Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou habeas corpus impetrado por um delegado de polícia contra decisão judicial que o proibiu de frequentar os eventos e rituais de uma igreja mórmon, sob pena de multa de R$ 10 mil para cada ato de descumprimento.
O delegado e sua esposa foram acusados de comportamento agressivo e desrespeitoso com o líder e outros membros de um ramo da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, sediado em Vitória da Conquista (BA). O Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) confirmou a tutela antecipada requerida pela entidade religiosa com o objetivo de impedir o acesso do delegado.
No habeas corpus apresentado ao STJ, o delegado alegou que houve a perda de objeto da ação movida pela igreja, ilegitimidade ativa da autora e constrangimento ilegal decorrente da decisão impugnada, a qual teria cerceado seu direito de locomoção, ao impedi-lo de entrar na congregação.
Ameaças
Ao negar o habeas corpus, o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou não haver constrangimento ilegal na decisão da Justiça da Bahia.
“A decisão está concretamente fundamentada nas provas apresentadas e se revela proporcional à gravidade dos fatos, os quais demonstraram que o comportamento do réu estava trazendo sérios riscos à integridade física e psíquica dos integrantes da igreja”, explicou.
O magistrado frisou que, nos autos, há relatos de que o delegado, que possui porte de arma de fogo devido à sua profissão, “chegou a apontar a arma e ameaçar um líder religioso da referida congregação, após o encerramento de um culto, na frente de diversas pessoas, inclusive crianças”.
Bellizze informou que os fatos deram origem a três ações penais, para apuração de dois crimes de ameaça e um de injúria, além de ter sido instaurado procedimento administrativo disciplinar na Corregedoria da Polícia Civil da Bahia, a fim de apurar os eventos ocorridos no templo religioso.
Liberdade de culto
“Embora a Constituição da República de 1988 consagre a liberdade de culto religioso como direito fundamental (artigo 5º, inciso VI), vale destacar que não existe direito absoluto no ordenamento jurídico pátrio. Assim, o exercício da liberdade de culto do réu encontra limite no respeito aos demais direitos e garantias fundamentais previstos constitucionalmente, dos quais se destaca o direito à integridade física e psíquica dos demais membros da Igreja, que estava sendo colocado em risco com a presença do paciente na congregação”, afirmou.
O ministro acrescentou que não houve restrição à liberdade de culto do delegado, já que a decisão do TJBA o proibiu apenas de comparecer à unidade religiosa em que ocorreram os fatos, mas não o impediu de frequentar congregação diversa, pertencente à mesma Igreja, como já estaria acontecendo, de acordo com o tribunal estadual.
“Em relação às alegações de perda de objeto e ilegitimidade ativa da associação religiosa autora, não se revela possível a análise pela via estreita do habeas corpus, a qual não comporta dilação probatória, devendo o impetrante impugnar tais matérias pelos meios recursais próprios perante as instâncias ordinárias”, concluiu o relator.
O recurso ficou assim ementado:
HABEAS CORPUS. IMPUGNAÇÃO CONTRA DECISÃO TOMADA NO BOJO DE TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. PROIBIÇÃO DE COMPARECIMENTO DO PACIENTE NOS EVENTOS DA IGREJA AUTORA (ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA). COMPORTAMENTO AGRESSIVO E DESRESPEITOSO COM OUTROS MEMBROS DA CONGREGAÇÃO RELIGIOSA, O QUAL ORIGINOU O AJUIZAMENTO DE TRÊS AÇÕES PENAIS E UM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE DA DECISÃO E DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. MEDIDA PROPORCIONAL À GRAVIDADE DOS FATOS APURADOS. DIREITO À LIBERDADE DE CULTO QUE ENCONTRA LIMITE NOS DEMAIS DIREITOS FUNDAMENTAIS, SOBRETUDO EM RELAÇÃO AO DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA E PSÍQUICA DOS DEMAIS MEMBROS DA IGREJA. QUESTÕES REFERENTES À PERDA DE OBJETO E ILEGITIMIDADE ATIVA DA ASSOCIAÇÃO RELIGIOSA QUE DEVEM SER ANALISADAS NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. HABEAS CORPUS CONHECIDO EM PARTE. ORDEM DENEGADA.1. Habeas corpus impetrado contra acórdão do Tribunal de origem que manteve a decisão do Juízo de primeiro grau, o qual deferiu a tutela antecipada requerida em caráter antecedente ajuizada por associação religiosa, para determinar que o réu se abstivesse de comparecer e frequentar os eventos e rituais da igreja autora, sob pena de multa por cada ato de descumprimento.2. Não há qualquer ilegalidade ou constrangimento ilegal na decisão que impediu o paciente de participar dos eventos da congregação religiosa autora, pois o referido decisum está concretamente fundamentado nas provas apresentadas e se revela proporcional à gravidade dos fatos, os quais demonstraram que o comportamento do réu estava trazendo sérios riscos à integridade física e psíquica dos demais membros da “Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”, havendo relatos de que o paciente, por possuir porte de arma de fogo em virtude da sua condição de Delegado de Polícia, chegou a apontar a arma e ameaçar um líder religioso da referida congregação, após o encerramento de um culto, na frente de diversas pessoas, inclusive crianças.2.1. Tais fatos deram origem a três ações penais, para apuração de dois crimes de ameaça e um de injúria, além de ter sido instaurado procedimento administrativo disciplinar perante a Corregedoria da Polícia Civil do Estado da Bahia, a fim de apurar a conduta do réu nos eventos ocorridos no templo religioso da autora.3. Embora a Constituição da República de 1988 consagre a liberdade de culto religioso como direito fundamental (art. 5º, inciso VI), vale destacar que não existe direito absoluto no ordenamento jurídico pátrio. Assim, o exercício da liberdade de culto do réu encontra limite no respeito aos demais direitos e garantias fundamentais previstos constitucionalmente, dos quais se destaca o direito à integridade física e psíquica dos demais membros da Igreja, que estava sendo colocado em risco com a presença do paciente na congregação.4. De qualquer forma, não há restrição à liberdade de culto do paciente, tendo em vista que a decisão impugnada o proibiu apenas de comparecer à unidade religiosa em que ocorreram os fatos (“Ramo Morada dos Pássaros”), tendo o mesmo frequentado congregação diversa, pertencente à mesma Igreja, conforme relatado pelo próprio e consignado no acórdão impugnado.5. Em relação às alegações de perda de objeto e ilegitimidade ativa da associação religiosa autora, não se revela possível a análise pela via estreita do habeas corpus, a qual não comporta dilação probatória, devendo o impetrante impugnar tais matérias pelos meios recursais próprios perante as instâncias ordinárias.6. Habeas corpus conhecido em parte. Ordem denegada.
Leia o acórdão.