Sexta Turma cassa ato do Tribunal de Contas do RS que anulou contratação de empregados da Fundação Piratini

Por maioria, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso em mandado de segurança para cassar ato do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul (TCRS) que anulou a contratação de 14 empregados da Fundação Piratini, gestora de emissoras públicas de TV e rádio no Rio Grande do Sul.

No recurso apresentado ao STJ, os empregados – contratados entre 1988 e 1989 sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – pediram o reconhecimento da nulidade do procedimento administrativo e da decisão nele proferida. Alegaram que a decisão do TCRS ofendeu seu direito ao contraditório e à ampla defesa, e requereram a manutenção das contratações com base nos princípios da boa-fé e da segurança jurídica.

As contratações – autorizadas pelo governo gaúcho – foram feitas para permitir a implantação de uma emissora de rádio. Os recorrentes foram dispensados dos cargos mais de dez anos depois, sob a justificativa de que sua admissão seria ilegal por não ter sido precedida de aprovação em concurso público.

Falta de intimação

Segundo a ministra Laurita Vaz – cujo voto prevaleceu na Sexta Turma –, os autos mostram que o TCRS determinou, em 1995, que fossem anulados os contratos de trabalho dos empregados da Fundação Piratini, em procedimento do qual eles não participaram, pois nem sequer foram intimados. A decisão que anulou as admissões só lhes foi comunicada formalmente em 2000.

No entender da ministra, a ofensa ao contraditório e à ampla defesa, somada à possibilidade de convalidação das contratações, são suficientes para justificar o provimento integral do recurso dos empregados, com a concessão da segurança.

“É firme o entendimento de que a ausência de intimação do interessado, a fim de integrar o procedimento instaurado pelas cortes de contas para apurar a regularidade da admissão, constitui ofensa ao contraditório e à ampla defesa, causando a sua nulidade”, afirmou.

Para a magistrada, embora a anulação do procedimento administrativo, por si só, leve à extinção do ato do TCRS, este não se sustentaria juridicamente mesmo que o processo tivesse sido regular, “diante dos princípios da segurança jurídica, da boa-fé e da proteção da confiança”.

Convalidação

A ministra comentou que, se os recorrentes – admitidos antes de abril de 1993 – fossem empregados públicos no âmbito federal, suas contratações já teriam sido convalidadas em razão de leading case do Supremo Tribunal Federal (MS 21.322), diante da dúvida jurídica que havia acerca da necessidade de concurso na época de seu ingresso na fundação.

“A dúvida objetiva acerca da necessidade do concurso público para a administração indireta existia em relação a União, estados, Distrito Federal e municípios. Portanto, não é o caso de fazer distinção em relação aos recorrentes, por serem empregados de fundação estadual”, apontou.

Laurita Vaz ressaltou que a jurisprudência do STJ tem orientação no sentido de dar estabilidade a situações consolidadas com o tempo, se a boa-fé, a segurança jurídica, a confiança, a razoabilidade e a proporcionalidade demonstrarem que a sua dissolução causaria mais danos do que a sua manutenção, especialmente quando não houver prejuízo à parte contrária.​​

