Primeira Seção ajusta tese repetitiva sobre renúncia de valores para demandar em juizado especial federal

Ao analisar embargos de declaração, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu ajustar a tese fixada no julgamento do Tema 1.030 dos recursos repetitivos, no qual o colegiado admitiu a possibilidade de que a parte renuncie a valores que excedam 60 salários mínimos para conseguir demandar em juizado especial federal e, assim, obter uma tramitação mais rápida e com menos formalidades.

A nova redação ficou definida da seguinte forma: “Ao autor que deseje litigar no âmbito de juizado especial federal cível, é lícito renunciar, de modo expresso e para fins de atribuição de valor à causa, ao montante que exceda os 60 salários mínimos previstos no  artigo 3º, caput, da Lei 10.259/2001, aí incluídas, sendo o caso, até 12 prestações vincendas, nos termos do artigo 3º, parágrafo 2º, da referida lei, combinado com o artigo 292, parágrafos 1º e 2º, do Código de Processo Civil de 2015″.

A inclusão do trecho final na redação da tese foi proposta pelo ministro Og Fernandes. Segundo ele, a complementação da tese – deixando claro que as parcelas vincendas que podem ser objeto de renúncia são apenas as compreendidas em uma anuidade, e não a totalidade do montante a vencer – não representa inovação do julgamento, já que estava presente no voto do relator do recurso repetitivo, ministro Sérgio Kukina.

Contradição

Além disso, Og Fernandes apontou que a matéria também foi tratada no acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que julgou o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). No acórdão, o TRF4 estabeleceu que, quando a causa versar apenas sobre prestações vincendas e a obrigação for por tempo indeterminado ou superior a um ano, deverá ser considerado para a apuração de seu valor o montante representado por uma anuidade.

O magistrado também destacou que a União, no recurso especial dirigido ao STJ, defendeu que fosse rejeitada a possibilidade de renúncia para fins de competência dos juizados especiais e, subsidiariamente, se aceita a renúncia, que as partes fossem chamadas a abrir mão de todo o valor que excedesse 60 salários, incluindo todas as parcelas vincendas – e não apenas uma anualidade.

Para Og Fernandes, seria uma contradição se a Primeira Seção, por um lado, negasse provimento ao recurso da União – como fez no julgamento do caso – e, por outro, piorasse a situação da parte recorrida, estendendo a possibilidade de renúncia para muito além do que foi decidido na instância de origem.

“Não se pode negar provimento ao recurso especial da União e, ao mesmo tempo, deferir a sua pretensão recursal subsidiária, sob pena de piorar a situação do segurado em relação ao julgamento do tribunal de origem. Seria uma violação frontal ao princípio da proibição da reformatio in pejus, corolário do efeito devolutivo inerente aos recursos”, concluiu o ministro.​

O recurso ficou assim ementado:

EMBARGOS  DE  DECLARAÇÃO  NO  RECURSO  ESPECIAL. CONTRADIÇÃO  INTERNA  ENTRE  O  JULGADO  E A  TESE FIRMADA.  ALTERAÇÃO  DA  REDAÇÃO  DA  TESE.  EMBARGOS DECLARATÓRIOS ACOLHIDOS.

  1. Merece acolhida  a  irresignação  da  parte  embargante,  tendo  em vista  a  ocorrência  de  contradição  interna  entre  o  julgado  e  a  tese firmada no acórdão embargado.

  2. A pretensão da embargante não se dirige ao mérito do julgamento, cingindo-se à redação da tese, no intuito de que nela fique expresso que as prestações vincendas que podem ser objeto de renúncia são as compreendidas em uma anuidade, isto é, doze meses, com base na aplicação conjugada dos arts. 3º, § 2º, da Lei 10.259/2001 e 292 do CPC/2015. Tal entendimento não se caracteriza como tentativa de inovação no julgamento, tendo sido expressamente acolhido no corpo do voto do relator, às e-STJ fls. 860-861.

  3. Essa matéria também  foi  expressamente  tratada  no  acórdão  do TRF-4ª Região que julgou o IRDR, como se lê às e-STJ fls. 282-292.

