O ex-deputado federal é acusado de receber vantagem indevida por intermediar acordos com Paulo Roberto Costa, ex-diretor de abastecimento da Petrobras.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta terça-feira (2) o julgamento da Ação Penal (AP) 1002. O relator, ministro Edson Fachin, e o revisor, ministro Celso de Mello, votaram para condenar o ex-deputado federal Aníbal Gomes (PMDB-CE) e o engenheiro Luiz Carlos Batista Sá pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Por ausência de provas, os ministros votaram pela absolvição dos dois no crime de corrupção ativa e por parte dos crimes de lavagem. O julgamento será retomado na sessão da próxima terça-feira (9).
Caso
De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), em 2008, Gomes teria recebido vantagem indevida do escritório de advocacia que representava empresas de praticagem (serviço de auxílio à navegação) para interceder junto ao então diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa visando à celebração de acordo extrajudicial, tendo em vista que a Petrobras estava inadimplente desde 2004. Segundo a PGR, o deputado teria oferecido a Costa R$ 800 mil para facilitar as negociações. O acordo, assinado em agosto de 2008, envolvia o montante de R$ 69 milhões, dos quais R$ 3 milhões teriam sido entregues a Aníbal Gomes e a Luís Carlos Sá por meio da estrutura de outro escritório de advocacia.
A PGR sustenta que, a fim de ocultar e dissimular a origem, a localização e a propriedade desses valores, o segundo escritório de advocacia e Luís Carlos Sá teriam simulado a aquisição de uma propriedade rural no Tocantins e repassado a maior parte do montante a terceiros vinculados de alguma forma a Aníbal Gomes e, em menor proporção, diretamente a ele.
Atuação desviada
O ministro Edson Fachin iniciou seu voto lembrando que o crime de corrupção passiva exige que a ação do funcionário corrupto seja inequívoca, com a demonstração do propósito do agente de traficar com a função que exerce. Segundo Fachin, o presidencialismo de coalizão confere aos parlamentares um espectro de poder que ultrapassa a mera deliberação de atos legislativos, tanto que a participação efetiva de parlamentares nas decisões de governo se dá por meio da indicação de quadros para o preenchimento de cargos no Poder Executivo, explicou. Nesse ponto, segundo o relator, quando o poder do parlamentar de indicar alguém para um determinado cargo ou de lhe dar sustentação política para nele permanecer é exercida de maneira desviada ou viciada, voltada para a percepção de vantagens indevidas, há evidente mercadejamento da função parlamentar.
No caso concreto, para o ministro, a ascensão e a manutenção de Paulo Roberto Costa na estatal se deu, segundo declarações do próprio Aníbal, por influência de seu partido, o PMDB, e, de acordo com os autos, por meio da atuação proativa do deputado, que, na época, tinha trâmite na alta cúpula do partido. O conjunto probatório revela, para Fachin, a atuação desviada de Aníbal Gomes, a que conscientemente aderiu Luiz Carlos. Segundo o Fachin, os depoimentos de ambos confirmam que eles avistaram ali oportunidade de proveito econômico ilegítimo.
A intermediação do encontro dos representantes das empresas de praticagem com o diretor da Petrobras, de acordo com o relator Fachin, ultrapassou os legítimos interesses institucionais e parlamentares. “Os fatos revelaram ter o parlamentar se imiscuído no plano dos atos deliberadamente nefastos, tendo realizado intensa mobilização em torno dessa demanda, desde o início dos contatos, quando se dispôs a acompanhar pessoalmente o encontro entre os interessados para tratar de assunto que fugia às suas ordinárias funções parlamentares”, observou.
Outro ponto que confirma a influência que o então parlamentar tinha sob Paulo Roberto Costa é que, segundo depoimento da coordenadora de logística portuária da Petrobras, todo o trâmite entre as empresas de praticagem e a estatal foi realizado por meio da Diretoria de Abastecimento, área que, a princípio, não seria a responsável por supervisionar o acordo. Há também provas indubitáveis nos autos tanto da transferência dos valores de R$ 3 milhões a Luiz Carlos quanto das inúmeras transferências de dinheiro efetuadas no período imediatamente subsequente.
Aparência de licitude
A respeito da alegação de Luiz Carlos de que o montante teria advindo da venda de propriedade rural, o relator afirmou que a defesa não comprovou a transação. “Contrato deste porte não se faz sem o regular percurso de todos os procedimentos documentais, cartorários e fiscais impostos legalmente, sob pena da invalidade do negócio”, frisou.
Além disso, na tentativa de camuflar a autêntica origem da quantia, na sequência, os réus, para beneficiar Aníbal, se valeram de movimentações financeiras fracionadas em contas de pessoas interpostas. Dessa forma, observou o relator, ao contrário do afirmado pela defesa técnica, as operações bancárias sucessivas ao recebimento dos valores provenientes do crime antecedente não representam mero exaurimento do delito de corrupção passiva, mas estratégias utilizadas para o crime autônomo de lavagem de capitais. Esses repasses estão comprovados nos autos por meios de cópias de cheques compensados, comprovantes de transações bancárias, depoimentos de testemunha e planilha de pagamentos.
Ausência de provas
Por ausência de provas suficientes que corroborem que Aníbal tenha oferecido dinheiro a Paulo Roberto Costa em troca de sua atuação em favor dos interesses dos práticos na Petrobras, o ministro Edson Fachin votou para absolver o ex-parlamentar da acusação de corrupção ativa. Os dois foram também absolvidos, por falta de provas, da acusação de parte das condutas típicas de lavagem de capitais.
Conta de passagem
O ministro Celso de Mello, revisor da ação penal, acompanhou integralmente o voto do relator. Para ele, o consistente acervo probatório é suficientemente apto e revela, de modo coeso e convergente, o comércio da função pública praticada pelo então deputado federal Aníbal Gomes.
O decano frisou que maior parte das diversas transações bancárias realizadas por meio de pessoas interpostas não constituíram mero exaurimento do crime de corrupção passiva. A dinâmica do processo de lavagem de dinheiro no caso concreto, segundo o ministro, demonstra que os réus, a partir da conta-corrente de Luís Carlos Batista Sá, fizeram sucessivas transferências bancárias em nome de pessoas interpostas, cujas contas serviram apenas como “conta de passagem” das verbas ilícitas, para, em seguida, as quantias serem ou sacadas e repassadas em espécie a Aníbal ou utilizadas para pagamentos em seu benefício, de forma a ocultar e a dissimular a origem criminosa de tais recursos e promover uma eficiente ‘blindagem patrimonial” ao então congressista.
Leia a íntegra do voto do ministro Celso de Mello.
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