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EMPREGADOS PÚBLICOS DE FUNDAÇÃO ESTADUAL. ADMISSÃO. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. TRIBUNAL DE CONTAS. INTIMAÇÃO DOS RECORRENTES PARA INTEGRAR O PROCESSO. AUSÊNCIA. CONTRADITÓRIO E CERCEAMENTO DE DEFESA OFENSA CARACTERIZADA. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO RECONHECIDA. MANUTENÇÃO DAS CONTRATAÇÕES. CABIMENTO. DÚVIDA OBJETIVA ACERCA DA NECESSIDADE DE CONCURSO PÚBLICO NA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA NO PERÍODO DAS ADMISSÕES. EXISTÊNCIA RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ, DA CONFIANÇA E DA SEGURANÇA JURÍDICA. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO.
1. Não houve consumação de prazo decadencial ou prescricional, no caso concreto, entre as contratações dos Recorrentes e a instauração do procedimento administrativo em que foram anuladas, pelo Tribunal de Contas estadual.
2. No entendimento consolidado deste Superior Tribunal de Justiça, a ausência de intimação do interessado para integrar o processo instaurado, nas Cortes de Contas, com o objetivo de apurar a regularidade da admissão em cargo ou emprego públicos, constitui ofensa ao contraditório e à ampla defesa, causando a sua nulidade. Inteligência da Súmula Vinculante n.º 03, do Supremo Tribunal Federal.
3. O fato de os Recorrentes terem manifestado recurso de embargos contra a decisão que determinou a anulação de seus contratos de trabalho, quando dela tomaram conhecimento por meios extraprocessuais, não supre a nulidade mencionada. O exercício do contraditório e da ampla defesa deve ser possibilitado durante o procedimento e não somente após a prolação da decisão que repercutiu nos interesses individuais.
4. As contratações anuladas ocorreram em dezembro de 1988 e no primeiro semestre de 1989, logo após a promulgação da Constituição da República de 1988, quando havia dúvida jurídica acerca da necessidade de concurso público para a contratação, para cargos e empregos públicos, por parte das autarquias, fundações públicas, seja de personalidade jurídica de direito público ou de direito privado, de empresas públicas e sociedades de economia mista. A certeza da exigência de certame somente veio a ser consolidada com o julgamento do Mandado de Segurança n.º 21.322⁄DF, pelo Supremo Tribunal Federal, em 03⁄12⁄1992, com a publicação do acórdão em 23⁄04⁄1993.
5. Diante da amplitude do questionamento existente acerca da necessidade do concurso, o Tribunal de Contas da União fixou que a data da publicação do referido acórdão do Pretório Excelso seria o termo a partir do qual seriam tornadas nulas as admissões de pessoal, na Administração Indireta Federal, convalidando aquelas anteriores, em entendimento ratificado, posteriormente, em precedentes do Supremo Tribunal Federal. Se fossem os Recorrentes empregados públicos no âmbito federal, as suas contratações teriam sido convalidadas pela Corte de Contas da União, a partir do leading case da Suprema Corte.
6. A dúvida existente acerca da exigência no concurso público não era restrita ao âmbito da Administração Indireta federal, mas também se dava nos níveis estadual, distrital e municipal, pois decorria da interpretação de regra constitucional aplicável a todos os entes federados, motivo pelo qual não é caso de fazer distinção em relação aos Recorrentes, por serem empregados de fundação estadual.
7. O contexto no qual se deram as admissões, bem assim a presunção de legalidade e legitimidade que acompanham os atos administrativos demonstram que, na perspectiva dos Recorrentes, seus contratos de trabalho estavam dentro da legalidade estrita, podendo se concluir que agiram de boa-fé e criaram expectativa legítima e confiança acerca da regularidade de sua situação funcional, a qual se consolidava, cada vez mais, nas suas perspectivas, com o decorrer do tempo.
8. Esta Corte Superior, alinhada à orientação do Supremo Tribunal Federal, tem firmado posição no sentido de dar estabilidade a situações consolidadas com o tempo, quando a boa-fé, a segurança jurídica, a confiança, a razoabilidade e a proporcionalidade demonstrarem ser mais gravosa a sua dissolução do que a sua manutenção e quando não houver prejuízo à parte contrária. Se a Administração procedeu às contratações e vinham os Recorrentes exercendo as suas atividades, é porque havia necessidade da força de trabalho, e ocorreria prejuízo imediato, para a prestação dos serviços públicos, com os seus afastamento dos respectivos empregos, nos quais permanecem, exercendo suas funções, por mais de três décadas.
9. Recurso ordinário provido, a fim de conceder integralmente a segurança, para anular o ato coator praticado pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul e, também, anular o procedimento que culminou com a sua edição.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): RMS 20534

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