste ato.

 

Nesse sentido, “A obtenção de elementos de convicção ou de possíveis instrumentos utilizados na prática de crime – ainda que seja ao tempo do cumprimento da ordem de prisão no domicílio do réu – exige autorização judicial prévia, mediante a expedição do respectivo mandado de busca e apreensão (art. 241 do CPP), no qual devem ser especificados, dentre outros, o endereço a ser diligenciado, o motivo e os fins da diligência (art. 243 do CPP), o que, no entanto, não ocorreu” (RHC n. 153.988/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 11/4/2023 , DJe de 19/4/2023).

 

Portanto, a ausência de mandado físico, ainda que com autorização judicial prévia, compromete a legalidade da busca e apreensão, tornando ilícitas as provas obtidas.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Penal (CPP), art. 241 e 243.

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Processo

 

AgRg no RHC 200.123-MG, Rel. Ministra Daniela Teixeira, Rel. para acórdão Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por maioria, julgado em 26/2/2025, DJEN 12/3/2025.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Tráfico de drogas. Busca domiciliar. Porte ilegal de arma de fogo em via pública. Reiteradas denúncias anônimas detalhadas. Presença de fundadas razões. Consentimento verbal da companheira do investigado. Desnecessidade de registro por escrito ou audiovisual. Relatos dos policiais coerentes e compatíveis com as demais provas dos autos. Ausência de indícios de abuso ou desvio de finalidade. Validade do ingresso domiciliar.

Destaque

 

É válido o ingresso domiciliar precedido da autorização verbal da companheira do investigado, ainda que o consentimento não tenha sido documentado por escrito ou em registro audiovisual, quando os relatos dos agentes públicos envolvidos, revestidos de presunção de veracidade, forem coerentes e compatíveis com as demais provas dos autos, inexistindo indícios de abuso ou desvio de finalidade por parte da atuação policial.

Informações do Inteiro Teor

 

A questão submetida a julgamento versa sobre a legalidade de busca domiciliar, sem mandado judicial, realizada com base em reiteradas denúncias anônimas e com autorização para ingresso ao domicílio realizada pela companheira do acusado.

 

Conforme consignado nos autos do caso em questão, os policiais militares receberam reiteradas denúncias anônimas detalhadas acerca de tráfico de drogas praticado pelo acusado.

 

Durante patrulhamento, os agentes abordaram o acusado em via pública, encontrando em sua posse uma arma de fogo municiada, tendo o próprio indivíduo confessado guardar cocaína em sua residência, indicando sua localização precisa.

 

Em seguida, o ingresso no domicílio foi autorizado pela companheira do agravado, conforme declarado pelos policiais e registrado em depoimento. Tais circunstâncias revelam o conjunto de elementos objetivos e contemporâneos que caracterizam o estado de flagrância, indispensável para justificar a busca domiciliar.

 

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é clara ao afirmar que a entrada em domicílio sem mandado judicial é lícita quando há fundadas razões, posteriormente demonstradas, que indiquem a prática de crime no interior do imóvel, especialmente em casos de flagrante delito envolvendo crimes permanentes, como o tráfico de drogas (Tema n. 280/STF de Repercussão Geral – RE 603.616-RO).

 

No caso, o conjunto probatório produzido evidencia a conformidade da diligência policial com os parâmetros constitucionais. A apreensão de arma de fogo na posse do agravado e sua confissão sobre a droga armazenada no imóvel constituem elementos suficientes para justificar o ingresso no domicílio sem necessidade de prévia autorização judicial. Ademais, a autorização verbal de sua companheira reforça a legalidade da operação, não havendo exigência de consentimento documentado por escrito ou audiovisual para a sua validade, conforme reconhecido pela Suprema Corte (RE 1447045 AgR, Relator(a): Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 2/10/2023, Processo Eletrônico, DJe-s/n Divulg. 6/10/2023 Public 9/10/2023).

 

Destaca-se, ainda, que os relatos dos agentes públicos envolvidos, revestidos de presunção de veracidade, foram coerentes e compatíveis com as demais provas dos autos, inexistindo indícios de abuso ou desvio de finalidade por parte da atuação policial.

 

Ademais, o tráfico de drogas, por sua natureza permanente, justifica a continuidade do estado de flagrância e as medidas necessárias para sua repressão, inclusive a busca domiciliar sem mandado judicial.

 

Logo, o reconhecimento da validade da busca domiciliar é imprescindível para a manutenção da ordem pública e da eficácia no combate ao tráfico de drogas, evitando que formalidades excessivas impeçam a atuação legítima das autoridades policiais e promovam a impunidade.

