No caso de resolução de contrato de compra e venda de imóvel, ainda que o comprador possua o direito de retenção por benfeitorias, ele não está dispensado da obrigação de pagar aluguel ou taxa de ocupação ao vendedor pelo tempo em que usou o bem, enquanto exercia tal direito.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná que isentou o comprador do pagamento de aluguéis pelo período em que exerceu o direito de retenção por benfeitorias.
Ao STJ, o vendedor alegou que, sob pena de enriquecimento ilícito, o comprador deveria indenizá-lo por todo o período de ocupação do imóvel. Sustentou ainda que o não pagamento dos aluguéis em virtude do direito de retenção seria incoerente com a ideia de retorno ao estado anterior à formalização do contrato e de indenização efetiva de todos os prejuízos.
Benfeitorias
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, explicou que benfeitorias são bens acessórios acrescentados ao imóvel (bem principal) pela pessoa que detém sua posse, com a finalidade de aperfeiçoar seu uso, evitar que se deteriore ou se destrua, ou, ainda, de embelezá-lo ou torná-lo mais agradável.
Pelo princípio da gravitação jurídica – ressaltou –, as benfeitorias acompanham o imóvel, de forma que esses melhoramentos introduzidos pelo possuidor direto, em algumas situações, passam para o patrimônio do proprietário (possuidor indireto) quando o bem principal retorna à sua posse.
Segundo a ministra, o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis que fez e de retenção do bem principal, não sendo obrigado a devolvê-lo até que seu crédito, referente a tais benfeitorias, seja satisfeito (artigo 1.219 do Código Civil).
Enriquecimento sem causa
Nancy Andrighi observou que, com fundamento na vedação do enriquecimento sem causa, a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que a utilização do imóvel objeto do contrato de compra e venda enseja o pagamento de aluguéis ou de taxa de ocupação pelo tempo de permanência, independentemente de quem tenha sido o causador do desfazimento do negócio.
“Por impedir o enriquecimento sem causa, vedado pelo ordenamento, o pagamento de taxa de ocupação ou de aluguéis não depende sequer da aferição da boa-fé ou não do adquirente na posse do imóvel, sendo, pois, devido em relação à integralidade do período em que a citada posse foi exercida”, afirmou.
A relatora lembrou precedente no qual a Quarta Turma concluiu que a investigação sobre a boa-fé do possuidor pode ser importante para aferir a possibilidade de retenção e de indenização por benfeitorias, mas nada disso dispensa o pagamento pelo uso do imóvel.
Para a ministra, como a contraprestação pelo uso do bem decorre da vedação ao enriquecimento sem causa, e como o direito de retenção não é um direito absoluto, o crédito que o comprador possui pelas benfeitorias deve ser compensado com os valores referentes aos aluguéis ou à taxa de ocupação – por aplicação analógica do artigo 1.221 do Código Civil, que informa que ”as benfeitorias compensam-se com os danos”.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INADMISSÃO. DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTOS. IMPUGNAÇÃO. AUSÊNCIA. INÉPCIA. SÚMULA 182⁄STJ.1. Não deve ser conhecido o agravo em recurso especial que não impugna, especificamente, todos os fundamentos da decisão agravada, conforme disposto na Súmula 182⁄STJ.2. Agravo em recurso especial de JOÃO DIAS DE OLIVEIRA não conhecido.RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESOLUTÓRIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL. BENFEITORIAS. DIREITO DE RETENÇÃO. ART. 1.029 DO CC⁄02. LIMITE. VALOR DA INDENIZAÇÃO DEVIDA. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. VEDAÇÃO. ART. 884 CC⁄02. ALUGUÉIS. TAXA DE OCUPAÇÃO. UTILIZAÇÃO DE IMÓVEL ALHEIO. INCIDÊNCIA. PERÍODO DE OCUPAÇÃO DO IMÓVEL. INTEGRALIDADE. INDENIZAÇÕES. VALORES. COMPENSAÇÃO. PROVIMENTO.1. Cuida-se de ação de resolução de contrato de compra e venda de imóvel, fundada no inadimplemento do comprador, na qual a obrigação de pagar aluguéis pela ocupação do imóvel foi suspensa durante o período de exercício do direito de retenção por benfeitorias.2. Recurso especial interposto em: 17⁄05⁄2019; conclusos ao gabinete em: 27⁄12⁄2020; aplicação do CPC⁄15.3. O propósito recursal consiste em determinar se: a) ocorreu negativa de prestação jurisdicional; e b) na resolução de contrato de compra e venda de imóvel, existindo o direito à retenção por benfeitorias, deve-se, durante seu exercício, isentar o adquirente do pagamento de aluguéis ou taxa de ocupação.4. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 1.022, I e II, do CPC⁄15.5. Pelo princípio da gravitação jurídica, as benfeitorias, bens acessórios, acompanham o bem imóvel, bem principal, de forma que, em algumas hipóteses, esses melhoramentos introduzidos no imóvel pelo possuidor direto entram para o patrimônio do proprietário, possuidor indireto, quando o bem principal retorna à sua posse.6. Na forma do art. 1.029 do CC⁄02, o possuidor de boa-fé tem o direito de reter o imóvel alheio até que lhe seja paga a indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis por ele introduzidas no bem.7. A utilização do imóvel objeto do contrato de compra e venda enseja o pagamento de aluguéis ou de taxa de ocupação pela integralidade do tempo de permanência, independentemente de quem tenha sido o causador do desfazimento do negócio e da boa ou má-fé da posse exercida pelo adquirente, pois se trata de meio de evitar o enriquecimento ilícito do possuidor pelo uso de propriedade alheia. Precedentes.8. Ainda que o adquirente possua direito de retenção por benfeitorias, não pode ser isento, no período de exercício desse direito, da obrigação de pagar ao vendedor aluguéis ou taxa de ocupação pelo tempo que usou imóvel alheio.9. O direito de retenção não é absoluto e deve ser exercido nos limites dos valores da correspondente indenização pelas benfeitorias, que devem ser compensados com o montante devido pela ocupação do imóvel alheio – aluguéis ou taxa de ocupação.10. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido isentou o recorrido (adquirente) do pagamento de aluguéis ou de taxa de ocupação no período em que estivesse exercendo o direito de retenção pelas benfeitorias por ele inseridas no citado bem, desviando-se, assim, da jurisprudência desta Corte sobre o tema.11. Recurso especial provido.
Leia o acórdão.