A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou recurso da Fazenda Nacional e, por unanimidade, decidiu que o parentesco com o presidente da Brasilcap Capitalização S.A. – sociedade privada integrante do conglomerado do Banco do Brasil – não impede o acesso ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT).
Para o colegiado, o cargo na direção da Brasilcap não pode ser considerado função pública e, portanto, não há impedimento para que parentes de quem o exerce tenham acesso aos benefícios tributários previstos pela Lei 13.254/2016.
A legislação foi editada com o objetivo de regularizar recursos, bens ou direitos que, embora de origem lícita, não foram declarados ou o foram de maneira incorreta ao serem mantidos no exterior ou repatriados para o Brasil.
A discussão do caso girou em torno do artigo 11 da Lei 13.254/2016, segundo o qual não poderão usufruir do RERCT os detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, tampouco o respectivo cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau, ou por adoção.
Segundo a Fazenda Nacional, a sogra do presidente da Brasilcap não poderia aderir ao regime especial porque a empresa, como integrante do grupo do Banco do Brasil, faria parte da administração pública federal indireta e, dessa forma, o seu presidente deveria ser caracterizado como ocupante de função pública de direção, atraindo o impedimento previsto no artigo 11 da Lei 13.254/2016, que instituiu o RERCT.
Função pública tem conceitos mais amplos e estritos
O relator do recurso, ministro Paulo Sérgio Domingues, comentou que o conceito de função pública admite mais de uma acepção. Em sua perspectiva mais estrita, apontou, trata-se do conjunto de atribuições de direção, chefia ou assessoramento que são conferidas a servidores públicos ocupantes de cargo efetivo na administração – ou seja, aquelas descritas no artigo 37, inciso V, da Constituição Federal.
Contudo, em um sentido mais amplo – ressaltou o ministro –, a função pública pode ser compreendida como qualquer atividade do Estado que busque diretamente a satisfação de uma necessidade ou conveniência pública. Nessa perspectiva, Domingues comentou que o exercício dessa função não é exclusivo do servidor público, podendo ser atribuído a outros agentes públicos.
“Não parece haver dúvidas de que presidente de sociedade anônima, eleito por assembleia de acionistas disciplinada nos termos da Lei 6.404/1976, não ocupa cargo efetivo na administração pública direta ou indireta, colocando-se, portanto, completamente à margem do conceito de ‘função pública’ em seu sentido estrito”, ponderou o relator.
Poder público não tem maioria do capital votante na Brasilcap
Por outro lado, Paulo Sérgio Domingues destacou que a Brasilcap – formada a partir de parceria entre a BB Seguros Participações S.A., empresas privadas e outros acionistas – tem status de sociedade privada, com patrimônio próprio e capital votante que majoritariamente não pertence, de forma direta nem indireta, ao poder público central (União, estado, Distrito Federal ou município).
Segundo o ministro, essas características impedem que se considere a Brasilcap como sendo integrante da administração pública direta ou indireta. Como consequência, Domingues enfatizou que o administrador não conduz a empresa como instrumento da vontade do poder público, mas sim para o atendimento dos interesses da própria companhia.
“Esse administrador, então, não pode ser rotulado como agente público, mas sim privado, e não exerce função pública de direção, ainda quando tomada essa figura jurídica por seu sentido mais amplo”, completou. Ao negar o recurso da Fazenda, o ministro apontou que entendimento distinto levaria à conclusão de que devem ser considerados ocupantes de função pública todos os administradores de sociedades por ações nas quais um ente estatal tenha posição minoritária, o que incluiria inúmeras empresas de capital aberto.
Leia o acórdão no REsp 2.090.730.