Informações Adicionais

Precedentes Qualificados

 

Tema n. 280/STF

Saiba mais:

 

Informativo de Jurisprudência n. 778

Jurisprudência em Teses / DIREITO PROCESSUAL PENAL – EDIÇÃO N. 237: BUSCA E APREENSÃO EM PROCESSO PENAL II

Informativo de Jurisprudência n. 807

Informativo de Jurisprudência n. 800

Informativo de Jurisprudência n. 725

Pesquisa Pronta / DIREITO PROCESSUAL PENAL – PRINCÍPIOS

 

SEXTA TURMA

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Processo

 

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador convocado do TJSP), Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 8/4/2025.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Dosimetria da pena. Circunstâncias do crime. Roubo noturno. Ausência de maior gravidade do modus operandi. Exasperação da pena-base. Impossibilidade.

Destaque

 

A prática de roubo no período noturno, por si só, não justifica a exasperação da pena-base, pois tal circunstância não é reveladora da maior gravidade do modus operandi.

Informações do Inteiro Teor

 

A questão em discussão consiste em saber se a prática de roubo no período noturno, por si só, justifica a exasperação da pena-base.

 

No caso, o Tribunal de origem entendeu que a circunstância judicial referente às circunstâncias do crime deveria ser valorada como negativa, sob o fundamento de que “o assalto foi praticado durante o período noturno, por volta de 22h47min, o que facilitou a prática delituosa, tendo em vista que se trata de período de pouca visibilidade e de menor circulação de pessoas em via pública”.

 

Com efeito, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as circunstâncias do crime como circunstância judicial referem-se à maior ou menor gravidade do crime em razão do modus operandi (AgRg no AREsp n. 2.744.847/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/11/2024, DJe de 4/12/2024).

 

Ocorre que a mera alegação de que o delito foi praticado no período noturno, por volta de 22 horas, não é circunstância reveladora da maior gravidade do modus operandi.

 

Nesse sentido, já decidiu a Quinta Turma do STJ que “Não pode o fato de o delito ter sido praticado à noite, por si só, ser levado em consideração como circunstância negativa, pois referido raciocínio levaria ao aumento também quando o delito fosse cometido à luz do dia, havendo, portanto, sempre uma exasperação da pena” (HC n. 181.381/MS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 4/9/2012, DJe 11/9/2012).

Informações Adicionais

Legislação

 

Código Penal, art. 157.

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Processo

 

RHC 212.836-RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 20/3/2025, DJEN 27/3/2025.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Prisão preventiva. Ausência de fundamentação concreta na sentença condenatória. Suplementação da fundamentação pelo Tribunal de origem. Impossibilidade.

Destaque

 

No julgamento de habeas corpus, não cabe ao Tribunal acrescer fundamentos para justificar a prisão preventiva mantida na sentença condenatória sem qualquer fundamentação concreta.

Informações do Inteiro Teor

 

O art. 387, § 1º, do Código de Processo Penal prevê que, ao proferir sentença condenatória, o juiz deverá decidir, fundamentadamente, sobre a imposição ou a manutenção da prisão preventiva ou de outra medida cautelar.

 

No caso, na sentença condenatória, não há fundamentação concreta para a manutenção da segregação cautelar, limitando-se o Juízo de primeiro grau a mencionar a quantidade de pena aplicada, sem nem sequer pontuar que persistiriam os motivos autorizadores da custódia cautelar, circunstância que evidencia constrangimento ilegal e justifica a revogação da prisão cautelar.

 

Não bastasse, verifica-se que o Tribunal de origem indevidamente acresceu fundamentação para a denegação da ordem com o fim de suprir a omissão do Juízo de origem, legitimando indevidamente o ato coator.

 

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que não cabe ao Tribunal de origem acrescer fundamentos no julgamento do habeas corpus originário para suprir omissão do juízo sentenciante.

 

Nessa direção, “…o acréscimo de fundamentos na via do habeas corpus, pelo Tribunal local, não se presta a suprir a ausente motivação do Juízo natural, sob pena de, em ação concebida para a tutela da liberdade humana, legitimar-se o vício do ato constritivo ao direito de locomoção do paciente.” (AgRg no HC 903.795/RO, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 4/9/2024).

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Penal (CPP), art. 387, § 1º.

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Processo

 

HC 898.278-SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 8/4/2025.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

Posse ilegal de arma de fogo. Confissão extrajudicial inválida. Pleito de absolvição. Descabimento. Testemunho policial. Necessidade de valoração racional do seu conteúdo. Possibilidade de utilização como meio de prova. Conjunto probatório suficiente para a condenação.

Destaque

 

O testemunho policial pode, sim, servir de prova em um processo criminal, devendo, para tanto, ter seu conteúdo racionalmente valorado.

Informações do Inteiro Teor

 

No caso, o paciente foi condenado pelo delito previsto no art. 12 da Lei n. 10.826/2003. Pode-se resumir a dinâmica dos fatos como um encontro de arma de uso permitido acompanhada de 10 cartuchos para os quais, contudo, o acusado não tinha autorização de uso. O paciente confessou o crime em seu interrogatório.

