Em sessão plenária realizada na tarde de hoje, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) analisaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1194 ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) contra dispositivos do Estatuto da Advocacia, Lei 8.906/94. Especificamente, são contestados: artigo 1º, parágrafo 2º; artigo 21, parágrafo único; artigo 22; artigo 23; artigo 24, parágrafo 3º; artigo 78.
Na ação, a CNI contestou o parágrafo 2º do artigo 1º; os artigos 21 e seu parágrafo único, 22, 23, o parágrafo 3º do artigo 24 e o artigo 78, da Lei. Com relação ao artigo 1º, parágrafo 2º – o qual determina que os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas só podem ser admitidos quando visados por advogados, sob pena de nulidade – a entidade alegou ofensa ao princípio constitucional da igualdade, bem como aos incisos XVII e XVIII, do artigo 5º da CF/88, por fazer restrições à liberdade de associação.
Nos artigos 21 e seu parágrafo único; 22; 23; e parágrafo 3º do artigo 24, que abordam a questão de honorários de sucumbência, a CNI argumentou que a verba da sucumbência pertence à parte vencedora da ação, de acordo com o Código de Processo Civil (artigo 20) e a Súmula 616 do STF. Assim, concluiu que tais dispositivos afrontariam o direito de propriedade e os princípios da administração da justiça e da isonomia, entre outros preceitos constitucionais.
Quanto ao artigo 78, que atribui ao Conselho Federal da OAB a responsabilidade de editar o Regulamento Geral do Estatuto, a CNI contrapõe-se dizendo que o assunto é de competência privativa do Presidente da República (artigo 84, inciso IV da CF). O ministro Maurício Corrêa, relator, atualmente aposentado, ressaltou preliminarmente que após a inclusão da ADI para julgamento pelo Plenário do STF, em maio de 2001, as 36ª e 46ª Subsecções da OAB de São Paulo pediram o ingresso na ADI como litisconsortes passivas necessárias.
Histórico
A ação da CNI chegou ao Supremo em janeiro de 1995 e no mês de fevereiro do mesmo ano, o ministro Marco Aurélio pediu vista dos autos. Em seguida, a liminar foi deferida em parte pelo Plenário, em fevereiro de 1996.
No dia 4 de março de 2004, o relator da matéria, ministro Maurício Corrêa, trouxe a ADI para julgamento da Corte. Após seu voto, pedido de vista do ministro Gilmar Mendes suspendeu a análise do caso até o dia 22 de junho de 2005, data em que o julgamento foi adiado mais uma vez, pelo pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa, que hoje leu o seu voto.
No que diz respeito aos artigos 22, 23 e 78, os ministros Maurício Corrêa e Gilmar Mendes mantiveram o entendimento do Plenário, ainda na análise cautelar, para não conhecer dos dispositivos por faltar pertinência temática à CNI.
Questão de Ordem
O ministro Joaquim Barbosa propôs hoje questão de ordem a fim de consultar a Corte para saber a possibilidade do Tribunal reapreciar, em análise de mérito, o requisito da pertinência temática da CNI, quanto aos artigos 22, 23, ocorrido em decisão liminar. Ele entendeu que o STF poderia reapreciar a questão e votou pelo conhecimento da ADI, em relação aos dois artigos. Para Joaquim Barbosa, o julgamento cautelar “tem como uma de suas características inatas a provisoriedade”, reconhecendo que a confederação tem pertinência temática, “ao menos para impugnar também os artigos 22 e 23, do Estatuto”.
Entretanto, Barbosa ficou vencido. A maioria dos ministros entendeu que, se no julgamento de um pedido cautelar o STF conclui pela ilegitimidade do requerente o processo é arquivado. Assim, eles acompanharam a divergência aberta pela ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha que, como os demais ministros, ressaltou que a matéria está preclusa (encerrada). “Esta ADI só está aqui porque sobraram outros dispositivos em relação aos quais se admitiu a legitimidade da confederação”, explicou o ministro Sepúlveda Pertence.
Julgamento
Confira, a seguir, a íntegra dos textos questionados e a apreciação de cada um deles pelo Plenário do Supremo:
Artigo 1º – São atividades privativas de advocacia:
Parágrafo 2º – Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados.
Por maioria, o Tribunal julgou improcedente a ação com relação a este dispositivo. No dia 4 de março de 2004, o relator da matéria, ministro Maurício Corrêa (aposentado) afastou a alegação da Confederação de ofensa ao princípio da isonomia, bem como à liberdade de associação.
