A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) elevou para R$ 300 mil, no total, a indenização por danos morais a ser paga à viúva e à filha de um psicólogo assassinado com três tiros pelo paciente durante uma sessão de psicanálise no Rio de Janeiro. Segundo os autos, o paciente teria descoberto um relacionamento amoroso entre sua esposa e o terapeuta.
A indenização a cada uma das partes havia sido reduzida de R$ 120 mil para R$ 30 mil pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), sob o argumento de que houve uma “decisiva contribuição causal da vítima no evento trágico”. Segundo a corte local, o psicólogo se teria valido das sessões para conhecer as fraquezas do casamento do paciente, além da amizade com ele, para seduzir a sua mulher – tese que a Terceira Turma não considerou justificativa válida para a redução do valor.
“Inaceitável admitir o revanchismo como forma de defesa da honra, a fim de justificar a exclusão ou a redução do valor indenizatório, notadamente em uma sociedade beligerante e que vivencia um cotidiano de ira, sob pena de banalização e perpetuação da cultura de violência”, afirmou o relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze.
Contra o acórdão do TJRJ, recorreram tanto a família do psicólogo – buscando elevar as indenizações e afastar o fundamento de concorrência de culpas – quanto o homicida – argumentando não haver fundamento para os danos morais, tendo em vista que a vítima teria contribuído para a ocorrência do crime.
STF afastou tese de legítima defesa da honra
O ministro Bellizze apontou que o paciente foi condenado definitivamente pelo tribunal do júri, assim como o TJRJ concluiu serem incontroversos os fatos caracterizadores do ato ilícito na esfera civil, o que impõe o reconhecimento da responsabilidade civil e do dever de indenizar.
De acordo com o relator, no caso da responsabilidade civil decorrente de homicídio, é indiferente saber se o crime foi praticado de forma dolosa ou culposa, pois somente no homicídio em legítima defesa é possível afastar o dever de indenizar – não se aplicando, portanto, as demais espécies de excludente de ilicitude.
Bellizze destacou ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF), na ADPF 779, consolidou posição no sentido da inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra, ainda que utilizada no tribunal do júri. No precedente, o STF considerou que a alegação de legítima defesa da honra tem bases arcaicas, remetendo a uma época em que era reconhecido ao homem o direito de matar a esposa adúltera.
Retórica de corresponsabilidade da vítima é odiosa, desumana e cruel
Para Marco Aurélio Bellizze, esse quadro demonstra que a tese defendida pelo autor do homicídio, baseada em suposta responsabilidade do profissional, configura “retórica odiosa, desumana e cruel, com a repulsiva tentativa de se imputar à vítima a causa de sua própria morte”.
Ao elevar o valor das indenizações para R$ 150 mil para a viúva e R$ 150 mil para a filha do psicólogo, o relator ressaltou que, “ainda que a suposta traição tenha realmente acontecido”, não há justificativa para afastar o direito das duas à reparação pela “perda violenta e precoce” de seu marido e pai, pois “a comprovação do imaginado adultério não é fundamento para se admitir o evento danoso”.
O magistrado comentou também que a esposa e a filha da vítima pleitearam a indenização na condição de vítimas indiretas da conduta do homicida, de modo que a alegada traição do terapeuta (vítima direta) “não pode ser considerada para se excluir o direito próprio da pessoa lesada indiretamente”.
O arbitramento do valor indenizatório, segundo Bellizze, não pode levar em conta “a falaciosa tese da legítima defesa da honra”, principalmente porque se trata do direito de pessoas indiretamente lesadas, as quais em nada contribuíram para o evento danoso, mas suportaram suas consequências.
“A adoção de pensamento diverso contribui para a banalização e perpetuação de violência (principalmente contra as mulheres), cabendo ao Poder Judiciário atuar como contrafator a essa cultura antiquada, impondo a vigência da lei a fim de se evitar a perpetração de comportamentos bárbaros”, concluiu o ministro.
Leia o acórdão no REsp 1.671.344 e no REsp 1.642.313.