 

Na sentença, o Juízo decidiu pela condenação pois, entre a versão alterada do réu e a versão constante dos policiais, conferiu o magistrado credibilidade aos segundos. Na ocasião, o acusado muda a sua versão para dizer que a arma, em realidade, seria do pai, e não dele. O próprio genitor inclusive volta a dizer que a arma era do filho.

 

Em que pese a defesa tenha razão ao apontar para a imprestabilidade probatória da confissão extrajudicial, disso não se deve concluir que o réu mereça ser absolvido. Isso porque, ao contrário do afirmado pela defesa, há provas suficientes das quais pode-se concluir pela culpabilidade do acusado: os testemunhos dos policiais somados à declaração oferecida pelo pai, todas prestadas em juízo, vão no mesmo sentido.

 

É importante esclarecer que no processo penal não há que se defender extremos; nem de automática credibilidade, nem de automática rejeição à palavra do policial. O testemunho policial pode, sim, servir de prova em um processo criminal, devendo, para tanto, ter seu conteúdo racionalmente valorado.

 

No presente processo, a versão dos fatos apresentada pelos policiais, segundo a qual a arma e os projéteis pertenceriam ao paciente, foi corroborada pelo pai do acusado. Por sua vez, a afirmação feita pelo genitor do réu de fato merece credibilidade: a arma não seria dele, funcionário público de reputação ilibada, e sim de seu filho, quem já ostenta outros crimes, conforme se verifica por sua folha de antecedentes, e quem teria motivos para, por meio de uma negativa falsa oferecida em juízo, tentar se evadir de sua responsabilidade penal.

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 10.826/2003, art. 12.

Saiba mais:

 

Informativo de Jurisprudência n. 844

Informativo de Jurisprudência n. 756

 

RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO

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Processo

 

ProAfR no REsp 2.154.735-AM, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 1º/4/2025, DJEN 8/4/2025. (Tema 1326).

 

ProAfR no REsp 2.154.746-PI, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 1º/4/2025, DJEN 8/4/2025 (Tema 1326).

Ramo do Direito

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 2.154.735-AM e REsp 2.154.746-PI ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: “definir se o prazo prescricional da pretensão de cobrança de complementação de recursos relativos ao Valor Mínimo Anual por Aluno (VMAA), repassado ao FUNDEB /FUNDEF, deve ser apurado mês a mês, e não anualmente”.

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Processo

 

ProAfR no REsp 2.175.768-ES, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, julgado em 1º/4/2025, DJEN 10/4/2025. (Tema 1327).

 

ProAfR no REsp 2.175.767-ES, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, julgado em 1º/4/2025, DJEN 10/4/2025 (Tema 1327).

Ramo do Direito

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 2.175.768-ES e REsp 2.175.767-ES ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: “possibilidade de aplicação retroativa da Resolução ANTT 5.847/2019, por ser mais benéfica ao infrator, ainda que a infração cometida seja anterior à sua edição”.

RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO

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Processo

 

ProAfR no REsp 2.145.244-SC, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 1º/4/2025, DJEN 11/4/2025. (Tema 1328).

Ramo do Direito

 

DIREITO CIVIL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

A Segunda Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 2.145.244-SC ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: “se há dano moral in re ipsa na hipótese de invalidação da contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) em benefício previdenciário”.

RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO

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Processo

 

ProAfR no REsp 2.154.295-RS, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, julgado em 8/4/2025, DJEN 14/4/2025. (Tema 1329).

 

ProAfR no REsp 2.163.058-SC, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, julgado em 8/4/2025, DJEN 14/4/2025 (Tema 1329).

Ramo do Direito

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 2.154.295-RS e REsp 2.163.058-SC ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: “definir se, no processo administrativo para imposição de sanções por infração ao meio ambiente, regulado pelo Decreto 6.514/2008, é válida a intimação por edital para a apresentação de alegações finais, mesmo nos casos em que o autuado possua endereço certo e conhecido pela Administração”.

RECURSOS REPETITIVOS – AFETAÇÃO

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Processo

 

ProAfR no REsp 2.163.773-SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 8/4/2025, DJEN 14/4/2025. (Tema 1330).

 

ProAfR no REsp 2.163.777-SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 8/4/2025, DJEN 14/4/2025 (Tema 1330).

Ramo do Direito

 

DIREITO CIVIL

Tema

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

 

A Primeira Seção acolheu a proposta de afetação do REsp 2.163.773-SP e REsp 2.163.777-SP ao rito dos recursos repetitivos, a fim de uniformizar o entendimento a respeito da seguinte controvérsia: “definir se a vaga de garagem com matrícula própria constitui bem de família para fins de penhora, à luz do artigo 1.331, § 1º, do Código Civil”.

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