Decisão judicial determina que cláusula de limitação de responsabilidade prevista no Bill of Lading é inaplicável

Trata-se de ação regressiva de ressarcimento, em razão do pagamento de indenização por conta de alegada avaria de carga transportada por via marítima. Narra a autora que firmou contrato de seguro com Supermax Brasil Importadora S/A a fim de garantir o transporte internacional de “luvas de látex”, sendo que o Terminal Contêineres de Paranaguá (TCP) constatou que a unidade de carga apresentava danos estruturais, verificando-se que os produtos apresentavam avarias, razão pela qual a autora procedeu ao pagamento da indenização de seguro. Desse modo, pleiteia o ressarcimento dos valores indenizados.

Foram apresentadas preliminares e estas rejeitadas.

No mérito; A ré sustenta que a ausência de protesto formal pelo destinatário, no ato da entrega da mercadoria, acarreta decadência do direito da autora, conforme disposições da Convenção de Haia-Visby e práticas internacionais de transporte marítimo.

Ao analisar os autos a magistrada se pronuncia da seguinte forma:

Embora o protesto seja um instrumento formalmente exigido em alguns regimes internacionais, no ordenamento jurídico brasileiro tal exigência não é absoluta.

Conforme o artigo 754 do Código Civil, o transportador, ou aquele que forneceu o contêiner como parte essencial da cadeia logística, deve entregar a carga no estado em que a recebeu.

Além disso, o artigo 749 reforça o dever de cautela na guarda e transporte da carga.

No caso, a ausência de protesto formal foi suprida pela comprovação inequívoca do dano por meio de documentos como:

Relatório técnico do Terminal de Contêineres de Paranaguá que identificou danos estruturais no contêiner e na mercadoria e Laudo técnico da carga, indicando avarias nas 446 caixas de luvas de látex (mov. 1.7).

Esses documentos demonstram que os danos foram constatados no momento do desembarque, sendo desnecessária a formalização de protesto. Não há decadência do direito de ação, uma vez que o dano foi devidamente comprovado e a ré não demonstrou que os danos ocorreram fora de sua responsabilidade.

Da não responsabilidade da ré, em razão da não demonstração do nexo de causalidade

A ré argumenta que não existe nexo de causalidade entre sua atuação (fornecimento do contêiner) e os danos à mercadoria, sugerindo que o dano poderia ter ocorrido em outras etapas da logística, sob responsabilidade de terceiros.

Essa alegação não se sustenta.

Conforme documentação apresentada pela autora, a carga foi acondicionada no contêiner fornecido pela ré, em perfeito estado, no momento do embarque.

Na mesma linha, o relatório técnico do TCP indica que os danos foram constatados no desembarque, ainda sob responsabilidade do contêiner fornecido pela ré.

Como cediço, na condição de proprietária do contêiner, a ré tem responsabilidade objetiva decorrente da sua condição de fornecedora de um equipamento essencial para o transporte seguro da mercadoria, conforme o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil. É incumbência da ré assegurar que o contêiner esteja em condições adequadas para o transporte.

A ré não apresentou qualquer prova de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva de terceiros que pudesse excluir sua responsabilidade, conforme lhe incumbia nos termos do artigo 373, II, do CPC, denotando-se a ausência de prova de excludentes de responsabilidade.

Desta sorte, o nexo de causalidade entre o dano à mercadoria e a condição inadequada do contêiner está comprovado, sendo a alegação de ausência de nexo infundada.

Da limitação da responsabilidade, em razão da cláusula prevista no Bill of Lading

A ré invocou a cláusula de limitação de responsabilidade prevista no Bill of Lading, sustentando que o valor da indenização estaria limitado a um montante fixado no documento contratual, conforme regras internacionais aplicáveis ao transporte marítimo.

Contudo, essa alegação não merece acolhimento.

O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil impõe responsabilidade objetiva à ré, como proprietária de equipamento essencial (contêiner) cuja condição inadequada causou os danos.

O artigo 944 do Código Civil estabelece que a indenização deve ser mensurada pela extensão do dano, prevalecendo sobre cláusulas que limitem a responsabilidade do agente causador do prejuízo.

A avaria não decorreu diretamente do transporte, mas da inadequação do equipamento fornecido pela ré. Esse fato afasta a aplicação de cláusulas limitativas de responsabilidade usualmente previstas para transportadoras.

Ademais disso, a cláusula de limitação prevista no Bill of Lading não pode ser aplicada sem prova de que houve consentimento expresso do segurado ou da autora quanto à sua validade e extensão, o que não foi demonstrado pela ré.

Desta forma, a cláusula de limitação de responsabilidade não é aplicável ao presente caso, devendo a indenização corresponder integralmente ao valor dos danos comprovados.

Dos juros de mora

A ré sustenta que os juros de mora deveriam incidir apenas a partir da citação, considerando a natureza da obrigação.

Entretanto, no caso específico de ações regressivas movidas por seguradoras, o termo inicial dos juros é a data do pagamento da indenização ao segurado, conforme artigo 398 do Código Civil.

No presente caso, a autora comprovou que realizou o pagamento da indenização em 26/12 /2022 (mov. 1.7), sendo essa a data a partir da qual os juros devem incidir.

0004151-52.2024.8.16.0129

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