A jurisprudência da 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) não tem autorizado a venda de bem apreendido sem que o alegado proprietário integre a relação jurídica penal.
Preceitua o art. 5º, LIV, da Constituição Federal (CF) que “ninguém será privado da liberdade e de seus bens sem o devido processo legal”. Ainda, os incisos XXII, LIV, LV e LVII, da CF, prevêem os princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal.
Sob esses fundamentos, o Colegiado concedeu parcialmente o mandado de segurança contra decisão do Juízo da 11ª Vara Federal/GO que, confirmando a liminar, determinou, a pedido da autoridade policial, a alienação antecipada de aeronave. A União interpôs agravo interno contra a liminar.
Os pedidos da impetrante foram para sustar a alienação e a restituição do avião e ser nomeada como fiel depositária do bem.
Fundamentou-se a decisão judicial atacada no art. 742 do Código de Processo Civil (CPC) e no art. 62 da Lei 11.343/2006, que tratam da autorização para venda de bens de conservação difícil ou dispendiosa, antes do trânsito em julgado.
Analisando o processo, o relator, juiz federal convocado Saulo José Casali Bahia, primeiramente explicou que, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a regra de que mandado de segurança não possa ser impetrado em face de ato judicial não é absoluta, sendo admissível, entre outras hipóteses, no caso em que a impetração é de terceiro que não foi parte no processo, mas que dele deveria participar.
Prosseguindo no voto, o magistrado apontou que a impetrante juntou documentos cuja verossimilhança a apontam como proprietária da aeronave e, sem integrar as investigações ou a ação penal, estaria sofrendo antecipadamente a perda do seu bem, em evidente ofensa do devido processo legal e demais princípios constitucionais.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSO PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. MEDIDA CAUTELAR DE ALIENAÇÃO ANTECIPADA DE BENS. ART. 144 – A/CPP. ILEGALIDADE. DEVIDO PROCESSO LEGAL. RELEVÂNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. Hipótese se mandado de segurança contra ato da 11ª Vara Federal/GO, nos autos da Alienação de Bens 1013604-21.2020.4.01.3500, que, a pedido do MPF, determinou a alienação antecipada de uma aeronave, com base no art. 144-A do CPP.
2. O incabimento do mandado de segurança impetrado contra ato judicial não é absoluto, “admitindo-se-o nas hipóteses em que se postula a suspensão dos efeitos de decisão lesiva ao direito líquido e certo do impetrante, até a revisão do julgado pelo juízo recursal próprio, e, ainda, contra a decisão manifestamente contrária à lei, teratológica, ou nos casos em que a impetração é de terceiro, que não foi parte no feito, embora devesse dele participar”. (STJ, MS 9003/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Corte Especial, DJ 08.09.2003).
3. Essa parece ser a hipótese dos autos, pois a impetrante, na condição de proprietária da aeronave e sem integrar as investigações ou a ação penal de fundo, está sofrendo a perda do seu bem, e de forma antecipada, em evidente ofensa do devido processo legal, na existência de procedimento de restituição de coisa apreendida ajuizado e ainda não julgado pelo juízo de primeiro grau.
4. A venda antecipada dos bens, antes do exame conclusivo dos fatos, mesmo prevista legalmente, deve ser praticada cum grano salis, sem açodamento, de modo a que não represente uma condenação sem o esgotamento do devido processo legal. A Carta Política, que carece de realização (Canotilho) para que se torne operativa e juridicamente eficaz, preceitua que “ninguém será privado da liberdade e de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV).
5. Concessão parcial do mandado de segurança, para sustar a venda da aeronave. Confirmação da liminar, julgando-se prejudicado o agravo regimental da União.
O Colegiado concedeu parcialmente a segurança para sustar o procedimento de alienação da aeronave, confirmando a liminar, e julgou prejudicado o agravo interno da União.
Processo: 1040253-47.2020.4.01.0000