Para a 4ª Turma, a atividade de atendente de balcão não pode ser considerada de risco.
A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho FCD reformou decisão que condenou a FCD Hamburgueres Comércio de Alimentos Ltda. (Rede Bob’s) ao pagamento de indenização a um balconista de Belo Horizonte (MG) que sofreu acidente de moto no trajeto do trabalho para casa. Segundo o colegiado, não ficou configurada a atividade de risco.
Paraplegia completa
O acidente ocorreu na Rodovia MG-10, em maio de 2015, por volta da 6h20, depois que o empregado deixou a loja da empresa, no Aeroporto Internacional Tancredo Neves (Confins). Ele voltava para casa em sua motocicleta e, segundo o processo, teria dormido ao volante. O acidente resultou em politraumatismo, cirurgias e paraplegia. Na ação trabalhista, ele disse que oito empregados haviam faltado naquele dia, o que o teria levado à exaustão, por exceder a jornada de trabalho.
A empresa, em sua defesa, argumentou que a equipe do balconista estava completa no dia do acidente, que ele havia trabalhado normalmente durante a jornada e que os atendimentos à noite são reduzidos.
Equipe desfalcada
O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido de indenização, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) reformou a sentença e condenou o Bob’s a pagar R$ 280 mil por danos morais e materiais. Segundo o TRT, depoimentos colhidos no processo comprovaram que a equipe estava desfalcada em um empregado, o que teria gerado esforço extraordinário ao balconista e levado ao acidente no percurso empresa-casa.
Atividade de risco
O relator do recurso de revista da rede de lanchonetes, ministro Alexandre Ramos, considerou ter ficado claro que o balconista sofreu um acidente de trajeto após cumprir sua jornada de trabalho. Ponderou, contudo, que, com base nas regras da experiência e nas condições de normalidade, não se poderia concluir que as atividades de atendente de balcão possam se enquadrar no conceito de atividade de risco, na acepção do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil.
Em seu voto, o ministro observa que, ao contrário do afirmado pelo atendente, não houve falta significativa de empregados naquele turno, e a ausência de uma pessoa não poderia gerar sobrecarga significativa de trabalho a ponto de atrair a responsabilidade da empresa pelo acidente. O relator observa, ainda, que a equipe era composta de 12 a 13 empregados, não houve aumento da jornada na data do acidente e que o turno noturno era o de menor movimento. “Não há como condenar a FCD sem a comprovação de dolo ou culpa da empregadora”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA . ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 . DESPACHO DENEGATÓRIO PROFERIDO APÓS A VIGÊNCIA DA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40/2016 DO TST .
1. NULIDADE PROCESSUAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. DECISÃO DE MÉRITO EM FAVOR DA PARTE RECORRENTE. APLICAÇÃO DO ART. 282, § 2º, DO CPC/2015. NÃO APRECIAÇÃO.
I. Tendo em vista a possibilidade de julgamento do mérito em favor da parte ora Recorrente, deixa-se de apreciar o recurso quanto à alegação de nulidade processual. Aplicação da regra do § 2º do art. 282 do CPC/2015. II. Agravo de instrumento de que se deixa de apreciar, quanto ao tema.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. ACIDENTE DE TRAJETO. ATENDENTE DE BALCÃO. ATIVIDADE DE RISCO NÃO CARACTERIZADA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. CULPA DA RECLAMADA NÃO CONFIGURADA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO.
I. Hipótese em que o Tribunal Regional entendeu que o fato de a Reclamada não ter comprovado a real jornada desempenhada pelo Autor no dia 25/05/15, aliado à ” impressão do gerente de que ‘ no dia haviam faltado muitos empregados e que o reclamante deve ter dormido no volante’ , atesta que o autor no dia do sinistro submeteu-se à jornada exaustiva, o que ser serviu de concausa para o acidente “. II. É incontroverso que o Autor sofreu um acidente de trajeto após cumprir sua jornada de trabalho, tendo dormido na direção de sua motocicleta enquanto transitava na rodovia, o que lhe acarretou paraplegia completa. III. À luz das regras da experiência e, pautando-se pelas condições de normalidade, não parece plausível concluir que as atividades profissionais de atendente de balcão desenvolvidas pelo Autor possam ser inseridas no conceito de atividade de risco, na estrita acepção do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil . Diante desse cenário, tal como decidido pelo Tribunal Regional, a questão deve ser analisada sob o enfoque da responsabilidade subjetiva. IV. Como se observa do acórdão regional, a prova produzida, notadamente os cartões de ponto apresentados pela Reclamada, revela que, ao contrário do afirmado pelo Reclamante, não houve significativo absenteísmo dos demais empregados do turno noturno do dia 25/05/15. V. Cumpre ressaltar, apenas para se argumentar, que a ausência de um ou outro empregado não teria o condão de ensejar sobrecarga significativa de trabalho a ponto de atrair a responsabilidade da Reclamada pelo lamentável acidente que sofreu o Reclamante, mormente ao se considerar que: a) trata-se de equipe composta de 12 a 13 empregados; b) não houve elastecimento da jornada do Reclamante na data do acidente; e c) o turno noturno é o que tem menor movimento. VI. Demonstrada violação do art. 186 do Código Civil. VII . Agravo de instrumentode que se conhece e a que se dá provimento , para determinar o processamento do recurso de revista, observando-se o disposto no ATO SEGJUD.GP Nº 202/2019 do TST.
3. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. RECURSO DE REVISTA EM QUE NÃO SE ATENDEU AO REQUISITO DO ART. 896, § 1º-A, I, DA CLT. AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO. NÃO PROVIMENTO.
I. É ônus da parte, ” sob pena de não conhecimento ” do recurso de revista, observar o disposto nos incisos I, II e III do § 1º-A do art. 896 da CLT (redação dada pela Lei nº 13.015/2014). II. Nas razões de recurso de revista, a parte Recorrente deixou de atender ao requisito do inciso I do § 1º-A do art. 896 da CLT, pois não transcreveu o ” trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista “. III. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento.
B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. DESPACHO DENEGATÓRIO PROFERIDO APÓS A VIGÊNCIA DA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40/2016 DO TST .
1. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. ACIDENTE DE TRAJETO. ATENDENTE DE BALCÃO. ATIVIDADE DE RISCO NÃO CARACTERIZADA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. CULPA DA RECLAMADA NÃO CONFIGURADA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO.
I. No caso, a Corte Regional concluiu que ” o autor no dia do sinistro submeteu-se a jornada exaustiva, o que serviu de concausa para o acidente “, motivo pelo qual condenou a Reclamada ao pagamento de indenização por dano material e moral. II. Nos termos do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, só haverá obrigação de reparar danos patrimoniais e extrapatrimoniais se o infortúnio tiver resultado de proceder patronal doloso ou culposo , o que não se verificou na hipótese vertente. III. Nesse contexto, ao condenar a Reclamada ao pagamento de indenização por dano material e moral, sem a comprovação de dolo ou culpa da empregadora, a Corte Regional violou o art. 186 do Código Civil . IV. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-10535-68.2016.5.03.0179