Segundo ações, é constitucionalmente inviável entender carreira policial como jurídica e lhe atribuir independência funcional sem interferir indevidamente nas atribuições do MP
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, propôs um conjunto de ações contra emendas a constituições estaduais que deram autonomia à polícia civil, em especial à carreira de delegado, atribuindo-lhes função de natureza jurídica. As ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) foram enviadas ao Supremo Tribunal Federal e questionam normas do Espírito Santo, de Santa Catarina, de São Paulo e do Tocantins. Legislações similares de outros estados vêm sendo analisadas e podem ser também alvo de ações.
A ADI 5517 questiona a Emenda 95/2013 à Constituição do Estado do Espírito Santo. Já a ADI 5520 pede que seja declarada inconstitucional a Emenda 61/2012, incluída na Constituição de Santa Catarina. Quanto a São Paulo, a ADI 5522 afirma que a Emenda 35/2012 não é compatível com a Constituição da República. As normas são inconstitucionais, segundo Janot, pois classificam a Polícia Civil como atribuição essencial à função jurisdicional e à defesa da ordem jurídica, além de darem aos policiais garantias como independência funcional e livre convicção.
A Emenda 26/2014 à Constituição do Estado do Tocantins foi além dos pontos questionados por Janot nas ações anteriores. Também assegurou aos policiais vitaliciedade e inamovibilidade. A emenda, segundo o PGR, “enfraquece a efetivação do controle externo da atividade policial pelo Ministério Público. Desnatura a destinação constitucional da polícia e agride os princípios da finalidade e da eficiência no funcionamento da própria polícia.” A emenda foi questionada pela ADI 5528 .
“A descabida ʻindependência funcionalʼ da polícia igualmente ensejará desvio de finalidade, perda de eficiência na ação estatal e tumulto processual”, diz Janot. O procurador-geral aponta que a aprovação dessas “leis policiais” é um movimento de grande risco para as garantias do cidadão: a autonomia do Ministério Público e a possibilidade de exercer suas funções constitucionais é requisito para existir verdadeiro processo legal e o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos, como salienta, por exemplo, o jurista italiano Luigi Ferrajoli.
Argumentos – As normas, conforme as ações, desnaturam a função policial ao equiparar indevidamente a carreira de delegado às carreiras jurídicas, como a magistratura judicial e a do Ministério Público, com o intuito de aumentar a autonomia policial. “Cria verdadeira disfunção do ponto de vista administrativo, ao conferir ao cargo – respeitável, sem dúvida – de delegado de polícia atributos que lhe são estranhos e que se contrapõem à conformação constitucional e da legislação penal da polícia criminal”, sustenta.
Segundo Janot, as leis acabam permitindo que delegado de polícia, com fundamento em independência funcional que não é amparada pela Constituição, descumpra requisições do Ministério Público. “Se o inquérito policial tem como destinatário final o Ministério Público, cabe somente a este decidir acerca da necessidade de diligências a serem obrigatoriamente cumpridas pela autoridades policial.”
“Compete ao Ministério Público dirigir a investigação criminal, no sentido de definir quais provas considera relevantes para promover a ação penal, com oferecimento de denúncia ou promoção de arquivamento. Isso, claro, não exclui o importante trabalho da polícia criminal nem implica atribuir ao MP ʻpresidênciaʼ do inquérito policial, quando esse procedimento for necessário”, argumenta o PGR, que conclui: “parece indiscutível que a investigação deve ser feita em harmonia com as linhas de pensamento, de elucidação e de estratégias definidas pelo MP.”