Ainda que haja previsão contrária no edital, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou provimento a apelação e manteve sentença que assegurou à gestante a participação em certame para seleção de nível superior e incorporação de voluntários ao serviço militar temporário na Aeronáutica.
A sentença determinou que a autora seja convocada para participar do certame imediatamente posterior, já em andamento, fazendo valer previsão do próprio edital de convocação para a inspeção de saúde, se o estado de gravidez for o único motivo da incapacitação e inaptidão.
Sustentou a União, na apelação, que o motivo da exclusão foi a não apresentação de exames previstos no edital como sendo obrigatórios.
Ao relatar o processo, o desembargador federal João Batista Gomes Moreira constatou que a autora não poderia apresentar os exames por estar impedida de se submeter a esses devido ao estado gravídico.
Ressaltou o magistrado que, em que pese a existência de previsão contrária no edital, a sentença assegurou o direito da parte de participar das demais fases do concurso, autorizando a realização dos exames incompatíveis com a gravidez em data posterior ao parto, visando a proteção constitucional do direito à vida, à saúde, à maternidade e da família.
Destacou o relator que, conforme a Tese 335 do Supremo Tribunal Federal (STF), “É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata aprovada nas provas escritas que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público”.
Concluindo, o magistrado entendeu ser desarrazoada a exclusão da candidata por não haver apresentado os exames exigidos, por serem esses extremamente perigosos à própria saúde e à saúde do feto, votando pelo desprovimento da apelação e majoração dos honorários advocatícios de 10% para 12%, em razão do trabalho adicional realizado em grau recursal, conforme o art. 85, § 11 do Código de Processo Civil (CPC).
O recurso ficou assim ementado:
SELEÇÃO E INCORPORAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE NÍVEL SUPERIOR, VOLUNTÁRIOS À PRESTAÇÃO DO SERVIÇO MILITAR TEMPORÁRIO, PARA O ANO DE 2018. GRAVIDEZ. INTEGRAÇÃO AO CERTAME SEGUINTE. PREVISÃO NO EDITAL. NÃO SUBMISSÃO A EXAMES QUE COLOCAM EM RISCO A VIDA DA GESTANTE E DO FETO. FALTA DE RAZOABILIDADE.
1. Tese 335/STF: “É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata aprovada nas provas escritas que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público” (RE 1.058.333, Ministro Luiz Fux, Pleno, Repercussão Geral, DJe-185 27/07/2020).
2. Na sentença, confirmada tutela antecipada, foi julgado parcialmente procedente pedido “para determinar que a União reintegre definitivamente a autora à atual seleção, considerando postergada a anterior, convoque-a para nova concentração inicial, como previsto no item 4.4.19.2 do ‘Aviso de Convocação para a Seleção de Profissionais de Nível Superior, Voluntários à Prestação do Serviço Militar Temporário, para o ano de 2018’, submeta-a às etapas faltantes da seleção e, se habilitada nestas, incorpore-a ao QOCON 1/2019 para prestação do serviço militar como Oficial Temporária”.
3. Dispõe o edital que, “em caso de constatação do estado de gravidez, durante o período compreendido entre a INSPSAU deste processo seletivo e a incorporação, sendo este o único motivo da sua INCAPACITAÇÃO e INAPTIDÃO, não será permitida à candidata prosseguir neste certame, mas poderá vir a ser convocada para realizar novamente a Concentração Inicial, a INSPSAU e a Concentração Final, no processo seletivo imediatamente posterior ao período da gestação’ (subitem 4.4.19.2), desde que preenchidas as condições do subitem 4.4.19.3: “a) ter obtido classificação dentro do número de vagas fixadas por localidade, considerando a sua classificação na Avaliação Curricular e os critérios de desempate, que viesse a lhe garantir uma das vagas previstas neste processo seletivo; e b) permanecer atendendo aos critérios estabelecidos para habilitação à incorporação (itens 4.6.10 e 4.6.11) no processo seletivo imediatamente posterior ao período da gestação, em consequência da postergação da incorporação e desde que não ultrapasse o limite de idade previsto no § 7º, do art. 12 do Decreto nº 6.854, de 25 de maio de 2009, “Regulamento da Reserva da Aeronáutica”.
4. Conforme a sentença, “sob a ótica da Ciência da Medicina, realizar alguns exames – entre os quais: raio X de tórax, exame citopatológico (Preventivo do Câncer Ginecológico) e teste ergométrico cardiológico em esteira – é extremamente perigoso à saúde materna e à saúde do feto”.
5. Preenchidas as condições do subitem 4.4.19.3, não é razoável a exclusão da autora pelo simples fato de não ter realizado os referidos exames, os quais, como dito, prejudiciais à gestação.
6. Decidiu este Tribunal, em caso semelhante: “2. Em que pese a existência de previsão contrária no edital do concurso público, o Juízo de primeiro grau assegurou o direito da ora apelada de participar das demais fases do concurso, autorizando a realização dos exames incompatíveis com a gravidez em data posterior ao parto. / 3. Ao assegurar o direito da apelada de prorrogar a apresentação dos exames radiológicos, o Juízo de primeiro grau visou a proteção constitucional do direito à vida (art. 5º), da saúde e da maternidade (art. 6º) e da família (art. 226)” (AMS 1008408-55.2015.4.01.3400, Juiz Federal Convocado Pablo Zuniga Dourado, 5T, e-DJF1 16/07/2018).
7. Negado provimento à apelação.
8. Majorada a condenação do apelante em honorários advocatícios, de 10% para 12% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 11º, do Código de Processo Civil.
Processo 1001793-26.2019.4.01.3815