O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve a condenação de um homem de 37 anos de idade, morador de Itaiópolis (SC), pelo crime de desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação. Ele foi considerado culpado de realizar a exploração de serviços de comunicação multimídia, de forma habitual, sem a licença necessária da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), ao prestar serviços de acesso à internet via rádio. A decisão foi proferida por unanimidade pela 8ª Turma da Corte em sessão de julgamento do dia 25/8.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o homem foi autuado pela ANATEL em julho de 2015. Na ocasião, a fiscalização constatou que ele usava um equipamento roteador, não registrado no Sistema de Gerência de Certificação e Homologação da Agência, para vender sem autorização acesso à internet para moradores da área rural do município de Itaiópolis. Ele recebeu dos agentes públicos a ordem formal para a interrupção dos serviços.
Em outubro de 2016, após a ANATEL ter recebido denúncias de que a prestação do serviço continuava ocorrendo, o homem foi novamente autuado pela autarquia. O equipamento roteador foi apreendido juntamente com os contratos de 97 clientes que utilizavam o serviço clandestino.
A denúncia do MPF foi recebida pela Justiça Federal catarinense. Em dezembro de 2018, o juízo da 1ª Vara Federal de Joinville (SC) condenou o réu por desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação, em continuidade delitiva. A pena foi fixada em dois anos de detenção, em regime aberto, e multa de R$ 10 mil. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, a prestação de serviços à comunidade e a prestação pecuniária, no valor de dois salários mínimos.
O réu recorreu ao TRF4. Na apelação, ele alegou que não era proprietário e nem sócio da empresa que realizava os atos ilícitos, mas apenas um funcionário. Sustentou que não tinha ciência sobre a ilegalidade da conduta, tendo em vista sua baixa escolaridade e pouco conhecimento técnico de configuração das redes de informática. A defesa ainda requereu o afastamento da pena de multa e a redução da prestação pecuniária.
A 8ª Turma manteve a condenação de prestação de serviços comunitários pelo período de dois anos e de prestação pecuniária de dois salários mínimos. O colegiado apenas deu parcial provimento ao recurso para reduzir a multa que havia sido imposta pela primeira instância para dez dias-multa à razão unitária de um quinto do salário mínimo vigente na época em que as atividades clandestinas encerraram.
Ao rejeitar as alegações do condenado, o relator do caso, desembargador João Pedro Gebran Neto, destacou: “acompanhados pelo acusado, os servidores da ANATEL verificaram que os equipamentos estavam em operação e, inclusive, havia vários clientes conectados à rede, constatando a prestação clandestina do serviço. O réu, em seu depoimento perante a autoridade policial, assumiu a responsabilidade pela entidade instalada em sua propriedade rural, pela qual foi autuado por desenvolver comunicação multimídia sem licença ou autorização”.
O magistrado ressaltou em seu voto que “diante do contexto, os elementos reunidos nos autos comprovam, acima de dúvida razoável, que, mais do que um mero funcionário, o réu atuava em parceria com um sócio na distribuição clandestina do serviço de comunicação multimídia”.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/97. TIPICIDADE. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. MATERIALIDADE E AUTORIA. DOSIMETRIA. PENA DE MULTA. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA.
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O tipo do art. 183 da Lei 9.472/97 caracteriza-se pela habitualidade da conduta delitiva, como nos serviços clandestinos de rádio, televisão e VOIP.
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O fornecimento clandestino dos meios necessários para a conexão do computador do usuário ao computador do provedor de acesso é típica atividade de exploração de serviço de comunicação multimídia.
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O crime contra as telecomunicações previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 é de mera conduta, sendo desnecessários, para a configuração da tipicidade, o resultado obtido e a ocorrência de dano em razão das atividades de telecomunicações praticadas clandestinamente.
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Tratando-se de serviço de comunicação multimídia, a baixa potência de transmissão do equipamento e, eventualmente, o reduzido número de usuários atendidos não afetam a tipicidade da conduta, tampouco conduz à aplicação do princípio in dubio pro reo.
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O enquadramento da conduta não requer a propriedade da empresa ou a participação como sócio da prestadora de serviços, haja vista o conteúdo do parágrafo único do tipo penal que prevê que incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.
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A alegação de desconhecimento da lei não constitui excludente de ilicitude e, por conseguinte, não enseja a absolvição.
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Os procedimentos administrativos realizados por servidores públicos, no exercício de suas funções, gozam de presunção de legitimidade e veracidade, próprias dos atos administrativos, sendo consideradas provas irrepetíveis.
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Reconhecida a tipicidade; e comprovadas a materialidade e a autoria, deve ser mantida a condenação quanto ao crime previsto no art. 183 da Lei 9.472/97.
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O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena, de modo que a dosimetria da é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial.
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É inconstitucional a expressão “de R$ 10.000,00”, contida no preceito secundário do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, por violação ao artigo 5º, XLVI, da CF-88, impondo-se a observância da regra geral contida no art. 49 do Código Penal.
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A pena de prestação pecuniária não deve ser arbitrada em valor excessivo, de modo a tornar o réu insolvente, ou irrisório, que sequer seja sentida como sanção, permitindo-se ao magistrado a utilização do conjunto de elementos indicativos de capacidade financeira.
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Somente o excesso desproporcional representa ilegalidade na fixação da prestação pecuniária e autoriza a revisão fundamentada pelo juízo recursal.
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Questões relativas aos efeitos da assistência judiciária gratuita, com isenção do pagamento das custas processuais, ou mesmo à incapacidade financeira do condenado de arcar com as custas processuais e consectários da condenação, devem ser apreciada pelo Juízo da Execução, a quem cabe fixar as condições de adimplemento e autorizar, inclusive, eventual parcelamento do valor devido.
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Apelação criminal parcialmente provida.