Usina é responsável por acidente com facão que feriu trabalhador rural

O colegiado entendeu pela responsabilidade objetiva da usina, sem a necessidade de provas.

Por unanimidade, a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a responsabilidade da Usina Mendonça Agroindustrial e Comercial Ltda., no Município de Conquista (MG), por acidente com facão ocorrido com trabalhador rural durante o corte de cana-de-açúcar. O empregado teve ferimentos na mão e no punho e necessitou realizar cirurgia reparadora. A empresa contestava a atribuição de culpa, mas, segundo o colegiado, o empregador é responsável pelas indenizações por dano moral, materiais e estéticos em lesões vinculadas aos acidentes do trabalho.

Cirurgia

O trabalhador disse na reclamação trabalhista ter sido contratado para trabalhar na Fazenda Ilha Grande, de propriedade da usina, para realizar o corte de cana-de-açúcar e catação de entulhos na plantação. Para a função, o empregado informou que usava facão, também chamado de “podão”, e que o acidente ocorreu após tentar soltar o facão, que ficou preso num gancho da vegetação.

Em contestação, a usina rechaçou qualquer culpa pelo acidente ocorrido com o trabalhador. Afirmou que adotou todas as medidas necessárias referentes à segurança do ambiente de trabalho, que ofereceu treinamento para o exercício da função e alertou o trabalhador sobre técnicas de segurança. Para a usina, as atividades desenvolvidas pelo cortador são inerentes a qualquer cidadão comum.

Medidas de Segurança

A 4ª Vara do Trabalho de Uberaba (MG) decidiu afastar a culpa da usina pelo acidente. Para o juízo, apesar de restar dúvidas sobre o dano e o nexo de causalidade no acidente de trabalho, ficou comprovado que a empresa realizou treinamento técnico para a função, forneceu bota e luva como itens de segurança e que, no momento do acidente, o trabalhador estava de luvas, o que demonstrou que a empresa havia adotado todas as medidas de segurança necessárias a tornar o ambiente de trabalho seguro.

O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região manteve o indeferimento, por reconhecer que a culpa da empresa pelo acidente não ficou demonstrada, não tendo qualquer ligação com o descumprimento das normas contratuais, regulamentares e técnicas.

Responsabilização Objetiva

Ao analisar o recurso de revista, o relator ministro Mauricio Godinho Delgado, votou pela reforma da decisão regional, para decretar a responsabilização objetiva da usina. Em seu voto, o magistrado destaca que a estipulação da responsabilidade, como no caso do processo, que envolve trabalhadores do corte de cana, vítimas de acidente de trabalho ou que portadores de doença ocupacional, é acolhida no TST em diversos julgados.

Constituição Federal

O ministro lembrou que pela Constituição Federal todos os trabalhadores têm direito a um meio ambiente de trabalho equilibrado, que possa proporcionar boa qualidade de vida higidez física, mental e emocional, e que é do empregador “a responsabilidade pelas indenizações por dano moral, material ou estético decorrentes de lesões vinculadas à infortunística do trabalho, sem prejuízo do pagamento pelo INSS do seguro social”, destacou.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . ACIDENTE DE TRABALHO. TRABALHADOR RURAL. LAVOURA DE CANA. MANUSEIO DE FACÃO. CORTE. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. NEXO CAUSAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ESTÉTICOS E MATERIAIS. A indenização resultante de acidente do trabalho e/ou doença profissional ou ocupacional supõe a presença de três requisitos: a) ocorrência do fato deflagrador do dano ou do próprio dano, que se constata pelo fato da doença ou do acidente, os quais, por si sós, agridem o patrimônio moral e emocional da pessoa trabalhadora (nesse sentido, o dano moral, em tais casos, verifica-se pela própria circunstância da ocorrência do malefício físico ou psíquico); b) nexo causal ou concausal, que se evidencia pelo fato de o malefício ter ocorrido em face das condições laborativas; c) culpa empresarial, excetuadas as hipóteses de responsabilidade objetiva. Embora não se possa presumir a culpa em diversos casos de dano moral – em que a culpa tem de ser provada pelo autor da ação -, tratando-se de doença ocupacional, profissional ou de acidente do trabalho, essa culpa é presumida, em virtude de o empregador ter o controle e a direção sobre a estrutura, a dinâmica, a gestão e a operação do estabelecimento em que ocorreu o malefício. A Constituição Federal de 1988 assegura que todos têm direito ao meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado, porque essencial à sadia qualidade de vida, razão pela qual incumbe ao Poder Público e à coletividade, na qual se inclui o empregador, o dever de defendê-lo e preservá-lo (arts. 200, VII, e 225, caput). Não é por outra razão que Raimundo Simão de Melo alerta que a prevenção dos riscos ambientais e/ou eliminação de riscos laborais, mediante adoção de medidas coletivas e individuais, é imprescindível para que o empregador evite danos ao meio ambiente do trabalho e à saúde do trabalhador. Acidentes do trabalho e/ou doença profissional ou ocupacional, na maioria das vezes, ” são eventos perfeitamente previsíveis e preveníveis, porquanto suas causas são identificáveis e podem ser neutralizadas ou mesmo eliminadas; são, porém, imprevistos quanto ao momento e grau de agravo para a vítima ” (MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador. 5.ed. São Paulo: Ltr, 2013, p. 316). Tanto a higidez física como a mental, inclusive emocional, do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nesta medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição (art. 5º, V e X). Assim, agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Constituição da República, que se agrega à genérica anterior (art. 7º, XXVIII, CF/88). É do empregador, evidentemente, a responsabilidade pelas indenizações por dano moral, material ou estético decorrentes de lesões vinculadas à infortunística do trabalho, sem prejuízo do pagamento pelo INSS do seguro social. No caso em tela , a Corte de origem assentou que não restam dúvidas sobre o dano e o nexo de causalidade na ocorrência de acidente de trabalho típico que culminou em ferimento corto-contuso na região dorso-lateral do punho e mão esquerda do Reclamante. Contudo, o TRT negou a responsabilidade civil da Reclamada uma vez que não haveria ficado caracterizada a culpa da Empresa no infortúnio. Contudo, extrai-se do acórdão recorrido que o Reclamante trabalhava no corte da cana-de-açúcar , situação que, tendo em vista a adoção da teoria objetiva, enseja a responsabilidade civil da Reclamada, independente de culpa. A estipulação da responsabilidade objetiva, em casos como o dos autos, que envolve empregados que se ativam no corte de cana e são vítimas de acidente ou desenvolvem doença ocupacional, é amplamente acolhida pelo TST. Anote-se que, em relação ao dano moral, a existência de doença de cunho ocupacional ou sequela de acidente de trabalho, por si só, viola a dignidade do ser humano (limitação de sua condição física,ainda que temporária), geradora de indiscutível dor íntima, desconforto e tristeza. Não há necessidade de prova de prejuízo concreto (nesse sentido, o dano moral, em tais casos, verifica-se pela própria circunstância da ocorrência do malefício físico ou psíquico), até porque a tutela jurídica, neste caso, incide sobre um interesse imaterial (art. 1º, III, da CF). Constatados, portanto, o dano, o nexo causal, em hipótese de responsabilidade objetiva, consequentemente há o dever de indenizar. Recurso de revista conhecido e provido .

Com a decisão, o processo retornará à Vara do Trabalho de Uberaba (MG) para o prosseguimento do julgamento dos pedidos em relação aos valores das indenizações por danos materiais, morais e estéticos.

Processo: RR-10164-74.2015.5.03.0168

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