Para a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o requisito “não ter integrado organização criminosa” previsto no inciso V do parágrafo 3º do artigo 112 da Lei de Execução Penal (LEP), para progressão de regime da mulher gestante, mãe ou responsável por criança ou pessoa com deficiência, deve ser interpretado de acordo com a definição de organização criminosa da Lei 12.850/2013, a chamada Lei de Combate ao Crime Organizado.
O colegiado aplicou o entendimento ao julgar habeas corpus impetrado contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que indeferiu a progressão ao regime semiaberto de uma apenada com filho de seis anos, sob o argumento de que não teria sido preenchido o requisito da LEP, já que a paciente cumpre pena pela prática do crime de associação para o tráfico de drogas.
No habeas corpus apresentado ao STJ, a defesa alegou que ela faz jus à progressão de regime especial prevista na LEP. Requereu ainda a retificação do cálculo da pena, visando a adoção da fração de 1/8 estabelecida na nova redação do artigo 112.
Organização criminosa
A relatora do caso, ministra Laurita Vaz, lembrou que a Lei 13.769/2018 incluiu o parágrafo 3º no artigo 112 da LEP para instituir a progressão de regime especial. Segundo ela, a norma exigiu a presença de cinco requisitos cumulativos para a concessão do benefício – entre eles, a circunstância de “não ter integrado organização criminosa”.
Para a ministra, o argumento adotado pelo TJSP de que o termo “organização criminosa” não se refere ao crime previsto na Lei 12.850/2013, pois seria uma expressão genérica capaz de abranger todas as espécies de sociedades criminosas, não se coaduna com a correta interpretação da norma.
“Com efeito, a referida regra tem conteúdo material (norma híbrida), porquanto trata de progressão de regime prisional, relacionado com o jus libertatis, o que impõe ao intérprete a submissão a todo o conjunto de princípios inerentes às normas penais”, afirmou.
Complemento normativo
Segundo Laurita Vaz, o inciso V do parágrafo 3º do artigo 112 da LEP é exemplo de norma penal em branco com complemento normativo, pois o próprio legislador, respeitando o princípio da taxatividade (decorrente do princípio da estrita legalidade), encarregou-se de apresentar a definição de organização criminosa ao editar a Lei 12.850/2013.
“Não é legítimo que o julgador, em explícita violação ao princípio da taxatividade da lei penal, interprete extensivamente o significado de organização criminosa a fim de abranger todas as formas de societas sceleris. Tal proibição fica ainda mais evidente quando se trata de definir requisito que restringe direito executório implementado por lei cuja finalidade é aumentar o âmbito de proteção às crianças ou pessoas com deficiência, reconhecidamente em situação de vulnerabilidade em razão de suas genitoras ou responsáveis encontrarem-se reclusas em estabelecimentos prisionais”, acrescentou.
A relatora destacou ser vedada a interpretação extensiva de normas penais para prejudicar o réu, frisando que o propósito da legislação e a existência de complemento normativo impõem “exegese restritiva e não extensiva”.
“O legislador, quando teve o intuito de referir-se a hipóteses de sociedades criminosas, o fez expressamente, conforme previsão contida no artigo 52, parágrafo 1º, inciso I, parágrafo 3º, parágrafo 4º, inciso II, e parágrafo 5º, da Lei 7.210/1984, que distinguem organização criminosa de associação criminosa e milícia privada”, esclareceu a ministra.
Ao conceder o habeas corpus por unanimidade, a turma determinou que o juízo das execuções penais retifique o cálculo da pena e se abstenha de considerar a condenação pelo crime de associação para o tráfico de drogas na análise do requisito contido no inciso V do parágrafo 3º do artigo 112 da LEP.
Leia o acórdão.