Para a confederação, a contratação de advogados é obrigatória para atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, e ao mesmo tempo não impõe tal exigência a pessoas que se encontrar para celebrar quaisquer outros contratos, até de maior envergadura, além de trazer restrições à liberdade de associação garantida constitucionalmente.
A respeito desse dispositivo, o ministro considerou que a norma seria endereçada às pessoas jurídicas, com o objetivo de proteger os atos essenciais à sua constituição, afastando futuros prejuízos que possam advir às partes com elas envolvidas, em decorrência de irregularidades cometidas por profissionais estranhos à área jurídica.
“A ofensa ao princípio da isonomia supõe sempre tratamento desigual a situações idênticas, ou tratamento igual a situações diferentes. Não é o que ocorre na hipótese dos autos, em que todas as pessoas jurídicas são destinatárias do preceito atacado”, ponderou o ministro
Ressaltou, ainda, que do mesmo modo não caberia alegar que partes de atos jurídicos e contratos da mesma significação jurídica de pessoas jurídicas, ou de maior abrangência, ficam dispensados da observância de semelhantes requisitos. Segundo Corrêa, a importância do registro das pessoas jurídicas advém da segurança dos que com elas tratam, e a interferência do advogado seria a minimização da possibilidade de enganos e fraudes.
Dessa forma, ele julgou improcedente a ação, sendo acompanhado pelos ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Ellen Gracie e os ministros aposentados Carlos Velloso e Nelson Jobim. Pela procedência, manifestaram-se os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto e Cezar Peluso, que divergiram.
Artigo 21 – Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados empregados.
Parágrafo único – Os honorários de sucumbência, percebidos por advogado empregado de sociedade de advogados são partilhados entre ele e a empregadora, na forma estabelecida em acordo.
Ao examinar o artigo 21, caput e seu parágrafo único, do Estatuto da Advocacia, o ministro Maurício Corrêa trouxe, em março de 2004, o entendimento firmado no julgamento da liminar, quando se decidiu que a verba de sucumbência pertence, em regra, ao advogado da parte vencedora.
À época, o ministro entendeu que a sucumbência é um direito disponível, e de acordo com o disposto nos artigos 22 e 23 do Estatuto da Advocacia, que asseguraram expressamente que o advogado tem direito aos honorários de sucumbência. “Pertencendo à verba honorária ao advogado, não se há de falar em recomposição do conteúdo econômico-patrimonial da parte, criação de obstáculo para o acesso à Justiça, e muito menos em ofensa a direito adquirido da litigante”, afirmou Corrêa. Ele julgou a ADI procedente em parte, quanto ao artigo 21, caput e seu parágrafo único, para lhe dar interpretação conforme a Constituição, possa haver estipulação em contrário sobre os honorários da sucumbência.
Assim, somente em relação ao parágrafo único, o Tribunal acompanhou, por maioria, o voto do relator, julgando a ação procedente em parte para dar interpretação conforme a Constituição, vencidos os ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa.
Sobre o caput do artigo 21, a Corte aguardará o voto do ministro Celso de Mello para o desempate. Até agora já votaram os ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, com base no voto do relator Maurício Corrêa. Eles julgaram procedente em parte o parágrafo único, para dar interpretação conforme a Constituição Federal.
De forma contrária, ou seja, pela total procedência da ação sem a interpretação conforme a Constituição divergiram os ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Gilmar Mendes Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandoski.
Artigo 24 – A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.
Parágrafo 3º – É nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência.
Por unanimidade, os ministros julgaram este dispositivo inconstitucional, dando interpretação conforme a Constituição Federal. Eles seguiram o voto do ministro Maurício Corrêa (aposentado), relator, segundo a qual o advogado da parte vencedora poderá negociar a verba honorária da sucumbência com seu constituinte.
Reclamação 3753
Também sobre o tema, os ministros, por unanimidade, julgaram improcedente a Reclamação (RCL) 3753, e consideraram prejudicado recurso (agravo regimental) interposto pela De Francesco Calçados Ltda. A empresa questionava decisão do presidente do Tribunal do estado do Ceará (TJ-CE), que expediu carta de sentença aos ex-patronos da empresa.
Joaquim Barbosa disse não vislumbrar decisão do Supremo Tribunal Federal “afrontada pela expedição da mencionada carta de sentença”. Segundo o ministro, a simples expedição da carta de sentença e a sua entrega a advogados regularmente constituídos não ofende a decisão da ADI 1194, conforme alegado na RCL.
Leia mais:
Pedido de vista suspende, no STF, o julgamento de ADI contra o Estatuto da Advocacia
-
Processo relacionado: ADI 1194