Rescisão de contrato coletivo não impõe fornecimento de plano de saúde individual não oferecido pela operadora

O fato de não comercializar planos de saúde individuais dispensa a operadora de fornecê-los em substituição ao plano coletivo empresarial rescindido unilateralmente por ela. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento parcial ao recurso de uma operadora de saúde contra decisão da Justiça do Distrito Federal.

O colegiado entendeu, no entanto, que deve ser mantido o vínculo contratual para os beneficiários do plano coletivo que estiverem internados ou em tratamento médico, até a respectiva alta, salvo se houver portabilidade de carências ou se for contratado novo plano coletivo pelo empregador.

O caso julgado envolveu dois usuários que ajuizaram ação objetivando a manutenção do plano coletivo – extinto por iniciativa da operadora – enquanto perdurasse a necessidade de tratamento médico. Pediram, ainda, que fosse oferecido plano individual ou familiar substituto e que a operadora fosse condenada a pagar danos morais.

O juízo de primeiro grau julgou os pedidos procedentes e fixou a indenização em R$ 10 mil. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios apenas majorou os danos morais para R$ 15 mil.

Ao STJ, a operadora alegou a impossibilidade de promover a migração de usuários da apólice grupal extinta para a individual, por não comercializar mais esse tipo de plano.

Operadora não é obrigada a oferecer plano individual

De acordo com o relator do recurso, o ministro Villas Bôas Cueva, a legislação prevê que, quando houver o cancelamento do plano privado coletivo de assistência à saúde, deve ser permitido aos empregados ou ex-empregados migrarem para planos individuais ou familiares, sem o cumprimento de carência, desde que a operadora comercialize tais modalidades (artigos 1º e 3º da Resolução 19/1999 do Conselho de Saúde Suplementar).

Todavia, afirmou o magistrado, a operadora não pode ser obrigada a oferecer plano individual se ela não disponibiliza no mercado essa modalidade, pois não é possível aplicar por analogia, em tal situação, a regra do artigo 30 da Lei 9.656/1998.

O que não se admite – acrescentou – é que a operadora discrimine consumidores, recusando arbitrariamente a contratação de serviços previstos em sua carteira, como estabelecido no REsp 1.592.278.

Boa-fé e função social do contrato

Segundo o ministro, embora possa promover a resilição unilateral do plano coletivo, a operadora “não poderá deixar ao desamparo os usuários que se encontram sob tratamento médico”.

Para o magistrado, tal conclusão deriva da “interpretação sistemática e teleológica” dos artigos 8º, parágrafo 3º, “b”, e 35-C da Lei 9.656/1998 e do artigo 18 da Resolução Normativa 428/2017 da Agência Nacional de Saúde Suplementar, “conjugada com os princípios da boa-fé, da função social do contrato, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana”.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL. OPERADORA. RESILIÇÃO UNILATERAL.  LEGALIDADE. INCONFORMISMO. USUÁRIO. PLANO INDIVIDUAL. MIGRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MODALIDADE. NÃO COMERCIALIZAÇÃO. PORTABILIDADE DE CARÊNCIAS. ADMISSIBILIDADE. BENEFICIÁRIO. TRATAMENTO MÉDICO. FINALIZAÇÃO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. NORMAS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3⁄STJ).
2. As questões controvertidas nestes autos são: a) se ocorreu negativa de prestação jurisdicional pela Corte de origem no julgamento dos embargos de declaração; b) se, em plano de saúde coletivo extinto, a operadora deve continuar a custear os tratamentos ainda não concluídos de beneficiários e c) se a operadora que rescindiu unilateralmente plano de saúde coletivo empresarial possui a obrigação de fornecer aos usuários, em substituição, planos na modalidade individual, mesmo na hipótese de não os comercializar.
3. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.
4. Quando houver o cancelamento do plano privado coletivo de assistência à saúde, deve ser permitido aos empregados ou ex-empregados migrarem para planos individuais ou familiares, sem o cumprimento de carência, desde que a operadora comercialize tais modalidades de plano (arts. 1º e 3º da Res.-CONSU nº 19⁄1999).
5. A operadora não pode ser obrigada a oferecer plano individual a usuário de plano coletivo extinto se ela não disponibiliza no mercado tal modalidade contratual (arts. 1º e 3º da Res.-CONSU nº 19⁄1999). Inaplicabilidade, por analogia, da regra do art. 30 da Lei nº 9.656⁄1998.
6. A exploração da assistência à saúde pela iniciativa privada também possui raiz constitucional (arts. 197 e 199, caput e § 1º, da CF), merecendo proteção não só o consumidor (Súmula nº 469⁄STJ), mas também a livre iniciativa e o livre exercício da atividade econômica (arts. 1º, IV, 170, IV e parágrafo único, e 174 da CF).
7. A concatenação de normas não significa hierarquização ou supremacia da legislação consumerista sobre a Lei de Planos de Saúde, até porque, em casos de incompatibilidade de dispositivos legais de igual nível, devem ser observados os critérios de superação de antinomias referentes à especialidade e à cronologia. Observância do art. 35-G da Lei nº 9.656⁄1998.
8. A portabilidade de carências nos planos de saúde poderá ser exercida, entre outras hipóteses, em decorrência da extinção do vínculo de beneficiário – como nas rescisões de contrato coletivo (empresarial ou por adesão) -, devendo haver comunicação desse direito, que poderá ser exercido sem cobrança de tarifas e sem o preenchimento de formulário de Declaração de Saúde (DS), afastando-se objeções quanto a Doenças ou Lesões Preexistentes (DLP). Incidência dos arts. 8º, IV e § 1º, 11 e 21 da RN nº 438⁄2018 da ANS.
9. A portabilidade de carências, por ser um instrumento regulatório, destina-se a incentivar tanto a concorrência no setor de saúde suplementar quanto a maior mobilidade do beneficiário no mercado, fomentando suas possibilidades de escolha, já que o isenta da necessidade de cumprimento de novo período de carência.
10. Nas situações de denúncia unilateral do contrato de plano de saúde coletivo empresarial, é recomendável ao empregador promover a pactuação de nova avença com outra operadora, evitando-se prejuízos aos seus empregados, que não precisarão se socorrer da portabilidade ou da migração a planos individuais, de custos mais elevados.
11. A operadora de plano de saúde, apesar de poder promover a resilição unilateral do plano de saúde coletivo, não poderá deixar ao desamparo os usuários que se encontram sob tratamento médico. Interpretação sistemática e teleológica dos arts. 8º, § 3º, “b”, e 35-C da Lei nº 9.656⁄1998 e 18 da RN nº 428⁄2017 da ANS, conjugada com os princípios da boa-fé, da função social do contrato, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana. Precedentes.
12. É possível a resilição unilateral e imotivada do plano de saúde coletivo, com base em cláusula prevista contratualmente, desde que cumprido o prazo de 12 (doze) meses de vigência da avença e feita a notificação prévia do contratante com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias, bem como respeitada a continuidade do vínculo contratual para os beneficiários que estiverem internados ou em tratamento médico, até a respectiva alta, salvo a ocorrência de portabilidade de carências ou se contratado novo plano coletivo pelo empregador, situações que afastarão o desamparo desses usuários.
13. Recurso especial parcialmente provido.

Ao dar parcial provimento ao recurso, o ministro afastou apenas a obrigatoriedade de oferecimento do plano individual substituto ao coletivo.

Leia o acórdão do REsp 1.846.502.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1846502

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