Para Augusto Aras, edição e revogação de normas pelo Conama devem se pautar pelo máximo de desenvolvimento sustentável e segurança jurídica
O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer pela procedência parcial da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 748/DF, que questiona a revogação de três resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Para o PGR, a revogação deixa um vácuo normativo porque as resoluções contêm mais detalhes do que a lei (Código Florestal) em matérias relevantes como o licenciamento de atividades de irrigação e a definição de áreas de preservação permanente.
Sem fazer juízo sobre aspectos técnicos de como licenciamentos ou demarcações devem ou não ser feitos, o PGR defende que a revogação de resoluções mais detalhadas do que a lei que trata do assunto pode gerar insegurança jurídica e danos ao meio ambiente, contrariando os princípios da precaução, da prevenção e da vedação ao retrocesso previstos na Constituição Federal.
A ADPF 478 trata das Resoluções nº 284/01, 302/02 e 303/02 do Conama, anuladas pela Resolução n° 500/20. A ação também questiona a Resolução nº 449/2020, que dispõe sobre o licenciamento de atividades de coprocessamento de resíduos em fornos rotativos de produção de clínquer. Nesse caso, no entanto, Augusto Aras afirma que a norma está de acordo com a legislação, já que exige licenciamento para a atividade, e deve ser mantida.
A ação foi proposta pelo Partido Socialista Brasileiro, com pedido liminar, já deferido parcialmente pelo Supremo para manter, até o julgamento final, a vigência das normas revogadas. A Resolução 284/2001 tratava do licenciamento de empreendimentos de irrigação. A Resolução 302/02 dispunha, de modo específico, sobre parâmetros, definições e limites de áreas de preservação permanente de reservatórios e lagos artificiais, com regras para o uso do entorno. Já a Resolução 303/02 determinava parâmetros para 15 tipos de áreas de preservação permanentes, com destaque para a proteção de restingas, estabelecendo preservação na faixa mínima de 300 metros medidos a partir da linha de preamar máxima ou em qualquer outra localização, se a vegetação tiver função de fixar dunas ou estabilizar mangues. As resoluções foram revogadas sob o argumento de que trariam regras previstas em diplomas posteriores, como do Código Florestal (Lei n° 12.651/12 ), e teriam se tornado, portanto, desnecessárias.
O procurador-geral da República discorda. No parecer, ele lembra que a Constituição estabelece os princípios da precaução e da prevenção em matéria ambiental, de modo a evitar danos irreversíveis ou de difícil reparação e garantir o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as gerações presentes e futuras. Determina também a vedação ao retrocesso, para que direitos já assegurados sejam mantidos, com revisões apenas para ampliá-los. Segundo Aras, deve haver um “equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental, permitindo uma atuação ecologicamente correta, economicamente viável e socialmente justa”. No entanto, isso não pode significar comprometimento do núcleo essencial do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
No caso da Resolução 284, o PGR explica que ela é o único normativo federal que traz regras específicas para licenciamento de atividades de irrigação, que podem causar sérios danos quando são mal feitas, desde poluição ou esgotamento de mananciais até a degradação do solo por erosão e salinização. Por isso, a resolução deve ser mantida até a edição de outra regra de proteção ambiental no mesmo nível ou superior, para assegurar a proteção do meio ambiente. “A simples revogação da resolução sem que quaisquer outros dispositivos passem a dispor especificamente sobre a necessidade e sobre os parâmetros exigidos para a concessão de licenças ambientais para a prática de irrigação tem o potencial de criar situação de insegurança jurídica, que pode resultar em fragilização da proteção do meio ambiente em relação aos potenciais danos causados por essa atividade”, pontuou.
Novo Código Florestal – A Resolução nº 303/02, que trata da definição de áreas de preservação permanente no entorno de lagos artificiais, foi considerada desnecessária porque o Código Florestal estabelece que essas áreas são de preservação na faixa definida na licença ambiental do empreendimento. Mas, segundo Aras, a Resolução 302/02 ainda pode oferecer, sem exceder seu papel regulamentador, critérios mínimos a serem observados nos licenciamentos a que estarão sujeitos esses locais. De acordo com ele, a falta de um quadro normativo prevendo critérios claros para esse licenciamento pode acarretar em “completa desproteção dessas áreas”.
O mesmo argumento de incompatibilidade com o Código Florestal foi usado para revogar a Resolução nº 303, que trazia limites claros para a preservação de restingas, estabelecendo faixas de áreas protegidas a partir do preamar. O novo Código Florestal protege apenas as restingas fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangue, conferindo ao chefe do Poder Executivo a competência para determinar outras áreas de preservação. “Ocorre que a Resolução do Conama é compatível com a Lei 12.651/2012, não havendo que se falar em retirada de competências normativas deste órgão”. Ele explica que a melhor interpretação para o dispositivo do Código Florestal é a que assegura ao chefe do Poder Executivo o poder normativo para criar APPs, mas não exclui a atribuição de outros órgãos, como é o caso do Conama.
O PGR lembra que o Conama pode estabelecer regulamentação em matéria ambiental, principalmente por resoluções de alcance nacional com diretrizes, normas técnicas, critérios e padrões a serem seguidos pelos demais órgãos encarregados da proteção ambiental, aplicáveis inclusive ao licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como à delimitação de áreas de preservação permanente. Para o PGR, o novo Código Florestal não revoga automaticamente atos anteriores compatíveis com ele, como é o caso das duas resoluções, que devem ser mantidas.
Resíduos sólidos – A Resolução nº 449/2020 foi questionada por permitir o uso de agrotóxicos e outros resíduos como combustível alternativo em fornos de altas temperaturas para produção de clínquer (processo de produção do cimento). O PGR explica que a técnica permite a destruição de resíduos provenientes de diversas atividades e indústrias na fabricação de produtos que requerem altas temperaturas e é considerado uma alternativa econômica e ambientalmente viável para rejeitos imprestáveis para outras destinações e que terminariam descartados em aterros sanitários.
Segundo Aras, a norma traz diretrizes claras para o uso dessas substâncias nos fornos, prevendo inclusive licenciamento ambiental da atividade. A resolução decorre da necessidade de atualizar os regramentos relativos ao tema, considerando os avanços tecnológicos e a existência de novas regras como a Convenção de Estocolmo sobre os Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs). Para o PGR, não há violação da legislação nem de tratados internacionais sobre o tema, e a resolução deve ser mantida.
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