  4. Importante atentar que a União, em seu recurso especial, faz dois pedidos. Em caráter  principal,  pede  que  não  seja  aceita  a possibilidade  de  renúncia  para  fins  de  competência  nos  juizados especiais federais. E, como pleito subsidiário, pede expressamente, como se lê à e-STJ fl. 412, que: “Desse modo, requer-se, aceita a renúncia,  que  sejam  as  partes  instadas  a  renunciarem  ao  valor que  excede  de  forma  total  o  valor  de  60  salários  mínimos, consideradas  de  forma  integral  as  parcelas  vincendas,  e  não apenas uma anualidade.” (grifou-se)

  5. Com a devida  vênia,  seria  uma  flagrante  contradição  que  o colegiado, por um lado, negasse provimento ao recurso especial – tal qual decidido às e-STJ fls. 840-861 – e, por outro, piorasse a situação da parte recorrida, estendendo a possibilidade de renúncia para muito além do que decidido na instância de origem, tal qual consta no voto do e. Relator no julgamento dos presentes embargos de declaração.

  6. Ou seja, não  se  pode  negar  provimento  ao  recurso  especial  da União,  e,  ao  mesmo  tempo,  deferir  a  sua  pretensão  recursal subsidiária, sob pena de piorar a situação do segurado em relação ao julgamento  do  tribunal  de  origem.  Seria  uma  violação  frontal  ao princípio  da  proibição  da  reformatio  in  pejus,  corolário  do  efeito devolutivo inerente aos recursos.

  7. Isso fica bastante  claro  quando  se  observa  a  definição  do  caso concreto pelo TRF-4ª Região, à e-STJ fl. 290: “Não obstante, admitido que as parcelas vencidas somam cerca de R$ 46.749,38,ainda que o valor  de  uma  anuidade  seja  expressivo  (R$79.200,00),  nada impede  que  em  relação  ao  valor  total  da  causa  (R$125.949,38) haja, se assim desejar a parte, renúncia, observado tudo o quanto acima exposto.” (grifou-se)

  8. Caso prevalecesse o entendimento do e. Relator, a renúncia não abrangeria apenas uma anualidade, mas todas as parcelas vincendas. Como a ação foi ajuizada em dezembro/2015, a renúncia não atingiria apenas a anualidade de 2016 – como decidido pela origem e mantido pelo STJ ao negar provimento ao recurso especial -, mas todas as prestações devidas entre dezembro/2015 e o momento da execução.

  9. Como exposto no acórdão da origem, à e-STJ fl. 289, cada parcela mensal no  caso  concreto  representa  R$6.600,00  (seis  mil  e seiscentos reais). A renúncia de uma anualidade permitida pelo TRF-4ª  Região,  de  R$79.200,00,  seria  acrescida  –  pelo  entendimento manifestado  pelo  STJ  ao  manter  o  acórdão  –  de  cerca  de R$343.200,00  [valor  correspondente  às  52  (cinquenta  e  duas) prestações  compreendidas  entre  janeiro/2017  e  abril/2021],  até  o presente momento. A perda financeira seria enorme – e inexplicável – para um segurado que viu o recurso especial da parte adversa ser improvido e o acórdão que lhe fora favorável ser mantido por esta Corte  Superior. Em  adendo,  registre-se  que  a  perda  de  todas  as parcelas compreendidas entre 2017 e o momento atual decorreria não de culpa da parte, mas sim em virtude da demora do próprio Poder Judiciário em julgar a lide.

  10. Assim, a título de complementar o louvado voto do e. Relator, e colaborar com o  aperfeiçoamento  do  julgamento,  eliminando contradição interna entre o julgado e a tese firmada, entendo que os embargos de declaração devem ser acolhidos, propondo o acréscimo do trecho em negrito na tese, que segue assim redigida:“Ao autor que deseje  litigar  no  âmbito  de  Juizado  Especial  Federal  Cível,  é  lícito renunciar,  de  modo  expresso  e  para  fins  de  atribuição  de  valor  à causa, ao montante que exceda os 60 (sessenta) salários mínimos previstos no art. 3º, caput, da Lei 10.259/2001, aí incluídas, sendo o caso, até doze prestações vincendas, nos termos do art. 3º, § 2º, da referida lei, c/c o art. 292, §§ 1º e 2º, do CPC/2015.”.

  11. Embargos de declaração acolhidos, sanando-se a contradição no acórdão embargado, nos termos acima expostos

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Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1807665

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