Recuperação judicial pelo “cram down” é anulada por não cumprir requisitos

Processo em tramitação na 2ª Câmara de Direito Comercial envolvia duas transportadoras

A aprovação do Plano de Recuperação Judicial (PRJ) deve cumprir três requisitos, segundo o parágrafo 1º, do artigo 58, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF): o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à Assembleia Geral de Credores (AGC); a aprovação de três das classes de credores; e na classe que houve rejeitado o PRJ, voto favorável de mais de 1/3 dos credores. Assim, a 2ª Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) anulou a recuperação judicial de duas transportadoras, em Caçador, homologadas pelo mecanismo do “cram down”.

O “cram down” é um instituto criado e utilizado na doutrina americana que possibilita ao juiz da recuperação judicial impor aos credores discordantes a aprovação do plano apresentado pela recuperanda e já aceito pela maioria dos demais credores, desde que o plano tenha obtido, de forma cumulativa, os requisitos previstos na LRF. No caso concreto, na votação da AGC, a maior credora, com mais de 50% do valor de todos os créditos (R$ 8 milhões), votou contra o plano de recuperação judicial e o seu posicionamento foi considerado abusivo pelo juízo de 1º grau.

Inconformada com a sentença que aprovou o PRJ, a maior credora recorreu ao TJSC. Aliás, o crédito é decorrente de condenação imposta a uma das recuperandas por danos materiais e morais decorrentes de acidente de trânsito, que a deixou incapacitada para os atos da vida civil, além de sequelas que demandam tratamento médico constante. A credora pleiteou o reconhecimento do seu voto; o afastamento da aplicação da regra do “cram down”, rejeitando o plano de recuperação aprovado e, por consequência, a realização de nova assembleia.

O colegiado decidiu de forma unânime reformar a sentença. Isso porque nada há na lei que obrigue o credor a não defender seus próprios interesses. Pelo contrário, a alteração promovida pela Lei n. 14.112/20 foi contundente no sentido de, expressamente, declarar que “o voto será exercido pelo credor no seu interesse e de acordo com o seu juízo de conveniência”.

“Ora, ainda que se possa considerar a mitigação dos requisitos autorizadores do cram down, resta claro que o PRJ não foi aprovado por uma das três classes que compareceram à AGC, não tendo também alcançado votação favorável de mais da metade dos créditos presentes ao ato assemblear, como a LReF exige. Assim, sua aprovação via cram down configura não mitigação, mas verdadeiro contraponto à legislação de regência e, mais ainda, à vontade soberana dos credores, motivo pelo qual entendo deva ser reformada a decisão e declarado rejeitado o plano homologado”, anotou o desembargador relator em seu voto.

5020935-93.2024.8.24.0000

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